RECONFIGURANDO A VIDA DEPOIS DO COVID-19

Boa análise do autor do texto postado abaixo, embora pontual! Porém, não apenas Nova York será reconfigurada, pois, por extensão, o mundo todo terá alterações na vida. As instalações comerciais, os focos industriais, os centros de atração econômica  e financeira poderão mudar de local. Semana passada, o governo francês divulgou que, possivelmente, a RENAULT desapareça e da mesma forma, muitas outras empresas desaparecerão. As relações humanas e comportamentais mudarão e a adoção da máscara será uma órtese de uso constante e por longo tempo. Até que tenhamos uma vacina, devidamente testada e atestada, certamente demorará, especialmente por que ela deverá abranger não apenas a atual mutação do vírus, mas outras mutações advindas. Sabemos que estão ocorrendo recidivas da doença na China e na Coreia do Sul, mas com vírus alterados que causam sintomas diferentes dos atuais. 
Enfim, a vida não será mais a mesma.



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Nova York conseguirá evitar um êxodo?
Segundo o prefeito Bill de Blasio, à medida que avançam lentamente para uma reabertura, os nova-iorquinos estão apreensivos sobre como sua cidade emergirá da pandemia - e que tipo de futuro haverá para ela
Por Joshua Chaffin | Financial Times, de Nova York | 29/05/2020 

Há apenas pouco mais de um ano, antes de que a peste moderna chegasse, o complexo imobiliário Hudson Yards, em Manhattan, organizou uma festa de lançamento ao estilo de Versalhes em sua superabundância de champanhe, ostras, chefs de cozinha badalados, pessoas famosas e outras pompas de uma grande cidade.

Mas em uma tarde recente o Hudson Yards era uma cidade fantasma. Seu shopping de 93 mil metros quadrados estava fechado e o grupo de sua loja principal, o Neiman Marcus, declararia falência pouco depois. O The Vessel - a escultura de arte pública que já foi comparada por um crítico a um churrasco grego gigante e geralmente vive lotada de turistas - estava vazio, exceto por um segurança que patrulhava sua base.

O único tráfego de pedestres era um fluxo constante de soldados, que saíam de tratar pacientes do covid-19 no hospital de campanha erguido às pressas no centro de convenções Javits, nas proximidades. Eles se enfileiravam, separados por intervalos de 1,8 metro, para receber refeições de graça em uma loja do Hudson Yards que fora convertida em um sopão. Ao seu lado estavam motoristas de veículos de entregas, carteiros, faxineiros e outras pessoas que ocupam as linhas de frente na luta de Nova York contra o coronavírus.

O quadro é uma lembrança de como o vírus transformou drasticamente Nova York, que deve ter sofrido mais mortes do que qualquer outra cidade do mundo, em apenas algumas semanas. Segundo o prefeito Bill de Blasio, à medida que avançam lentamente para uma reabertura, provavelmente no próximo mês, os nova-iorquinos estão apreensivos sobre como sua cidade emergirá da pandemia - e que tipo de futuro a espera.

Mais do que outras grandes cidades, Nova York ilustra as características urbanas que o vírus transformou em vulnerabilidades - densidade populacional, altíssimo custo de vida, dependência dos setores de varejo, cultura e turismo, e a necessidade de usar um transporte público sempre lotado.

A história moderna da cidade de Nova York é marcada por desastres periódicos acompanhados pelo medo do êxodo - para outras cidades que são mais baratas, mais seguras, mais convenientes. Houve a crise fiscal dos anos 1970 e a decadência que se seguiu; o crash da bolsa de 1987; os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; e a crise financeira de 2008 - isso sem falar dos vários furacões, inundações e apagões de energia.

Contudo, em cada caso os arautos da catástrofe mostraram estar errados. A cidade se recuperou ainda mais forte do que antes e, de certa forma, se reinventou. O 11 de setembro, por exemplo, deu origem a uma região central mais vibrante e pôs em marcha o Hudson Yards, um empreendimento imobiliário de US$ 25 bilhões que é o maior da América do Norte. Depois de 2008, a capital financeira do mundo se transformou em um centro de tecnologia capaz de rivalizar com o Vale do Silício e fortaleceu sua atração magnética para uma nova geração de talentos.

“Ninguém trabalha em Nova York porque é mais barato ou mais fácil. Ninguém. Trabalha porque o talento está aqui”, diz Mary Ann Tighe, chefe da região metropolitana (que se estende pelos Estados de Nova York, New Jersey e Connecticut) da CBRE, grupo de serviços imobiliários.

Carl Weisbrod, um veterano do governo municipal que liderou a revitalização da Times Square no fim dos anos 1980, na gestão de Ed Koch, e foi nomeado recentemente por Blasio para integrar uma nova força-tarefa destinada a orientar a recuperação da cidade, admite que os próximos 18 meses serão difíceis. “Mas enquanto Nova York se aferrar ao seu talento, não tenho nenhuma dúvida de que, como uma questão econômica, ela se recuperará”, completa.

A esperança é que os testes possam encontrar novos focos e contê-los antes de que se tornem surtos
Outros líderes da sociedade tendem a ecoar essa fé reflexiva no futuro de Nova York. Alguns até falam sobre uma oportunidade única para reimaginar a cidade - para eliminar regulamentações comerciais problemáticas que se acumularam ao longo de gerações, atrair novos setores ou corrigir as desigualdades sociais expostas pela crise.

Como Blasio disse há pouco tempo: “Se é que alguma vez houve um momento, um momento de ruptura, na história da cidade, é este momento. É hora de analisar de novo tudo o que fazemos e ver o que funciona e o que não funciona.”

Antes que Nova York possa começar a se reinventar, há muito incerteza, mesmo entre seus defensores mais fervorosos, sobre como a cidade vai superar a catástrofe imediata. Muitos sentem-se atormentados por uma sensação preocupante de que desta vez as coisas são diferentes.

“Isto é muito mais complicado”, diz Carol Kellermann, que dirigiu o fundo de caridade criado depois do ataque terrorista de 11 de setembro e também liderou o grupo consultivo da Comissão de Orçamento dos Cidadãos. “Acredito que terá impactos muito mais profundos e duradouros.”

O 11 de setembro foi brutal e devastador, mas o mundo se mobilizou pela cidade e sua economia foi retomada em poucos dias. Depois de 2008, a cidade de Nova York acabou se beneficiando de políticas que injetaram grandes quantias de liquidez no sistema financeiro.

Com o coronavírus não existe uma solução rápida à vista. Os necrotérios da cidade estão inundados depois de mais de 21 mil mortes - cerca de oito vezes o número de mortos na cidade por conta dos ataques de 11 de setembro - e alguns preveem que o desemprego subirá para 20% em junho. Mas a cidade desperta menos simpatia da nação do que ressentimento partidário. Nova York se sente sozinha.

O pior de tudo é que o que distingue a cidade de Nova York e é responsável por sua alquimia única - sua densidade populacional - é o que a torna tão vulnerável à pandemia. “Além de tratamentos melhores e uma vacina, não sei se existe alguma política governamental que possa fazer as pessoas se sentirem mais seguras”, diz Kellermann.

Aqueles com condições de fazê-lo foram embora, para passar a quarentena em lugares como Hamptons, Palm Beach e Aspen. Ela se pergunta quantos terão partido definitivamente, já que a vida cultural da cidade está fechada e, portanto, incapaz de compensar seus altos impostos e outras indignidades.

“Definitivamente haverá um êxodo urbano”, diz Winston Fisher, incorporador imobiliário de terceira geração, que expressou o medo presente entre os nova-iorquinos de uma certa época sobre uma volta para os maus e velhos tempos. “Eu cresci na cidade. Fui assaltado à mão armada. Lembro como era a esquina da 59ª com a Sexta Avenida, a Times Square”, recorda ele. “A cidade de Nova York pode ser ruim. Não esqueça disso.”

Alguns dos maiores empregadores anunciaram que precisarão de menos espaço para escritórios

Para evitar isso, tem crescido o consenso de que as autoridades devem criar uma sensação de segurança, assim como conseguiram fazer depois do 11 de setembro. Caso contrário, será impossível restabelecer os negócios - e muito menos trazer os turistas de volta. É um desafio de saúde pública, mas também psicológico.

Na falta de uma vacina, o governador do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, recorreu ao ex-prefeito Michael Bloomberg para liderar um sistema de testes e rastreamento. A esperança é que, enquanto a cidade começa a reabrir, os responsáveis pelos testes possam encontrar novos focos de infecção com rapidez e contê-los antes de que se tornem surtos. Como Cuomo reconhece prontamente, é uma tarefa gigantesca.

Enquanto isso, as incorporadoras correm para reformar prédios de escritórios que foram projetados para se ajustar ao gosto pela densidade cada vez maior. Os elevadores serão reprogramados para responder a aplicativos de smartphones, para que os passageiros não precisem tocar em um botão. Portas internas serão removidas pela mesma razão.

Um ponto crítico nesta descontaminação é o maior - e possivelmente o mais deteriorado - sistema de metrô do mundo. A Autoridade Metropolitana de Transportes (MTA, de Metropolitan Transportation Authority) começou um esquema que seria inimaginável há apenas alguns meses: lavar e desinfetar cada vagão e estação de metrô todos os dias.

“A cidade de Nova York e a MTA se desenvolvem fundamentalmente sobre a densidade. Essa densidade cria colaboração intelectual, e cultura, e negócios, e Wall Street, e finanças e design”, diz Pat Foye, presidente da MTA, ao explicar o papel essencial do metrô como sistema de circulação para uma metrópole mundial.

Foye prevê que as novas tecnologias de limpeza “podem ser um verdadeiro divisor de águas em termos de confiança do público no sistema”. Mas a limpeza terá um custo: ele calcula que serão “centenas de milhões de dólares” de despesas adicionais em um momento em que o número de passageiros e as receitas com passagens caíram mais de 90%.

A MTA recebeu US$ 3,9 bilhões em financiamento de emergência do governo federal e já pleiteou outra injeção de US$ 3,9 bilhões apenas para conseguir chegar ao fim deste ano.

Esse é apenas um exemplo dos desafios fiscais que espreitam a cada passo. Blasio, cuja gestão acrescentou 30 mil trabalhadores à folha de pagamento da cidade desde que ele assumiu o cargo, em 2014, estimou em US$ 7,4 bilhões o déficit orçamentário decorrente da paralisação por causa do vírus. Outros põem esse número mais perto de US$ 10 bilhões.

Seja qual for o valor, Seth Pinsky, que comandou o órgão de desenvolvimento econômico da cidade durante a gestão Bloomberg, teme que isso possa representar a ameaça mais direta a um círculo virtuoso no qual talentos e empresas correm uns atrás de outros para a cidade.

“A chave do sucesso de Nova York nos últimos 20 anos ou mais tem sido a força de trabalho de primeira classe que foi capaz de atrair”, diz Pinsky, que recentemente assumiu o comando da 92nd Street Y, uma das principais instituições culturais da cidade. “O que me preocupa é que, quando o governo começar a reagir à situação fiscal, seremos obrigados a fazer cortes nos serviços básicos que serão tão devastadores que vão comprometer a qualidade de vida na cidade.”

Encontrar maneiras de preservar restaurantes, museus, galerias e coisas do gênero não é apenas “ter uma quedinha pelas artes e a cultura”, diz Pinsky. Ao contrário, é essencial manter o apelo e a viabilidade de um lugar que de outra forma é caro e complicado para morar.

Quando Donald Trump foi eleito presidente, alguns nova-iorquinos se consolaram com a ideia de que pelo menos Trump era um deles e, portanto, alguém com quem se podia contar para cuidar dos interesses da cidade. Mas sua hostilidade constante contra a cidade que votou esmagadoramente contra ele em 2016 tem reduzido as esperanças de apoio federal.

O corte de impostos que Trump fez em 2017 foi pago em grande parte com a punição de Nova York e outros Estados com impostos altos e tendência democrata. Mesmo se Trump estivesse inclinado a ajudar, Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, rejeitou pedidos de ajuda para combater o coronavírus que classificou como “resgates financeiros de Estados azuis” (Estados predominantemente democratas).

Depois do 11 de setembro, Bloomberg respondeu à crise com o aumento dos impostos sobre propriedades, um fluxo de receita que representa quase um terço do orçamento de US$ 89 bilhões da cidade de Nova York. Mas esse truque não será repetido facilmente.

As incorporadoras podem não estar em condições de suportar uma carga financeira mais pesada no momento em que muitos de seus inquilinos pararam de pagar aluguel. Elas também estão diante de um temor maior: depois de um treinamento intensivo em trabalho remoto, alguns dos maiores empregadores da cidade - entre eles BlackRock e Morgan Stanley - já anunciaram que precisarão de menos espaço para escritórios no futuro. Se essa conclusão for generalizada, os valores das propriedades de Manhattan podem estar no caminho de um reajuste.

Mesmo antes do coronavírus, os ricos já tinham começado a fugir dos impostos cada vez mais altos da cidade e mudado para lugares como a Flórida e o Texas. “As pessoas estão deixando Nova York e estão deixando Nova York em massa”, diz Norman Radow, que já foi incorporador em Nova York e agora tem sede em Atlanta. O coronavírus, acrescenta ele, “é apenas a gota d’água”.

Ainda assim, a própria experiência de Radow o leva a se perguntar se podem existir oportunidades de investimento pela frente. Ele se mudou para Manhattan em 1978, no pior momento da crise fiscal, e comprou um apartamento de dois quartos por US$ 63 mil. “Todo mundo achava que era o fim de Nova York”, lembra ele. “E veja o que aconteceu.”

Em meio aos escombros, há estilhaços de esperança. Alguns começam a se entusiasmar com a possibilidade de que uma cidade que se tornou tão superaquecida nesta era de dinheiro barato - um bastião de bilionários, acomodados no Hudson Yards - agora possa sofrer um realinhamento induzido pela pandemia. Aluguéis mais baratos podem acabar por tornar a cidade mais acessível para uma nova geração, que usará seus espaços de maneiras que os mais velhos mal podem imaginar.

“Isso sempre acontece depois de cada crise. Serve de semente para a fase seguinte”, diz Daniel Kaplan, sócio sênior da empresa de arquitetura FXCollaborative. Kaplan observa que a WeWork nasceu dos espaços de escritório não utilizados que sobraram na esteira da crise de 2008.

Kellermann concorda: “Minha filha, que tem 35 anos, diz que a cidade voltará ao que era nos anos 1970 e 1980 - mais dura, mas mais arrojada” (Ela reconhece que sua filha não teve uma experiência de fato com a Nova York da década de 1970, uma época em que o número de homicídios por ano passou dos 2 mil e usar o metrô à noite estava fora de questão).

Para Fisher, o momento apresenta uma chance rara de reestruturar um governo municipal antiquado e melhorar o fluxo de crédito para pequenas empresas. Como outros membros da comunidade empresarial, ele também gostaria que a cidade desse prioridade ao setor de ciências da vida como a próxima fonte de empregos bem remunerados, assim como a gestão de Bloomberg cultivou o setor de tecnologia.

Mesmo com a decisão anunciada pela Amazon no ano passado de cancelar os planos de ter uma segunda sede em Queens, a cidade de Nova York ainda conseguiu atrair bilhões de dólares em investimentos da varejista online, bem como do Facebook e do Google, que destacaram e remodelaram o lado oeste da cidade.

Weisbrod quer construir moradias mais acessíveis. “Acho que o pêndulo se moveu longe demais na direção contrária à construção”, diz ele. “Todo mundo diz que quer moradias mais acessíveis, mas ninguém as quer em sua vizinhança.”

Com o coronavírus a abrir os olhos da população para as disparidades entre ricos e pobres, pode ser que exista uma chance. Ao mesmo tempo, Weisbrod e outros líderes se preocupam com a forma como a crise poderá moldar a política da cidade. Será uma força construtiva que trará reformas - ou uma força desagregadora que, em última instância, colocará comunidades umas contra as outras?

A corrida para a sucessão de Blasio como prefeito no ano que vem pode ser uma das campanhas eleitorais mais importantes da história moderna da cidade. Seu sucessor será alguém que, como ele, se classifica como “progressista”, ou será um membro da classe executiva, nos moldes de Bloomberg - ou algo completamente diferente? Quem quer que seja, o vencedor deve ter fé na resiliência de Nova York, mas também, como adverte Pinsky, não esquecer seus dias mais sombrios.

“Aqueles foram tempos horríveis”, diz ele sobre os anos 1970, quando a base econômica da cidade de Nova York estava destroçada e sua população encolheu em 800 mil moradores. “Levamos décadas para nos arrastar para fora daquele buraco. Deveríamos ter muito cuidado para não voltar a cair nele.”


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