Na trágica relação de "primeiras páginas", que o autor relaciona, faltou uma, resultante de estudo da FGV: "STF arquiva todos os processos de suspeição contra ministros". Aí, então, fiquei conjeturando sobre os fundamentos de Democracia e de República que norteiam minhas convicções. Senti-me um pascácio!
(Reproduzi o texto integralmente e, por isto, ele contém erros de grafia e de pontuação.)
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Fique
rico com democracia (para O Estado de S. Paulo de 13/8/2019)
Nem mais nem menos corrupto que o resto. O brasileiro é só
humanidade. O poder – que corrompe sempre e corrompe absolutamente quando é
absoluto – é que é absoluto por aqui. Quanto a isso, aliás, seguimos evoluindo para
tras. Tratar o problema exclusivamente com polícia resultou em que o círculo se
fechasse ainda mais. De 513 mais estaduais e municipais que nós elegemos
pusemo-nos nas mãos de 11 nomeados dos quais, para nos arancar a pele, bastam
seis. Isso se ninguém recorrer à “monocracia”!
Em um único dia de primeiras páginas foi possível colecionar
o seguinte. “Gasto com funcionalismo sobe na crise e bate recorde”. “Condenados
do mensalão não pagam (nem) multas”. “Verba pública para partidos
cresceu 2400% em 24 anos”. “Mortandade de industrias chega a 2300 de
janeiro a maio”. “Com 42 ações com base em dados do COAF Toffoili só
reagiu à de Flavio Bolsonaro”. “STF impede que Lula seja transferido
para cela comum”. “STF impede investigação de Glen Greenwald”. “STF
barra investigações contra o crime organizado”. “STF afasta fiscais e
pára investigação de ministros e parentes”. “STF quer censura para quem
falar mal do STF”…
Acreditar que trocando poderes desse calibre de dono vamos
acabar com essa corrupção é acreditar que é possível fazer a humanidade deixar
de ser a humanidade. O caso não é de polícia, é de política. De instituições
políticas, melhor dizendo. Político, aqui, tem existência própria, independente
do povo. Mas eles não foram feitos para “ser”, foram feitos para “representar”.
Para ser comandados, não para comandar.
Na democracia, o sistema que o Brasil copiou antes de saber
do que se tratava, o povo tem os poderes todos, maiores até que os dos reis, e
os seus representantes individualmente nenhuns. Tudo em Pindorama sai pelo
avesso porque mesmo com a Republica o poder, agora aumentado, continuou nas
mãos dos poucos, não passou para as dos muitos. É ilusão de noiva esperar que
funcione sem o comando do povo uma máquina de governar que foi desenhada para
funcionar estritamente sob a batuta dele. O povo, só o povo e ninguém mais que
o povo pode ter poderes absolutos. Só dividido pela totalidade da população
esse excesso de poder converte-se de vício em virtude. E como o povo mora é na
cidade, no bairro, a hierarquia, na democracia, exerce-se da periferia, que é a
realidade, sobre o centro que é a ficção política.
Não no Brasil. Aqui a ficção é que manda na realidade. O
pouco de federalismo que houve, lá nos primeiros dias da Republica, Getulio
Vargas matou e nunca mais reviveu. Mas o que vai por escrito é que democracia
seguimos sendo e as instituições (não importa quais) “estão funcionando”. E
como “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” temos, sim,
leis e dinheiros “contingenciáveis” empurradas pela periferia que vão todas na
direção de garantir educação, saude e segurança. Só que têm precedência sobre
elas as leis e os dinheiros “incontingenciaveis” que regem a vida do centro – a
própria constituição que a isto está reduzida – e desviam tudo que o outro lado
tenta fazer da função para o funcionário, assinando embaixo: “Povo”. Passa
então a ser “o brasileiro” – assim difuso – que paga mal o professor, não cuida
da saude, é violento e irresponsavel de um tanto que só não anda matando pelas
ruas quem não tem uma arma pra chamar de sua. Liberdade condicional. Vão por aí
abaixo as “verdades estabelecidas” que a mídia traga e, sem nenhum filtro,
traduz…
E no entanto é tão simples. 99% da literatura política do
mundo é ininteligível porque não passa de tapeação. Não existe isso de
“entender de política”. Meu pai sempre dizia que quando você lê alguma coisa e
não entende o burro (ou o sacana) é “o outro”. Democracia é coisa de somenos.
Como todo bom remédio, exigiu muy especial ilustração para
inventar mas não requer nenhuma para usar. Até o morador de rua analfabeto, lá
na cidadezinha dele, sabe se o prefeito asfaltou aquela via publica porque é o
que a cidade estava precisando ou porque tinha comprado os terrenos todos. Se o
vereador fez aquela lei pra fazer a vida de todo mundo mais fácil ou pra vender
a isencão a ela. Se o preço de uma obra está justo ou obeso de roubalheira. Se
a dosagem de repressão prescrita é ou não é suficiente para desincentivar o
crime. Se o que é exigido do funcionário público deve ou não ser o mesmo que é
exigido de todo mundo. Se o salário do político está obsceno de pouco ou de demasia.
Se é ou não razoavel ele pagar suando o dobro pelo “direito adquirido” a pagar
metade dado por um político ao seu vizinho. Se as leis devem ou não ser mudadas
assim que se provarem superadas. Quais normas, para além da regra do jogo feita
para impedir trapaça na mudança, devem ou não ser “petrificadas” por um
complicador adicional de alteração.
Democracia, onde tudo isso se vota, não é mais que isso. E,
como quem manda é quem demite, para tê-la tudo que é preciso é inverter a
relação hierárquica entre o País Real e o País Oficial. A ligação entre
representantes e representados tem de ser concreta para que a marcação possa se
dar homem a homem. Só o voto distrital puro com retomada de mandato (recall)
permite isso. Qualquer outro entrega o ouro aos bandidos. As regras do jogo têm
de ser consensuadas e não impostas, o que só os direitos de iniciativa e
referendo legislativos proporcionam. A justiça tem de ser tão isenta quanto
pode ser a humana, o que requer liberdade absoluta do juiz “enquanto se
comportar bem”, critério cuja aferição eleições periódicas de reconfirmação dos
seus poderes pelo voto direto do povo tira do céu e traz de volta à Terra. Os
poderes do eleitor têm de ser tanto mais absolutos quanto mais próximo se
estiver do bairro, a periferia do sistema, e mais contrabalançados na medida em
que se aproximarem do centro que muda de lugar com 50% + 1.
A natureza humana não se altera sob a democracia. Mas nela
você só paga pelos erros em que insistir em perseverar. Dá pra ficar rico!