CENTENAS DE AMARILDOS

Num outro momento qualquer da História, ou em outro País qualquer sério, tal declaração de governante, ou mesmo de cidadão comum, passaria por falação escandalosa, irresponsável e desumana. Mas, estamos no momento atual, no Brasil atual e a falação escandalosa irresponsável e desumana é lugar comum. Situa-se aí, então, a fala fascista, totalitária e, portanto, antidemocrática desse governante reles e reles governante. Não apenas por expor um dado estatístico que seu governo nunca divulgou, mas, especialmente, por relevar um desaparecimento humano. Mesmo que hajam ocorrido centenas, ou milhares de desaparecimentos, sem que lhes tenham sido dada importância, o que é gravíssimo, a este que está em evidência por vários fatores, deve-se atribuir a maior relevância, pois, tudo indica, vem sendo o marco divisor desse tipo de problema. Enfim, a declaração distorcida e com ausência de bom senso, agora em foco, representa a síntese moral, intelectual e política desse representante de uma classe cada vez mais em descrédito: a política.
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Declaração de Cabral minimiza sumiço de Amarildo, reedita argumentos de viúvas da ditadura e sugere que ‘humildade’ pós-papa já passou
Mário Magalhães
“O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), disse, durante uma cerimônia em Rio das Ostras, região dos Lagos, que antes das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) serem instaladas nas favelas, o desaparecimento de pessoas era comum. ‘Sabe o Amarildo, que sumiu? Antes da UPP sumiam cem Amarildos por mês’, disse o governador durante solenidade de lançamento de um programa de renda para famílias pobres.”
Assim relatou reportagem da colega Carolina Farias, aqui no UOL, sobre o evento de ontem. O pronunciamento do governador tem o mérito de evidenciar convicções e comportamentos.
A declaração indica leviandade. Onde estão as estatísticas sustentando que sumiam “cem Amarildos por mês” antes das UPPs? Que eu saiba, esses números nunca foram divulgados. Existem? Em caso positivo, por que foram omitidos? Não haveria ilegalidade no procedimento de ocultar desaparecimentos? Com a palavra, o Ministério Público.
Ao tratar nesses termos o sumiço do morador da Rocinha, um contra alegados cem, Cabral minimiza o sofrimento da família do pedreiro. Poderiam ter sido um milhão de desaparecidos. Para os parentes e amigos de Amarildo, não diminuiria em nada a dor que deveras sentem.
A declaração do governador evoca argumentos de viúvas da ditadura que vigorou no Brasil de 1964 a 85. Saudosos do regime antidemocrático costumam cotejar o saldo de oposicionistas mortos e desaparecidos no Brasil, cerca de 400, com os até 30 mil da Argentina durante a ditadura 1976-83. Concluem, sem pudor, que o ocorrido aqui não foi tão grave assim.
Ainda que involuntariamente, é mais ou menos o que o governador sugere, no contexto do caso Amarildo, ao rememorar sumiços anteriores à introdução do projeto das UPPs.
Como se viu, o discurso compungido, em seguida à visita do papa, parece ter sido esquecido por Cabral. O governador se disse tocado pela humildade de Francisco. Se era verdade, o impacto do jesuíta de espírito franciscano já passou.
Também ontem, Cabral foi vaiado por alguns manifestantes. Reagindo a eles, referiu-se a protestos como um “mal”, ainda que com o complemento “democrático”. O adjetivo é secundário, e o substantivo, essencial: manifestação é um mal, supõe o governador.
Fosse quem fosse Amarildo, em qualquer cenário o Estado tem responsabilidadepor seu desaparecimento.
O governador faria melhor caso trocasse a virulência do palavreado por resultados efetivos nas buscas pelo pedreiro, esteja ele vivo ou morto.
Em tempo: Amarildo vivia com a mulher e seis filhos em um só cômodo, em sua casa miserável na Rocinha.


O QUARTO PODER CRIMINOSO

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