OS "PARA LAMENTAR"

Abaixo, está um panorama da composição remuneratória dos congressistas, organizado pela organização Transparência Brasil.

Se obtivermos apenas o somatório das Casas do Congresso Nacional, teremos para o Senado o custo de R$ 2.371.460,00 X 81 Senadores = R$ 242.088.260,00. Para a Câmara de Deputados, multiplicamos o custo individual de R$ 1.492.898,00 por 513 Deputados e obteremos o resultado de R$ 765.856.674,00. Somando ambos os resultados, apuramos quanto nos custa ao povo, anualmente, somente o Congresso Nacional: R$ 1.007.944.934,00. Mais de um bilhão de reais por ano, considerando o cálculo de um representante de Brasília. Sê-lo-á muito mais significativo se esse cálculo for efetuado relativamente a cada representante de cada estado brasileiro.

Adicionalmente, consideremos que há, aproximadamente, 1300 Deputados Estaduais (há estados com mais de 90 e outros com menos de 30 representantes) e que cada um gere um custo de, também especulativamente, R$ 80.000,00 por mês, teríamos, então, mais R$ 1.248.000.000,00 por ano.

Mas há os municípios! Eles são 5564 no País, cada um com sua Câmara de Vereadores e, como ninguém é de ferro, todos têm sua remuneração. Agora, se torna difícil mensurar o custo de cada Vereador em cada Município. Mas imaginemos uma média de 10 Vereadores por Município e obteremos 55.640 representantes municipais. Sejamos, então, condescendentes e atribuamos a cada um o custo médio mensal de R$ 5.000,00 e, após multiplicarmos por 12 meses, obteremos o total de R$ 3.338.400.000,00.

Somando tudo, teremos R$ 5.594.344.934,00 que é custo anual da representação política, para o povo brasileiro. Claro que não está computado o custo dos Prefeitos, dos Governadores e do Presidente da República, nem tampouco, dos Secretários Municipais e Estaduais e dos Ministros de Estado.

Vemos, então, o quanto nos custa manter a parlamentação e, como conseqüência, o quanto é importante sabermos escolher nossos representantes, situados no contexto democrático e no sistema republicano de governo.

Claro que os valores acima expostos são um grande exagero, se me permites o pleonasmo, pois há países muito mais ricos e com melhores condições de vida que não dão suporte a esse tipo de conduta nababesca. Lembremos juntos que, de tudo isso, o suporte somos nós quem o damos por meio dos impostos que pagamos.

http://www.transparencia.org.br/imagens/logao.gif

Salário representa pequena parcela da remuneração anual de congressistas

No debate acerca do recente aumento salarial aprovado pelos deputados federais e senadores para a próxima legislatura, esquece-se que a remuneração dos congressistas não é composta apenas do salário. Ele representará, em 2011, apenas 27% do total a ser recebido por um deputado federal ao longo de um ano, e 17% do que será recebido pelos senadores.

O restante do que é pago aos parlamentares vem em forma de benefícios – cuja aplicação é mais difícil de monitorar, tendo em vista os problemas em relação à transparência dos gastos. Exemplo disso é a contratação de consultorias pelos parlamentares: não há publicidade sobre o trabalho desenvolvido pelos consultores.

Não são raros, ainda, os casos de desvios ou má aplicação das verbas extras. Em passado não muito distante, registrou-se a chamada “farra das passagens aéreas”, em que deputados federais foram acusados de usar passagens para viagens de lazer ao exterior, acompanhados de suas famílias.

Na Câmara, os parlamentares têm direito a três benefícios além dos salários: Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), auxílio-moradia e verba de gabinete.

A CEAP varia de acordo com a distância do estado de origem em relação a Brasília. Assim, um deputado do Distrito Federal tem direito ao menor montante (R$ 23.033), e um de Roraima, ao maior (R$ 34.259). A tabela completa com a CEAP para cada estado por ser vista aqui. Para fins de referência, foi usada a Cota de um parlamentar do DF:

Remuneração anual - Deputados federais

Item recebido

Montante anual(R$)

Distribuição em relação ao total

Salário

400.500

27%

CEAP

276.398

19%

Auxílio-moradia

36.000

2%

Verba de gabinete

780.000

52%

TOTAL

1.492.898

http://farm6.static.flickr.com/5161/5268096297_206fee95c9.jpg

No Senado, os benefícios concedidos são sete: verba de gabinete, verba “indenizatória”, auxílio-moradia, cotas para impressão, para telefone, postal e para passagem aérea.

A cota postal é determinada de acordo com a população do estado de origem do parlamentar. A menor, desse modo, é a dos senadores do Amapá: R$ 4.000 por mês – este foi o montante usado como base para o cálculo apresentado.

Em relação às passagens aéreas, o limite é de 60 passagens por mês para o trecho Brasília – capital do estado – Brasília. Tendo isso em vista, o cálculo foi baseado no custo de uma passagem da Gol Linhas Aéreas para Goiânia, a capital mais próxima de Brasília, com saídas em 11 de fevereiro de 2011 (Brasília) e 14 de fevereiro de 2011 (Goiânia): R$ 178.

Remuneração anual - Senadores

Item recebido

Montante anual (R$)

Distribuição em relação ao total

Salário

400.500

25%

Verba de gabinete

1.066.000

66%

Verba “indenizatória”

45.600

3%

Auxílio-moradia

780.000

48%

Cota para impressão

8.500

1%

Cota para telefone

6.000

Menos de 1%

Cota postal

48.000

3%

Cota de passagem aérea

10.680

Menos de 1%

TOTAL

2.371.460

http://farm6.static.flickr.com/5244/5268096323_5515a47b72.jpg


Transparência Brasil.

BAITA LIÇÂO


Que baita lição nos deu a todos esse cara que também é Bispo! Foi na toca das hienas, agüentou o risco da ferocidade delas e suportou o mau cheiro que exalava do ambiente. Mas, deu o recado! Foi uma atitude gigantesca de dignidade e despojamento a todos os “para lamentar”, como ele disse, e a todos nós que nos omitimos.

Lê a notícia e o pronunciamento dele e, tenho certeza, sentirás orgulho de ter por compatriota um cidadão como ele.

O que mais impressiona é que isso não obteve a atenção da imprensa.

_____________________________________________________________________

21/12/2010 - 14h08 | Atualizada em 21/12/2010 - 15h31/Congresso em Foco

Estudantes gritam contra aumento e bispo rejeita prêmio

Em protesto contra reajuste de 61% nos salários dos parlamentares, 100 estudantes protestaram em frente ao Congresso e, dentro do plenário do Senado, um bispo rejeitou receber uma homenagem pela defesa dos direitos humanos

Eduardo Militão

O aumento de 61% para os parlamentares e de mais de 100% para a presidente eleita, seu vice e os ministros do Estados causou mais protestos no Congresso nesta terça-feira (21). Um grupo de cerca de 100 estudantes universitários foi barrado ao tentar entrar na chapelaria do Legislativo com cartazes criticando o aumento para R$ 26.700 para deputados, senadores, Dilma Rousseff, Michel Temer e futuros ministros de Estado. Ainda hoje, o bispo Manoel Edmilson da Cruz rejeitou, em meio a uma sessão no plenário do Senado, receber uma homenagem, a comenda Dom Hélder Câmara.

Sarney diz que responsabilidade por aumento é da Câmara

O bispo disse agir sem ressentimentos ao não aceitar a premiação. “Sem ressentimentos e agindo por amor e com respeito a todos os senhores e senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la”, afirmou Cruz, sendo aplaudido em seguida pelos presentes. “Ela [a comenda] é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão contribuinte para o bem de todos com o suor de seu rosto e a dignidade de seu trabalho.”

O bispo lembrou do efeito cascata do aumento e ainda exemplificou algumas categorias profissionais que não conseguem aumentos salariais dignou. “O povo brasileiro, hoje de concidadãos e concidadãs, ainda os considera parlamentares?”, disse Cruz. Ele afirmou que os motoristas de ônibus de Fortaleza, por exemplo, buscaram um aumento de 26% este ano, mas, com esforço, só obtiveram 6%.

Barrados

Os estudantes tentaram entrar no Congresso, mas foram impedidos pela Polícia Legislativa e pela Polícia Militar. Acusaram os policiais de darem um choque em um garoto de 14 anos. O diretor da Polícia Legislativa do Senado, Pedro Ricardo Araújo, afirmou que os homens da Casa portavam armas elétricas, mas não as utilizaram nesta ocasião.

A manifestação continuou no gramado do Congresso. Os estudantes se posicionaram para compor um cifrão ($) em frente à Câmara e ao Senado. “Qualquer aumento é abusivo em relação ao aumento do salário mínimo, que foi de apenas 5%”, disse o estudante de letras Pedro Lucas Grace, de 18 anos. Cartazes diziam “Chega de fazer o povo de palhaço $$”.

Ele afirmou que o grupo até tentou entrar em fila indiana nas dependências do Legislativo, mas foi impedido. Araújo disse ao Congresso em Foco que as visitas ao Senado – que acontecem todos os dias – foram suspensas. “Aqui não é lugar de manifestação”, disse o diretor da Polícia Legislativa.

Araújo disse que é diferente a postura dos estudantes dos aposentados que, frequentemente, tomam as galerias do Senado e da Câmara para pressionar por reajustes. De acordo com o diretor da Polícia, os aposentados vêm atrás de um projeto específico, ocupam as galerias silenciosamente e estão trajados de forma adequada para o Congresso.

A íntegra do discurso do bispo

O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. PCdoB – CE) – Parabéns, José Nery, pelo pronunciamento.
Peço tranqüilidade à segurança da Casa, porque fui informado de que está tendo uma manifestação. Como estamos aqui festejando os direitos humanos, é preciso muita tranqüilidade, trata-se de jovens que estão defendendo seus pontos de vista e a nossa Casa deve ter o maior zelo, exatamente por isso.
No exercício da Presidência, embora não seja ritual da nossa Casa, quero convidar para fazer uso da palavra, em nome de todos os homenageados, o Bispo Dom Manoel Edmilson da Cruz.
O SR. MANUEL EDMILSON DA CRUZ – Sr. Presidente Senador Inácio Arruda. Sr. Defensor dos Direitos Humanos de Abaetetuba do Pará, Sr. Antonio Roberto Figueiredo Cardoso. Defensor Público da Comarca de Taubaté, do Estado de São Paulo, Sr. Wagner Giron de La Torre. Sr. Secretário Executivo do Conselho de Direitos, Sr. Eden Pereira Magalhães, representando o agraciado, grande amigo e irmão dom Pedro Casalgáliga Pla, Bispo emérito de São Félix do Araguaia. Sr. Eduardo Freitas, representante de Marcelo Ribeiro Freixo e todas as outras pessoas aqui, Senadores e pessoas que estão presentes.
Quero uma saudação especial ao meu amigo e companheiro de luta Dr. Cláudio Sadá, um dos membros fundadores da Comissão Regional de Justiça de Paz no Ceará, pelo muito que tem realizado, o que vai se gravar na história.
Saudação a todas as pessoas aqui presentes.
Queria confirmar o que disse o Senador Inácio em relação à situação do trabalhador sem salário mínimo, porque a meu ver isso é um retrocesso comparado ao tempo da escravidão. O escravo era alimentado, o patrão, o dono só tinha interesse em alimentá-lo, ele (inaudível) trabalhar, é diferente. Então, é um retrocesso nesse sentido. Não sei se concordam comigo. É uma coisa de fazer muita pena.
Depois, em relação ao nosso Dom Hélder ao que disse o Senador José Ney, eu queria dizer que a minha primeira ... esse menino de nove anos, a primeira vez que o Dom Hélder Câmara foi lá na cidade de Acaraú, no norte do Ceará, batida preta no comício do integralismo, camisa verde
camisa verde. É impressionante este fato, para dizer que nós não podemos jamais perder a esperança em ninguém, porque este mesmo Padre Helder era, antes de tudo, um santo. Ele passava, o dia todo ocupado, magrinho como ele era, frágil, humanamente falando, duas horas, todas as madrugadas, diante do Santíssimo Sacramento, em oração, em adoração. Isto marca a personalidade de Dom Helder. É este mesmo Dom Helder que, entre os seus pensamentos, este aqui, para mim, é uma coisa muito interessante, que ajuda muito a viver e a conservar e a alimentar a esperança que Deus nos dá. Ele diz assim, a partir dessas orações das madrugadas: “A criatura é como cana. Mesmo passada pela moenda, mesmo reduzida a bagaço, mesmo desfeita de todo, só sabe dar doçura”. Isto é Dom Helder.
Agora, meus irmãos, espero ser muito bem entendido no que vou dizer. Eu o faço levado por amor e também por confiança; essa esperança que Deus me ensinou a colocar em todas as pessoas humanas.
A surpresa deste dia chegou aos meus ouvidos à noitinha, quinta-feira, 16 de dezembro, como o alvorecer da aurora e a vibração cantante de um “bom-dia”.
Mais que surpresa, era como se alguém de extraordinária generosidade tivesse focado uma libélula, projetando a sua leveza e levando a atingir as proporções de uma águia e de um condor.
Passa por esse crivo, caro Senador Inácio, o meu agradecimento pessoal, cordial e profundo ao senhor, aos seus ilustres pares que o apoiaram nesta iniciativa e a todo o Congresso Nacional e às pessoas que estão aqui presentes.
Pensei, em vista dos meus 86 anos, em receber esta honraria por meio de um representante, mas o Congresso Nacional merece respeito. O verdadeiro Congresso Nacional é sinal de verdadeira democracia. A honrosa Comenda porém dos pais da pátria, como diziam os romanos, patres conscripti, me faz refletir precatórios que se arrastam por décadas, aposentados e idosos com as suas aposentadorias reduzidas, salários mínimos que crescem em ritmo de lesmas; depois de três meses de reivindicações e greves, os condutores de ônibus do transporte coletivo urbano de Fortaleza agora, dos cerca de 26% de aumento pretendido, mal conseguiram, a duras penas, pouco mais de 6%, quer para a categoria, quer para o povo, principalmente os pobres da quinta maior cidade de nosso Brasil. Meus irmãos e irmãs, falo agora de coração com muita fé, com o grande respeito que devo a todos, mas, falo como irmão e irmã sobretudo, quer dizer, assumindo a alma de todas as pessoas, pois é exatamente nesse momento que o Congresso Nacional aprova o aumento de 61% dos honorários de seus Parlamentares que em poucos minutos chegam a essa decisão e ao efeito cascata resultante e o impõe ao povo brasileiro, o seu, o nosso povo. O povo brasileiro, hoje de concidadãos e concidadãs, ainda os considera Parlamentares? Graças ao bom Deus, há exceções decerto em tudo isso. Mas, excetuadas estas, a justiça, a verdade, o pundonor, a dignidade e a altivez do povo brasileiro já tem formado o seu conceito. Quem assim procedeu não é Parlamentar. É para lamentar. Prova disto? Colha na internet.
Se o tom se torna como quem está com rancor, não tem rancor nenhum aqui, tem veemência, que é diferente, e amor.
Bem verdade é que a realidade não é assim tão simples e a desproporção numérica, um dado inarredável. Já existe – e é de uma grandeza bem aventurada! – o SUS, o bolsa família.
Aí estão trinta milhões de brasileiros, que as linha de pobreza, às vezes até da indigência, alcançaram a classe média – isto é muito bonito. É verdade a atuação do Ministério da Saúde. Existe o Ministério da Integração Nacional. É verdade! Mas, não são raros os casos de pacientes que morreram de tanto esperar o tratamento de doença grave, por exemplo, de câncer, marcado para um e até para dois anos após a consulta. Disso sou testemunha. Maldita realidade desumana esta, desalmada! Ela já é em si uma maldição. E me faz proclamar em pleno Congresso Nacional, como já o fiz em Assembléia Estadual e em Câmara Municipal: Quem vota em político corrupto está votando na morte! Vou falar mais calmo ainda, porque falo por amor: Quem vota em político corrupto está votando na morte! Mesmo que ele paradoxalmente seja também uma pessoa muito boa, um grande homem. Ainda não do porte de um Nelson Mandela que, ao ser empossado Presidente da República do seu país, reduziu em 50% o valor dos seus honorários.
Considerações finais.
Senhores e Senhoras, meus irmãos e irmãs, sinto-me primeiro perplexo, depois decidido. A Comenda hoje outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi Dom Helder Camara. Desfigura-a, porém.
De seguro, porém, sem ressentimentos e agindo por amor e com respeito a todos os senhores e senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la. (Palmas.). Ela é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão contribuinte para o bem de todos com o suór de seu rosto e a dignidade de seu trabalho.
É seu direito exigir justiça e equidade, em se tratando de honorários e de salários, também. Se é seu direito, e eu aceitar, estou procedendo contra os direitos humanos. Perderia todo sentido este momento histórico. O aumento a ser ajustado deveria guardar sempre a mesma proporção que o aumento do salário mínimo e o da aposentadoria. Isso não acontece! O que acontece –repito– é um atentado contra os direitos humanos de nosso povo. A atitude que acabo de assumir, assumo com humildade... Assumo com humildade, sem pretensão a dar lições a pessoas tão competentes e tão boas. A todos suplico compreensão e a todos desejo a paz e os meus sinceros votos de um abençoado feliz Natal e um próspero Ano Novo. Deus seja bendito para sempre! Muito obrigado. (Palmas.).
O SR. PRESIDENTE (José Nery. (PSOL - PA) – Meus cumprimentos a Dom Manuel Edmilson da Cruz que, coerente com aquilo que pensa, neste momento adota uma atitude de rejeição ao que fez o Congresso Nacional quando reajustou, em 62%, os salários dos parlamentares para o próximo período.
O SR. MANUEL EDMILSON DA CRUZ – Minha sugestão é outra: é a de se desfazer o erro quando se começa. É agora! Deve-se retroceder, como o fez Mandela. O caso dele era muito diferente... Desculpem-me a insistência: isso é grito da natureza humana ferida! Não é possível! Deve-se acabar com esse trabalho e reduzi-lo ao normal, ao correto.
O SR. PRESIDENTE (José Nery. (PSOL - PA) – Entendemos o gesto, o grito e a exigência de Dom Edmilson da Cruz que, em sua fala, Sua Excelência Reverendíssima também diz que veio aqui e compareceu mas recusará a comenda. Também exige que o Congresso Nacional reavalie a decisão que tomou em relação ao salário de seus parlamentares.
Queria neste momento dizer, Senador Inácio Arruda e Senador Cristovam Buarque, que tomei conhecimento que um grupo expressivo de estudantes se dirigiu à entrada do Congresso Nacional para, também –na mesma linha em que o faz Dom Edmilson da Cruz–, como se fosse uma intercomunicação (que a gente não vê, mas acontece), promove, neste momento, um protesto contra o reajuste

NUNCA ANTES

O artigo abaixo traça um perfil crítico e irônico de um governo, de um partido político e de um líder que conclui oito anos de mandato, período em que poderia ter efetuado as alterações sociais, políticas e econômicas, cujas estruturas e funcionalidades anteriores sempre criticou. Poderia, pois nada fez para tanto. Ao contrário, aprofundou algumas das diferenças tradicionais da sociedade e consolidou um sistema fisiologista, clientelista, patrimonialista e corrupto, como nunca antes houvera. Dizer que os fatos de corrupção surgiram em razão de uma fiscalização melhor é, apenas, meia verdade.

Sugiro, pois, a leitura do excelente texto do jurista Paulo Brossard.


Nunca antes

PAULO BROSSARD

Depois de escolher e eleger sua sucessora, depois de, nas barbas da Justiça e dos representantes das nações estrangeiras, assumir ostensivamente a direção da campanha de sua candidata, exercendo um poder que nem a Constituição nem as leis lhe outorgavam, de resto, inconciliável com o caráter nacional de sua investidura, depois de se autodenominar “o povo”, “a opinião pública”, o presidente da República, às escâncaras, fez as vezes do cel. Chávez. E, para não deixar dúvidas, se autoconcedeu o diploma de haver realizado o maior e melhor governo do Brasil em todos os tempos.

A verdade é que os governos acertam e erram e por muitas razões, a primeira das quais é que os governantes são homens, e estes, ainda que cheios de louváveis propósitos, não são imunes ao erro; ora, em relação ao que está vivendo seus últimos dias, pode-se dizer o mesmo. Entre acertos tanto mais dignos de nota quando seu chefe, a despeito de sua clara inteligência, não é e nunca foi um scholar e nem pretendeu sê-lo, também incorreu em falhas lamentáveis por ação e omissão. De resto, ele tinha que pagar tributo ao maldito sistema presidencial; tendo sido eleito pela maioria do eleitorado, seu partido não chegou a eleger cem deputados, quando são 513 os membros da Câmara, nem 20 senadores, quando 81 são os membros da Câmara Alta; como seu saber, da experiência feito, sua habilidade e prática sindical, não teve dificuldade em obter maioria parlamentar e crescer em poder e influência, a ponto de, como erva-de-passarinho, à custa da oposição, a ponto de desequilibrar a equação política nacional; o Executivo se agigantou e seu titular fez o que quis, interna e externamente.

Ligando-se ao Irã para mostrar seu distanciamento de Washington, foi de um primarismo a lembrar a criança que reage pondo a língua de fora, quando não faltavam maneiras adequadas para marcar as diferenças.

O do escândalo do Complexo do Alemão, um território soberano encravado no território nacional, durante oito anos não foi visto pelo governo do “nunca antes”, e só rompeu o pacto da convivência silenciosa quando o morro iniciou a guerra civil abertamente.

De janeiro a agosto do ano em curso, navios que fazem escala no Brasil, juntos, parados, tiveram de esperar 78.873 horas, ou 3.286 dias, para atracar em portos nacionais, notando-se que cada dia parado custa ao barco coisa de US$ 25 mil; esses números indicam que, comparados com os do ano anterior, o aumento foi de 16%; ainda mais, esse fenômeno levou as cinco maiores empresas de navegação a 741 cancelamentos de escala, 62% superiores aos de 2009, no mesmo período. Por sua vez, para o atraso no embarque e desembarque de mercadorias, não são isentas de responsabilidades a descoordenação entre Agência Reguladora, Polícia Federal, Receita Federal e não sei mais o quê. A título de ilustração, só no porto de Santos, 120 navios ficaram fundeados simultaneamente por falta de alguma providência de terra. São fatos de inconcussa gravidade que, direta e indiretamente, atingem magnos interesses do país e de milhares de pessoas.

Muito teria a dizer a respeito, mas me falta espaço para mostrar que a majestática declaração presidencial parece decorrer de uma explosão de megalomania festejada por uma publicidade “nunca antes vista neste país”.

A majestática declaração parece decorrer de uma explosão de megalomania.

GRATIDÃO CÓSMICA

Marcelo Gleiser é brasileiro e professor de física teórica nos Estados Unidos. Este artigo foi escrito para o jornal Folha de São Paulo, de 28/11/2010. Ele situa a Terra num Universo de dimensões assustadoras e, por isso mesmo, chama a atenção para o benefício que é existirmos aqui, sem que nada nos seja cobrado, apesar de estarmos abusando dos favores naturais do planeta.

É um bom assunto para que pensemos nossa atitude individual, situada no contexto de toda a Humanidade._____________________________________________________

Gratidão cósmica


Esta semana, é celebrado o Dia de Ação de Graças aqui nos EUA.
Historicamente, ele celebra a gratidão dos imigrantes ingleses que, se não fossem os nativos de Massachusetts, teriam morrido de fome. Na prática, comemora-se a colheita de fim de verão com muita comida, inclusive peru ao forno (consumido por 45 milhões de pessoas na data).
Mas, aqui na coluna, gostaria de dar graças mais globais. Começando com o Universo.
São umas 200 bilhões de galáxias, com umas 200 bilhões de estrelas cada. Boa fração tem planetas girando à sua volta, muitos deles com luas. Ao todo, são trilhões de mundos, cada um com sua história.
O que existe além do espaço? O que ocorreu antes do Big Bang? As medidas atuais (lembre-se que conhecemos apenas o que podemos medir; o resto pode ser divertido de comentar em conversas, mas é apenas especulação) indicam que o espaço é plano. Ou seja: continua para sempre, em todas as direções.
Temos certeza disso? Não. Tudo o que podemos dizer é que a porção do espaço que conseguimos medir, delimitada pela distância viajada pela luz desde o Big Bang, há 13,7 bilhões de anos, tem geometria plana ou muito próxima disso.
Imagine uma praia e o horizonte à distância. Sabemos que o mar não termina lá, apenas o que podemos ver dele. O mesmo com o espaço.
Sabemos que as leis da física e da química valem por todo o espaço.
Podemos dizer a composição de uma estrela sem irmos até lá. Podemos explicar como as primeiras galáxias nasceram há bilhões de anos. Quando olhamos para os céus, olhamos para o passado. Quanto mais distante no espaço, mais para trás no tempo. O cosmo é uma máquina do tempo. Quem disse que não existe mágica em ciência?
E o tal "começo"? Não sabemos, mas conhecemos a história cósmica até um trilionésimo de segundo após o "Bang". Nada mau para apenas 400 anos de ciência.
Sabemos também que não faz sentido perguntar o que ocorreu "antes" do Big Bang. Quem era você antes de nascer? Não existir significa não existir no tempo. Santo Agostinho já dizia, uns 16 séculos atrás: o tempo e o espaço surgiram com a criação. Ah, se as coisas fossem assim tão simples...
Hoje, alguns especulam que nosso cosmo é parte de uma entidade muito maior, o multiverso, que representa todas (ou quase?) possibilidades cósmicas. Em alguns, as leis da física podem ser diferentes e a vida como a conhecemos, seria impossível. Portanto, agradeça ao Universo, um dos poucos com propriedades certas para gerar estrelas, planetas e, em alguns deles, vida.
Mas vá com calma! Ao contrário do que tantos afirmam, o Universo não dá a mínima bola para a vida. Basta olhar para nossos vizinhos, planetas mortos e desolados.
Tire nossa atmosfera, nossa camada de ozônio e campo magnético, e a Terra se transformaria num deserto sem vida. (Ao menos vida complexa. Talvez algumas bactérias pudessem existir ainda.) Portanto, não é tanto ao Universo que devemos agradecer, mas à Terra, nosso planeta vivo, único. Devemos todos, coletivamente, dar graças ao nosso mundo: por nos permitir existir e pela sua tolerância, apesar dos nossos abusos. Poucas mães seriam assim tão pacientes.

ENTRE O ESPIRITUAL E O MATERIAL

Valorizei o texto abaixo por ser a concepção de um físico, formação que, normalmente, descrê de temas espirituais, embora numa linha de estudo muito próxima das questões transcendentais. O artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo e é de autoria de Marcelo Gleiser, brasileiro e professor de física teórica, nos Estados Unidos.

_________________________________________________________

Entre o espiritual e o material


O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção




EXISTIMOS NESSA FRONTEIRA, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual. Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.
Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto.
Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o senso do "eu".
Infelizmente, vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e, com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes crises sociais que podem terminar em atrocidades.
Vivemos numa época onde o materialismo acentuado -do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do agora antes do legado-, está por causar consequências sérias.
Lembro-me das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas": "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso".
Ele continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem.
Mas agora, que massas de pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente vazio".
O ponto é claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso, sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero, eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é mais importante do que o que você quer".
Claro, progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos.
Quando nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir -autocentrado- e esquecemos da comunidade.
A diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em 1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global.
Isso me deixa otimista.
Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta.
Olhamos para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em 1990.
O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.

ASPECTOS DA ESPIRITUALIDADE

Extraí do Instituto Humanitas Unisinos esta análise de uma das tendências espirituais do momento. O assunto é pertinente pois está contextualizado nas dúvidas do homem moderno, frente às questões transcedentais que influem sobre sua fé ou em relação à sua descrença.

_______________________________________________________________

O Espiritismo. Um "neocristianismo"?

“O imaginário espírita-mediúnico da comunicação e a influência (benéfica ou maléfica) dos espíritos dos mortos por sobre a vida cotidiana, a crença na reencarnação e na relação determinante entre um ‘plano espiritual’ e a vida e o destino das pessoas está disseminada na população brasileira, inclusive nos adeptos das religiões majoritárias (em alguns casos em conflito com suas doutrinas) ou em indivíduos que não pertencem a um credo, se dizendo ‘espiritualistas’”. A observação é do antropólogo Marcelo Ayres Camurça, que concedeu por e-mail a entrevista que segue à IHU On-Line.

Segundo ele, o imaginário espírita promove um “encantamento do mundo” “onde seres espirituais e planos espirituais convivem e envolvem a dinâmica terrena, para em seguida operar um ‘desencantamento’ ou ‘desobrenaturalização’ desta realidade espiritual, ordenando-a a partir das ‘leis’ e padrões ético-morais, onde um ‘espírito’ é um indivíduo ‘encarnado’ ou ‘desencarnado’ que vive sua existência ora no plano material, ora no plano espiritual em direção ao seu aperfeiçoamento”.

E conclui: “onde outras religiões veem fatalidade e mistério, o espiritismo modernamente busca, na sua ontologia, nexos causais, ética e merecimento”.

Marcelo Ayres Camurça é antropólogo e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual o lugar do espiritismo dentro do campo religioso brasileiro hoje?

Marcelo Camurça - Segundo as estatísticas do último Censo de 2000, o espiritismo figura como a terceira religião brasileira (e o quarto agrupamento em termos de crença) atrás dos católicos com 73,8%, dos evangélicos com 15,45% e dos “sem religião” com 7,3%. Situando-se bem mais abaixo desta faixa mais representativa das adesões religiosas, ele conta com 2,3 milhões de adeptos, representando 1,4% da população. No entanto, sua influência e seu prestígio no universo de crenças e práticas religiosas dos brasileiros ultrapassam de longe sua presença numérica. O imaginário espírita-mediúnico da comunicação e a influência (benéfica ou maléfica) dos espíritos dos mortos por sobre a vida cotidiana, a crença na reencarnação e na relação determinante entre um “plano espiritual” e a vida e o destino das pessoas está disseminada na população brasileira, inclusive nos adeptos das religiões majoritárias (em alguns casos em conflito com suas doutrinas) ou em indivíduos que não pertencem a um credo, se dizendo “espiritualistas”. A frequência de indivíduos aos centros espíritas, em busca de aconselhamento e tratamento espiritual, ultrapassa em muito o número daqueles que declaram formalmente professar a doutrina espírita.

IHU On-Line - Como o espiritismo se situa dentro da perspectiva de religião e modernidade?

Marcelo Camurça - O espiritismo surge no século XIX em meio a correntes, como os esoterismos e a Teosofia, que buscavam conciliar religiosidade e cientificismo. Visava coletar provas científicas e racionais para a vida além da morte física. Sua cosmologia e sua teodiceia - o sentido da vida, do ser e do sofrimento - estão marcadas pelo evolucionismo científico, o darwinismo, e por “leis deterministas” como a da ação-reação, pelas quais o espírito imperfeito evoluiria para condições morais superiores.

É interessante notar como a revelação espírita (segundo a doutrina, a 3ª, depois da mosaica e da crística) é manifestada por um método científico e indutivo. Kardec, o codificador da doutrina (um pedagogo de formação), prepara um questionário de mil e dezoito perguntas aplicadas aos “espíritos” por intermédio de diversos médiuns e através de testes de acerto-erro, de provas e contraprovas, chegando-se às respostas verdadeiras e sábias dos espíritos superiores que vão compor o pilar da doutrina, o Livro dos Espíritos. O imaginário espírita promove um “encantamento do mundo” onde seres espirituais e planos espirituais convivem e envolvem a dinâmica terrena, para em seguida operar um “desencantamento” ou “desobrenaturalização” desta realidade espiritual, ordenando-a a partir das “leis” e padrões ético-morais, onde um “espírito” é um indivíduo “encarnado” ou “desencarnado” que vive sua existência ora no plano material, ora no plano espiritual em direção ao seu aperfeiçoamento.

Por isso, concordo com Anthony D’Andrea quando classifica o espiritismo como um “reencantamento racionalizado”. O espiritismo traz também outra característica da modernidade, que é a iniciativa do sujeito, o chamado individualismo moderno, pois através da noção de livre arbítrio o indivíduo encarnado no seu mundo terreno “de expiação e provas”, apesar do determinismo de sua “programação espiritual”, pode, através de suas ações, retardar ou avançar seu “progresso espiritual”. Enfim, onde outras religiões veem fatalidade e mistério, o espiritismo modernamente busca, na sua ontologia, nexos causais, ética e merecimento.

IHU On-Line - Qual a diferença entre catolicismo e espiritismo quando o assunto é caridade? O que motiva a ação social de católicos e de espíritas?

Marcelo Camurça - A caridade enquanto prática religiosa disseminada pelo catolicismo desde a Idade Média foi assumida como aspecto crucial da doutrina espírita com a consigna criada porKardec: “fora da caridade não há salvação!” Numa concepção da caridade enquanto desprendimento, doação de si para o outro desvalido, penso haver uma afinidade entre catolicismo e espiritismo, assim como uma distinção em relação à ideia protestante da crítica às “boas obras”, e da necessidade da “justificação pela fé” e do seguimento do “reto caminho” como uma via de salvação mais individualizante. Ainda nesta questão da doação ou autoaperfeiçoamento, no caso do espiritismo, penso haver uma conciliação entre a instância individual de autoaprimoramento e uma relação de doação para com os necessitados, pois, ao praticar a caridade (material ou moral), o espírita, mais que ajudando o outro, está somando bônus para seu próprio processo evolutivo.

IHU On-Line - O que fundamenta o espiritismo como uma religião cristã?

Marcelo Camurça - Essa é uma boa pergunta, que permite dirimir uma falsa ideia propalada por um certo “senso comum douto” que afasta o espiritismo de uma matriz cristã, apesar dele, à sua maneira, é certo, se reivindicar como tal, tendo inclusive entre suas obras doutrinárias um “Evangelho segundo o Espiritismo”.

Esta confusão, penso, deve-se ao fato do espiritismo enquanto “religião mediúnica” ser associado àquelas de matriz africana, ou por ter a ideia da reencarnação de origem hindu-budista entre suas crenças centrais, ou ainda pela acusação vinda da Igreja Católica no século XIX de que a “comunicação com os mortos” era prática de quiromancia, logo contrária à doutrina cristã. No entanto, no que tange à questão ético-moral, a doutrina espírita se baseia totalmente no Evangelho, e seus adeptos possuem uma “cultura do Evangelho” semelhante a dos protestantes, citando passagens e trechos deste nos seus estudos, aconselhamentos espirituais, assim como tomando-os como orientação para sua vida.

Para o espiritismo, Jesus Cristo é um “espírito superior”, o “governador” do planeta Terra, responsável pela evolução dos seres que por essa instância passam em direção a outros mundos espirituais mais evoluídos, e muitos dos seus “milagres” teriam uma explicação científica na chave dos padrões energéticos, vibratórios e mediúnicos. Por isso, seguindo a linha de Wulfhorst eDahmman e seu conceito de “movimentos neorreligiosos” como de “caráter reinterpretativo, inovador, completivo e atualizante da religião clássica”, classifico o espiritismo como um “Neocristianismo” pela sua capacidade de ressignificar um “veterocristianismo” (católico, ortodoxo, protestante), introduzindo nele conteúdos do léxico cientificista e evolucionista (energias, padrões vibratórios; a “alma” como “perispírito” etc.).

É sobre a religião cristã pré-existente que o espiritismo vai empreender sua reinterpretação, compreendendo-se como uma revelação que esclarece o cerne da mensagem do Cristo, o que o estágio anterior não era capaz de fazer. Através desse movimento reinterpretrativo, a história sagrada e as figuras santas do catolicismo, como São Luís, Santo Agostinho, etc., ou, no caso do Brasil, o padre Manuel da Nóbrega, são reapropriados pelo espiritismo como “espíritos mentores” que se manifestam do plano espiritual revelando a cosmologia evolucionista da doutrina espírita.

IHU On-Line - Como entender o dilema entre carma e terapia dentro do espiritismo?

Marcelo Camurça - Esta questão foi desenvolvida de uma forma mais completa por mim num artigo que intitulei Entre o cármico e o terapêutico: dilema intrínseco ao Espiritismo, onde aponto, dentro das concepções espíritas, uma tensão entre o lugar da doença como questão inexoravelmente moral subordinada à lei de causa-efeito (popularmente conhecida como carma), mas também o papel ativo de uma terapia objetiva no diagnóstico, tratamento e possível cura.

Penso que isto se deriva do perfil espírita da “cientifização do espiritual”, calcado em uma articulação bem engendrada entre “progresso moral” (dimensão filosófico-religiosa) e a realidade das “energias, fluidos e faixas vibratórias” (dimensão científica). Ou seja, a dimensão subjetiva, moral e psicológica do indivíduo está intrinsecamente ligada a faixas energéticas e vibratórias. Por isso, em caso de doença, o espiritismo atua nesta questão tanto por passes, tratamentos e operações espirituais, intervindo no fluido espiritual para reequilibrar as energias deste indivíduo, quanto pelo ensinamento moral e o “atendimento fraterno”, conscientizando este indivíduo que sua doença está ligada a sua evolução espiritual resultado de atos praticados em “encarnações” anteriores.

A contradição

Mas o problema é encontrarmos uma contradição (e não articulação) entre estas duas instâncias. E aí vem a pergunta: até que ponto o recurso às curas mediúnicas não comprometeria as responsabilidades ou obrigações no cumprimento das dívidas cármicas? Ou seja, se o carma foi programado espiritualmente, qual a finalidade da cura? Isto pode ser ilustrado por uma anedota que ouvi no meio espírita, que dizia que o polêmico médium Arigó disse a Chico Xavier que o seu espírito mentor, o Dr. Fritz, poderia curá-lo de sua doença no olho, ao que Chico respondeu que esta era uma doença cármica, a qual, necessariamente, reapareceria em outro lugar, e que ele já estava acostumado com ela e não ia querer uma doença nova. Acho que neste dilema explica-se a clivagem que sempre dividiu o movimento espírita entre aqueles chamados “científicos”, que atuariam em experimentos paracientíficos do inefável, buscando alargar a ciência materialista para uma ciência espiritual, no caso uma “medicina da alma” e aqueles chamados “religiosos”, que, através de uma hermenêutica do Evangelho e da codificação kardequiana, explicariam o infortúnio dos indivíduos e os exortariam à conduta moral elevada e à prática do bem como instrumento de evolução espiritual.

IHU On-Line - Quais as principais reflexões que podemos fazer ao contrapor os conceitos de ressurreição católica e reencarnação espírita?

Marcelo Camurça - Considero que as concepções da ressurreição católica e da reencarnação espírita estão balizadas pelas noções de Graça - a primeira - e Evolução - a segunda. Neste sentido, a configuração católica se expressa no que chamo de “religião de salvação”, regida pelo primado da “graça” e “misericórdia divina” como esferas constitutivas do processo de “salvação” do homem. A configuração espírita, por sua vez, se expressa no que denomino de “religião de aperfeiçoamento”, onde prevalece a iniciativa do ser em sucessiva evolução e autoaprendizado na direção da plena realização no “amor de Deus”.

Embora ambas as configurações contemplem na sua cosmologia teleológica as dimensões do “amor e da misericórdia” do Criador na remissão e no resgate de suas criaturas, aliada à liberdade de escolha entre o bem e o mal, a configuração da “salvação” enfatiza a iniciativa divina na redenção da falibilidade dos seres e a do “aperfeiçoamento” acentua a iniciativa dos seres, balizada pela lei de Deus, no seu processo de caminho de integração no divino. Portanto, as duas formas ou instrumentais com que as realidades humanas “agarram” o sentido último (o modelo da “salvação” e da “evolução”) diferem entre si enquanto modalidades, manifestações de se acercar do transcendente, cada uma com suas argumentações, coerência interna e questões de plausibilidade.

Na modalidade católica temos um percurso salvífico condensado e na espírita, dilatado, que, a despeito de suas diferenças profundas no terreno das coerências e plausibilidades (e seria ingenuidade passar por cima destas diferenças, que merecem, ao invés disto, serem tomadas para um plano de diálogo), desembocam na mesma “realidade última”.

IHU On-Line - Qual a influência do espiritismo para as religiões e doutrinas da chamada nova era?

Marcelo Camurça - Espiritismo e nova era possuem a mesma referência histórica de origem, marcados pela onda do “novo espiritualismo” do fim do século XIX, onde proliferaram também aTeosofia, os ocultismos e a Rosa Cruz. Enquanto religiosidades com grande penetração nas camadas letradas da população, a nova era recebe do espiritismo a postura de racionalizar a magia, assim como o caráter individualista moderno da noção de livre arbítrio, que na nova era é exponenciado ao milésimo grau de autonomia, onde não existe nenhuma amarra para a criatividade individual. Como demonstra seu lema: no blame, no shame!.

No espiritismo as restrições ético-morais da doutrina codificada impõem limites às demandas por sucesso e fruição que são vinculadas, na nova era, às possibilidades ilimitadas do poder da mente e não, como na doutrina espírita, ao grau de merecimento subordinado às exigências de evolução moral. Na medida em que se expande, o espiritismo sofre um processo de fragmentação, liberando dos seus efetivos grupos sincrético-esotéricos, grupos paracientíficos, etc. Na verdade, cresce numa franja do espiritismo um número de simpatizantes de práticas new age: uso de cristais, tarô, reiki, etc., o que levou Anthony D’Andrea a ver um processo de “novaerização” do espiritismo ou de “pós-espiritismo”.

A mediunidade é reinterpretada como channeling (canalização), comunicação com o plano espiritual, mas também com universos intergalácticos, o carma é atenuado como influência tendencial, a razão é substituída pela intuição. Para determinadas camadas dos extratos médios brasileiros, o espiritismo não responde mais às suas demandas existenciais, onde o “interior” do indivíduo se transforma no locus supremo da verdade, alcançado pela meditação, técnicas de introspecção, bebidas sagradas, etc. A forte aderência do espiritismo à sua doutrina codificada implica numa falta de flexibilidade quanto às demandas diversificadas por novidades espirituais/existenciais destes grupos

O QUARTO PODER CRIMINOSO

  _____________________________________________________________ A Imprensa, dita quarto poder, cria uma realidade virtual que não correspond...