Vale a pena ler sobre o pensamento de Harari, nesta rápida entrevista. Rápida, porquê concisa, pois a explanação meticulosa está nos seus livros.
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Não
somos mais Homo Sapiens.
A entrevista com Yuval Noah
Harari é de Roberto Saviano,
jornalista e escritor italiano, publicado por Repubblica, 28-07-2019.
DNA
modificado no laboratório, homens cyborg e desejos
monitorados por máquinas. Este é o nosso futuro de acordo com o historiador e
ensaísta israelense Yuval Noah Harari.
Olhem
para o ser humano. Olhem
para os dedos dos pés, esses pequenos dedos frágeis, nada a ver com as garras
de um puma; esse corpo sem
pelos, tão diferente da pelagem de um urso; esse peito que, por mais inchado que seja, nada é comparado
aos peitorais reforçados de um gorila;
o olho míope que fica cego à primeira penumbra, incapaz de ver à noite como
uma coruja; essas frágeis
escápulas humanas que nada têm a ver com as magníficas asas de um falcão peregrino. Basta olhar para nós
para entender o quão pouco seja dotado esse horrível ser humano que não é capaz
de voar, mal consegue escalar e nada pior do que o último dos peixinhos
dourados. E o olfato? Percebemos os cheiros a poucos metros de nós, enquanto
um cachorro consegue
senti-los a dois campos de futebol de distância.
Mesmo
assim, essa criatura chamada Sapiens conseguiu
se impor a todos os outros. A história da humanidade é realmente a épica
história do fraco que triunfa sobre o forte? É uma pergunta que ninguém melhor
do que Yuval Noah Harari,
historiador israelense que com seus livros literalmente reescreveu a jornada
humana na Terra, pode
responder. "O poder dos homens não é determinado pelo indivíduo, mas por
uma coletividade, pois os
seres humanos sozinhos são criaturas fracas. Um homem não é apenas mais fraco
que um mamute ou
um elefante, mas também
que chimpanzés ou lobos. Nós humanos, conseguimos
dominar o mundo porque cooperamos melhor do que qualquer outro animal do
planeta".
Eis
o segredo do sucesso do homem: sua capacidade de criar comunidade. Sua inteligência, ou seja,
a capacidade de ligar o múltiplo em torno dele, levou o Sapiens a ser um
animal capaz de construir civilizações. A imaginação e a criatividade são os
pilares da construção de seu domínio, mas o traço distintivo desta raça é
um: a capacidade de exterminar
seus rivais. A evolução do ser humano não é uma história pacífica. Vocês
se lembram daquela imagem nos livros escolares em que, em uma linha do tempo de
milhões de anos, víamos os vários hominídeos se erguerem do macaco para o Homo sapiens? Tudo falso. Como Harari descreve no primeiro livro
da trilogia sobre a macro história humana, Sapiens. Uma breve
história da humanidade, o Homo
sapiens coexistiu com outros hominídeos e conseguiu emergir através do
massacre de todos.
Eis a entrevista.
Yuval Noah Harari – Cinquenta mil anos atrás, a Terra não era povoada por uma
única espécie humana, mas pelo menos por seis diferentes espécies de
hominídeos, entre os quais nossos ancestrais Homo sapiens na África. A Itália era
povoada pelos Neandertais e no Extremo Oriente havia o Homo erectus e assim
por diante. Quando o Homo sapiens se espalhou pelo planeta, as
outras espécies de hominídeos desapareceram.
E muitos outros animais também desapareceram. De fato, parece que o Homo
sapiens é uma espécie de assassino ecológico que sistematicamente aniquilou
outros animais, especialmente aqueles que se parecem mais conosco. Quanto mais
um animal se parece conosco, mais nós constituímos um perigo para tal espécie.
É quase engraçado pensar que muitos ficarão
incomodados com a ideia de que todos os italianos descendem dos africanos. Mas
os Neandertais só foram exterminados ou também foram assimilados?
Há
evidências mostrando que, em alguns casos, o Homo sapiens teve
relações sexuais com membros de outras espécies de hominídeos. Por exemplo, a
maioria dos europeus contemporâneos e a maioria dos italianos têm alguns
ancestrais Neandertais. 96-98 por cento do patrimônio genético pertence ao Homo sapiens,
enquanto 2-3 por cento ao do Neandertal. Assim, cerca de quarenta
mil anos atrás, os novos imigrantes da África, Homo sapiens, tiveram alguma relação romântica
ou sexual com os Neandertais de onde descendeu uma prole
fértil.
O homem, portanto, avançou "na marra" da
história, acumulando massacres sobre massacres para chegar aonde chegou. Eu me
pergunto se é parte do pacto para dominar este planeta a ferocidade desse
homem...
Não
tenho certeza que seja necessário. Acredito que os seres humanos sempre têm a
possibilidade de escolher. Na história, os humanos optaram por eliminar determinados grupos étnicos ou religiosos.
Mas não era necessário, não era
inevitável. Sabe-se que no século passado os nazistas achavam que, para criar um mundo melhor, era
necessário exterminar o que eles afirmavam serem raças humanas inferiores.
Na realidade, portanto, o que conta na evolução é
como matar, como controlar o outro. O Sapiens não podia tolerar que os primos
existissem. Somos a raça fruto do grande massacre de nossos semelhantes. Vence
quem mata mais?
Não
é bem assim. Os homens criaram um mundo melhor ao longo das últimas décadas
graças à cooperação, não
graças à guerra, à violência e ao extermínio.
Cooperação como resultado da evolução, da maior
inteligência, assim eu acreditava. Pelos seus livros, em vez disso, é claro que
pensar que nosso ancestral pré-histórico fosse menos inteligente é um erro
absoluto. O progresso acabou por nos tornar mais burros?
Em
nível individual, é assim. Provavelmente somos menos inteligentes e menos capazes que nossos
ancestrais da Idade da Pedra:
não saberíamos como sobreviver naquelas condições. Era necessário conhecer
muitas coisas e ser dotado de capacidades intelectuais e físicas excepcionais.
Capacidades das quais a maioria de nós é hoje desprovida. Por exemplo, se
alguém me pegasse e me jogasse na savana africana e eu tivesse que sobreviver
confiando apenas em minha força, eu morreria em poucos dias. Não sei como
conseguir comida, não sei costurar as roupas que uso. Não sei como construir
qualquer ferramenta. Eu sou um historiador e sei escrever livros. Eles me pagam
para escrever livros e apresentar palestras sobre a história. Dessas
atividades, recebo o dinheiro com o qual vou ao supermercado e para qualquer
coisa de que eu precise, dependo dos outros. A maioria de nós só sabe fazer
algumas coisas. Portanto, como indivíduos,
somos menos capazes que nossos ancestrais. Mas como coletividade de indivíduos, como
sociedades humanas, somos mil vezes mais poderosos. O que realmente aprendemos
a fazer é conseguir cooperar de forma eficaz, com modalidades cada vez mais
sofisticadas, em larga escala.
Observar o pensamento estratégico dos Sapiens, que
lhes permitiu construir a melhor lança, racionar em como subjugar os outros
animais, pode nos levar a interpretar a capacidade de domínio humano como
baseado apenas na qualidade lógica. Você, por outro lado, consegue demonstrar
que a especificidade humana é outra.
O
fato realmente surpreendente é a maneira como cooperamos: a cooperação que nos distingue dos
outros animais é baseada em nossa capacidade de criar histórias inventadas. Se
olharmos para qualquer exemplo de cooperação humana no curso da história, vemos que ela não é necessariamente
fundada na verdade, mas sim na capacidade de persuadir um número significativo
de pessoas sobre a mesma história inventada, fruto de nossa imaginação.
É a imaginação, portanto, o que torna o Sapiens
diferente de qualquer outra espécie animal com a qual compartilha esta Terra. A
capacidade de fabricar mitos que permitem a construção de identidades e traçam
uma direção comum é determinante na evolução biológica. Acreditamos nos mitos
não porque são verdadeiros, mas são verdadeiros porque os narramos. Mas foi a
capacidade de narração que tornou a Europa central na história da humanidade?
Existem
todos os tipos de teorias, mas nenhuma é realmente convincente. Não parece
haver nenhuma razão geográfica ou biológica europeia. Se tivesse sido algo
profundamente enraizado na biologia dos europeus, como se explica o fato de
que, antes dos séculos XIV e XV, nenhum grande desenvolvimento tenha ocorrido
na Alemanha, na França ou na Espanha e que inclusive hoje
estamos testemunhando uma redução da influência da Europa?
Por que entre todos os continentes foi justamente a
Europa que marcou o sinal de uma superioridade militar e tecnológica? No fundo
havia também outros impérios - chinês, mongol, indiano, inca ... - que não eram
menos ricos e vastos que os europeus, mas o colonialismo é uma invenção
europeia ...
Na
verdade essa ideia do colonialismo e do imperialismo não é apenas europeia, a encontramos em
quase todas as culturas humanas. É verdade que, na era moderna, a Europa tornou-se o mais
importante centro de desenvolvimentos
tecnológicos e científicos e também aumentou seu poderio militar e seu domínio político. É um fenômeno novo.
A Europa nunca havia
desempenhado um papel tão fundamental na história. É o suficiente voltar a
antes do século XIV ou XV. Mas então duas revoluções acontecem: aquela científica e aquela capitalista e ambas levam à
revolução industrial que dá à Europa o
poder de conquistar e dominar o mundo inteiro. Nós não dispomos de uma boa
teoria que explique por que a centelha dessas revoluções se acendeu na Europa.
E agora, como está a centralidade europeia?
A Europa não será a potência dominante do próximo
século. A era da dominação
europeia foi bastante curta na história humana. Durou apenas três
ou quatro séculos em comparação com os muitos milênios da história que já se
passaram. Os polos mais influentes hoje são os Estados Unidos e a Ásia Oriental. No entanto, mesmo
os Estados Unidos são
o resultado ou o fruto do imperialismo europeu e até a atual Ásia orientalpode ser considerada uma
derivação europeia. As instituições dessas áreas são em grande parte o
resultado das ideias e das instituições europeias. Basta pensar na ciência, nos
sistemas financeiros e nos sistemas políticos que hoje encontramos na China, Coreia e Japão.
O latim foi uma língua franca, a língua do Império;
O francês foi a língua imposta por Bonaparte, a língua da diplomacia; a Espanha
impôs castelhano no continente americano; o inglês depois foi imposto pelo comércio;
o mandarim, a língua mais difundida no mundo, é falado por mais de 800 milhões
de pessoas. Mas nenhuma delas, imposta pelo dinheiro ou pelo número de pessoas
que a falam, alcançou uma verdadeira universalidade.
Hoje
todos aqueles que vivem no planeta falam apenas uma língua: esta língua é
a matemática. Se você mora na China, na Austrália ou
no Brasil, não faz
diferença: a língua que domina as instituições, a economia e a política é a
matemática e é precisamente ela a linguagem cuja difusão o imperialismo europeu favoreceu em
todo o globo.
Da linguagem universal da matemática nasceu a
revolução dos algoritmos, talvez comparável à da identificação do primeiro
trigo domesticado, que permitiu ao homem, de simples caçador e coletor,
tornar-se agricultor. É do trigo domesticado que a sociedade se desenvolveu
como a concebemos hoje.
Eu
acredito que o que estamos testemunhando hoje provavelmente tem um impacto
evolutivo ainda maior do que o da invenção da agricultura e da criação de gado,
porque a atual revolução da inteligência artificial e da biotecnologia nos oferece a
possibilidade de mudar a própria humanidade, e não apenas a nossa economia, o que
comemos, a sociedade e a política. As revoluções anteriores, seja a revolução agrícola, a ascensão do Império Romano ou
a difusão do cristianismo,
mudaram as sociedades, mas não modificaram o corpo e a mente humanos. Mas agora esses novos
conhecimentos possibilitarão pela primeira vez a transformação do corpo, do
cérebro e da mente. Assim serão criadas novas formas de entidades com um número
de características diferentes de nós maior do que o que nos diferencia de outros
hominídeos ou dos chimpanzés.
Então uma superespécie está prestes a nascer? Somos
os últimos exemplares de uma espécie destinada a ser superada? A velocidade da
tecnologia tornou o Sapiens inadequado, muito limitado?
Até agora, todas as
evoluções da vida foram baseadas em componentes orgânicos. Agora estamos
prestes a projetar entidades que, pelo menos em parte, não o são. A transformação do Sapiens será capaz de começar com
pequenas mudanças, por exemplo, a modificação do nosso DNA através da engenharia
genética. Além disso, a única diferença entre os Neandertais e
nós consiste em um pequeno número de diferenças genéticas: os Neandertais foram
capazes de produzir apenas facas
de pedra, mas produzimos ônibus
espaciais e bombas
atômicas. Mas um evento ainda mais extremo pode ocorrer, quando a inteligência artificial entra em
ação em combinação com a biotecnologia: criar cyborgs, entidades que misturam o orgânico com partes inorgânicas, ou seja, algo que
nunca vimos antes no curso de quatro bilhões anos de vida na Terra. Até agora, todas as evoluções da vida foram baseadas
em componentes orgânicos.
Agora estamos prestes a projetar entidades que, pelo menos em parte, não o são.
Tivemos um vislumbre da mistura de corpo humano e
robô na literatura de Isaac Asimov, Ursula Le Guin, Philip Dick e Aldous
Huxley. Agora humano e tecnológico estão se fundindo, e isso está acontecendo
em nosso presente.
A
ideia geral do que significa ser um organismo vivo mudará quando dispormos da
capacidade de conectar diretamente, por exemplo, os cérebros aos computadores.Esta é a mudança mais significativa na
evolução da vida que já ocorreu. É uma mutação que a vasta maioria das pessoas não consegue
perceber, não compreende a enormidade da revolução a que estamos vivendo. Se
minha mão for separada do corpo e colocada em outra sala, ela não funcionará,
mas isso não acontece com um cyborg.
Um cyborg não precisa da coincidência espacial para
funcionar, então é possível conectar o cérebro orgânico a um braço biônico. O braço não precisa necessariamente estar preso ao
resto do corpo, pode estar na sala ao lado, na casa ao lado dele, mesmo na
cidade mais próxima ou mesmo em outro país e, ainda assim, ele pode continuar a
funcionar. Portanto, a ideia geral do que significa ser um organismo vivo
mudará quando dispormos da capacidade de conectar diretamente, por exemplo, os
cérebros aos computadores.
Apresentada dessa forma, a fusão de humano e
tecnológico poderia parecer um suporte capaz de ajudar o homem a superar seus
limites biológicos. No entanto, lendo seu Homo Deus, fica claro que já estamos presenciando uma inversão
da relação entre humano e tecnológico: o suporte parece ter se tornado o
orgânico e a dominar é cada vez mais o inorgânico, na forma de algoritmo ou de
inteligência artificial. Quando usamos um smartphone, não somos apenas nós que
o olhamos, mas é o smartphone que está nos olhando.
Hoje,
as pessoas entram em contato umas com as outras através de seus smartphones, seus computadores e um número crescente de
decisões sobre nossas vidas são tomadas por esses instrumentos. Mas em vinte ou
trinta anos, a tecnologia contida em um smartphone será inserida diretamente em nossos
cérebros por meio de eletrodos e sensores biométricos. Será capaz de
monitorar o que está acontecendo dentro do corpo e do cérebro em todos os
momentos. Poderá conhecer meus desejos, minhas sensações, meus sentimentos,
inclusive com mais precisão do que eu mesmo os percebo, e essa tecnologia se
encontrará cada vez mais em posição de tomar decisões por mim. Vamos pensar nas
aplicações no campo da prevenção médica, nos negócios ou nas relações
sentimentais. Podendo confiar no poder desses computadores e algoritmos, nos deixaremos guiar cada vez mais por eles,
que assim se tornarão partes integrantes de nós mesmos.
É o totalitarismo das máquinas? A ditadura do
algoritmo? As redes sociais e as empresas de computadores que têm nossos dados
podem controlar todos os aspectos de nossas vidas? Agora já estamos cientes que
somos guiados pelo algoritmo sempre que somos induzidos a comprar ou a ver o
que o nosso computador nos sugere. Mas quando se pode falar de uma situação de
regime?
As
eleições democráticas não giram em torno da busca da verdade, mas sim dos
desejos das pessoas. Os
sintomas de uma situação perigosa são essencialmente de dois tipos. O primeiro
é quando muito poder e informação estão concentrados nas mãos
de cada vez menos pessoas, de uma minoria ou de uma única instituição. Se uma
única instituição, seja ela um governo, uma empresa ou um grupo religioso, tem
muito poder sobre a sociedade, esta é a premissa para um regime totalitário. O outro sintoma da
ascensão de um regime totalitário ocorre quando se torna impossível buscar a
verdade ou publicar a verdade. O ditador, ou o partido autoritário no
poder, alegando representar a
vontade popular, usam esse argumento para impedir as pessoas ou as
instituições que têm a tarefa de encontrar a verdade. Afirmam que as pessoas
não estão interessadas na verdade. É importante lembrar que mesmo as eleições democráticas não giram
em torno da busca da verdade, mas sim dos desejos das pessoas.
Em seu último livro, 21 lições para o
século 21, você mostra que os dados são para a era contemporânea o
que a terra era antigamente, ou seja, o recurso mais importante. E adverte: se
os dados estiverem concentrados nas mãos de poucos, não haverá divisão em
classes sociais, como aconteceu no passado, mas uma divisão da humanidade em
espécies diferentes.
Isso
é algo que nunca vimos antes na história do homem: poderíamos ter seres humanos
potencializados e seres humanos comuns com capacidades diferentes. Anteriormente, na história, a desigualdadeera principalmente de
ordem econômica e política. Alguns indivíduos detinham grande riqueza e poder
político e outros indivíduos não possuíam nenhum dos dois. Mas ainda assim se
tratava dos mesmos seres humanos, com as mesmas características biológicas. O
perigo é que, no século XXI, a desigualdade
econômica se transforme em desigualdade biológica. Teremos a tecnologia que nos
permitirá potencializar o nosso corpo e o nosso cérebro. E os ricos poderiam
evoluir para se tornarem biologicamente diferentes das massas da população. E,
desse modo, a raça humana seria
subdividida em diferentes castas
biológicas. Isso é algo que nunca vimos antes na história do homem:
poderíamos ter seres humanos potencializados e seres humanos comuns com
capacidades diferentes.
Até que o homem controla a tecnologia, a tecnologia
pode estar a seu serviço, mas agora que a tecnologia controla o humano, o que
poderia acontecer?
Estamos
adquirindo a capacidade tipicamente divina de criação e destruição e o risco é que não saberemos
lidar com esses imensos poderes e acabaremos usando-os mal. Basicamente,
trata-se do mesmo processo que envolveu o sistema ecológico: podemos dizer que adquirimos poderes divinos
sobre o resto dos animais e das plantas, dos rios e das florestas, e podemos
até dizer que fizemos mau uso dos nossos poderes. E agora o sistema ecológico
está completamente desequilibrado e próximo do colapso. Nós estamos adquirindo o poder de mudar o nosso
mundo interior, o nosso cérebro, e novamente poderíamos fazer mau uso desse
poder e, ao invés desses humanos potencializados, poderíamos acabar criando
algo que não seria melhor que nós: poderosos como divindades, mas
irresponsáveis e insatisfeitos.
Eu gosto de sua habilidade de traçar interpretações
macro históricas, como se pintasse uma tela impressionista cujo único
protagonista é nossa espécie. Nesta complexidade de análise, peço-lhe um
esforço de síntese: mostre-me a imagem que mais descreve o nosso tempo.
Uma
imagem que me impressionou é a da consagração do papa Ratzinger: na foto, centenas de pessoas no Vaticano têm os
olhos postos no pontífice; oito anos depois, na consagração do novo Papa, exatamente na idêntica
situação, na mesma imagem, todos estão segurando um smartphone. A realidade é mediada pelo smartphone.