POLÍTICA, A VERDADEIRA (3)

Levo à análise os dois registros que estão a seguir, pelo quais, tanto Bresser Pereira, quanto Rossi, enfocam o assunto das transações políticas praticadas no cenário nacional, e o dilema vinculado, em face da necessidade de tudo ser repensado e retomado, segundo os verdadeiros pressupostos políticos, estes sim, formando o arcabouço da verdadeira Política. Boa leitura, pois, e profundas reflexões que levem a sociedade a reformar a massa crítica de um modelo acomodatício e bovino, hoje, para um de ação proativa e reformista, amanhã.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Resgate da política


Não temos alternativa senão pensar a política em termos republicanos de virtude cívica e busca do bem comum

SEMPRE AFIRMO que a política é a mais nobre e a mais importante das profissões. É a mais nobre porque apenas homens e mulheres dotados da capacidade de tomar decisões e de qualidade moral são capazes de exercê-la bem. É a mais importante porque a política influencia nossas vidas para o bem ou para o mal, porque é por meio dela que somos governados.
Essa afirmação sobre a nobreza da política sempre causa surpresa em meus interlocutores, porque leem todos os dias notícias sobre a corrupção dos políticos. Assim, a política não estaria associada à virtude da nobreza, e sim ao vício da corrupção.
Foi, portanto, com alegria que li no "Estado de S. Paulo" (14/3) uma entrevista de José Serra a Dora Kramer na qual ele defende "uma prática transformadora na política brasileira, começando pelo repúdio ao mote fatalista e reacionário de que a desonestidade é inerente à vida pública, que o poder necessariamente corrompe o homem".
Terá razão o governador paulista ao rejeitar a visão reacionária da política? Estarei eu correto quando defendo a política apesar dos constantes deslizes dos políticos? Para responder a essas questões, devemos considerar dois conceitos básicos.
O Estado é o sistema constitucional-legal e o aparelho público que o garante; é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação; é a lei e a administração pública; é a expressão maior da nossa racionalidade coletiva.
A política, por sua vez, é a prática de argumentar e fazer concessões mútuas para alcançar o poder político e é a arte de governar o Estado moderno que foi inicialmente liberal e depois se tornou democrático. É por meio da política que reformamos permanentemente a sociedade e o Estado para que esse cumpra seu papel contribuindo de forma efetiva para os grandes objetivos políticos das sociedades modernas: segurança, autonomia nacional, desenvolvimento econômico, liberdade, justiça social e proteção do ambiente. Podemos obter algum sucesso na busca individual de nossa felicidade e segurança econômica. Entretanto, os demais objetivos políticos, e mesmo esses dois que acabei de citar, somente poderão ser atingidos por meio da construção política do Estado.
Não podemos esquecer que, conforme ensinou Max Weber, a ética na política é diferente da ética pessoal: é uma ética da responsabilidade, não da convicção. Para governar e promover o bem público, o político deve buscar a maioria e, para isso, é obrigado a fazer acordos ou compromissos que um indivíduo não precisa fazer. Não devemos, porém, confundir com a corrupção essa ética baseada na responsabilidade do político em alcançar bons resultados para a sociedade que governa.
Não se justifica, portanto, a tese do caráter intrinsecamente corrupto da política. A política é o grande instrumento de que dispõe a sociedade para reformar seu Estado. Só por meio da lei e da administração pública que a garante progrediremos na busca da segurança, da liberdade e da justiça. A identificação da política com busca exclusiva do poder pessoal e da riqueza é uma tese neoliberal e autoritária que desmoraliza a política para, assim, legitimar o governo das elites.
Precisamos ser implacáveis em relação à corrupção, mas não é por meio do moralismo negativista que lograremos atingir nossos grandes objetivos políticos. Para isso, não temos alternativa senão pensar a política em termos republicanos de virtude cívica e busca do bem comum.
Só assim estaremos fortalecendo nosso grande instrumento de ação coletiva que é o Estado.



CLÓVIS ROSSI
Um apelo, bobo e talvez inútil

PARIS - Se pudesse, colocaria no "teleprompter" do horário gratuito, para todos os candidatos, duas frases do presidente Barack Obama, pronunciadas em reunião com a bancada democrata de representantes, na véspera da votação do projeto de saúde, afinal aprovado no domingo.
As frases: "Não estamos obrigados a ganhar, mas a ser sinceros.
Não estamos obrigados a triunfar, mas a fazer com que brilhe a luz que tenhamos, por pouca que seja".
Agora, uma pausa para as vaias, os gritos de tolinho, ingênuo, velho babão, petista, tucano, "marinista", "cirista", enfim o rosário habitual do MSA, o pequeno mais ruidoso Movimento dos Sem Argumentos, que, por isso, prefere o alarido e o xingamento.
Fim da pausa, voltemos ao leitor que pensa e não grita. Explico o valor das frases: é o caminho para resgatar a política, esse instrumento tão vital e tão desmoralizado nos últimos muitos anos, no Brasil e no resto do mundo. Quem quiser ler mais sobre o valor da política, remeto ao texto de Luiz Carlos Bresser Pereira na segunda-feira, nesta mesma Folha.
O desencanto com a política manifestou-se, aqui na França, com vigor inédito, nas eleições regionais, por meio de uma abstenção de 53% no primeiro turno e um pouco menor, mas intolerável (49%), no segundo turno. O dado mais inquietante, no entanto, foi a abstenção nos subúrbios problemáticos: em alguns deles chegou perto de 80%. Preciso dizer que é justamente nessas áreas que a política se torna mais necessária e mais vital?
O Brasil, de certa forma, é um imenso subúrbio problemático se se levar em conta que 75% dos eleitores ganham, no máximo, dois salários mínimos. Logo, a política, com pê maiúsculo, obviamente, é ainda mais necessária se os candidatos quiserem ser sinceros em vez de apenas ganhar.


Meu comentário:

Fico muito à vontade em efetuar esta postagem, com as duas escritas acima, pois os conteúdos coincidem com minhas críticas ao sistema operante que dá prioridade à negociata fácil, realizada longe do conhecimento dos donos nacionais, o povo. Não é por acaso que nomes significativos do cenário político nacional, e com reeleição garantida, já abandonaram a atividade, ou propõem sair dela a partir das próximas eleições. É muito importante, então, que tenhamos consciência na visualiação dos nomes que se colocam como candidatos, a análise de cada um deles e, por fim, a escolha mais adequada, com base no passado pessoal e público, na coerência das ações em sua vida, na sua integridade moral e, fundamentalmente, observando o que se discute hoje, que não tenha ações judiciais contra si. Outro aspecto não menos importante, é desenvolver um esforço e procurar situar o candidato que nos pede o voto, num contexto em que possamos identificar o seu arcabouço moral, ético, intelectual e o seu grau de integridade. Neste último aspecto é saliente a pessoa que faz o que sempre defendeu, ou aquela que informa de si o que realmente é. José Ingenieros, em seu livro O Homem Medíocre diz: "As pessoas medíocres admiram o utilitarismo egoísta, imediato, mesquinho. Obrigados a eleger, nunca seguirão o caminho que a sua própria inclinação lhes indica e, sim, aquele que o cálculo dos seus iguais lhes marca. Ignoram que toda grandeza de espírito exige a cumplicidade do coração. Os ideais irradiam sempre um grande calor; seus prejuízos, em compensação, são frios, porque são alheios. '...' A baixeza do propósito rebaixa o mérito de todo esforço e aniquila as coisas elevadas. Excluindo o ideal, fica suprimida a possibilidade do sublime. "..." A vulgaridade transforma "..." a prudência em covardia, o orgulho em vaidade, "...". Conduz à ostentação, à avareza, à falsidade, à avidez, à simulação. Por trás do homem medíocre, assoma o antepassado selvagem que conspira no seu interior, acossado pela fome de atávicos instintos, sem outra inspiração além da saciedade."

Pois é! Sugiro pensar e correlacionar com o presente e com o futuro!


CONTRASTES

Circula na rede telemática a carta do ZÉ AGRICULTOR para LUÍS DA CIDADE, pela qual se procura mostrar o paradoxo de tratamento dos mesmos problemas ambientais, com rigores, ou a ausência deles, diferentes. Faze a leitura do texto e obtém tuas conclusões:

"Carta do Zé Agricultor para Luís da Cidade


Luís, quanto tempo!
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra, né? O Zé do sapato sujo! Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo?... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite.
De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luís?
Pois é! Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos aí da cidade.
To vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.
Veja só. O sítio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar), fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luís?
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né ...) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre, aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, e elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana e aí não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender, no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luís, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia,isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luís, aí quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou as vacas não podem chegar perto do rio. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luís? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo, aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luís, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia.. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.
Eu vou morar aí com vocês, Luís. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sítio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luís.
Ah, desculpe Luís, não pude mandar a carta em papel reciclado pois não existe por aqui, mas aguarde até eu vender o sítio."

Observação:Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano. Na prática, a teoria é outra.


Meu Comentário:

O texto jocoso, tem um tom levemente sarcástico e sem agressividade. Mas, ao lê-lo, sou tomado de uma ânsia raivosa e impotente contra o sistema que vê, e penaliza, algumas coisas e não quer ver outras. É o descompasso na dualidade em que vivemos, sempre forçando para que o perfil mais confortável, seja valorizado por ser mais conveniente, a determinado indivíduo, a certo grupo, ou à sociedade dominante. E assim vamos enfatizando o conforto desconfortável das cidades; a acumulação de pessoas em cima de outras pessoas; a enervação das ruas saturadas de veículos; as filas de pessoas neuróticas em cada ponto de abastecimento de alimentos, de dinheiro e de bens, de lazer; a comida prática e artificial; e, afinal, o comportamento bovino, aquele que faz todos seguir o destino tomado pelo primeiro boi, passo a passo, um atrás do outro, formando o carreiro da mediocridade coletiva.
Faz parte desse processo a miopia mental dos aplicadores da Lei, o Executivo e o Judiciário, e o Legislativo por não saber, ou não querer, dar contornos aplicáveis às normas e a fiscalizar a sua aplicação, todos num constante movimento de fazer que não viu, que não sabia, que não é comigo, é com o outro, que não cumpre prazos estabelecidos, mas fá-los cumprir do cidadão.
Na outra ponta, no campo, predominam as grandes monoculturas, úteis para a alimentação do povo e para os lucros da exportação nacional, é verdade, mas desumana por pressionar cada vez mais a população rural na busca do falso abrigo da cidade, porque a tecnologia das máquinas substitui a mão-de-obra nas tarefas rurais. Mas, pior do que tudo isso, é o abandono dos procedimentos tradicionais de viver e que valorizam o culto à família, composta, esta, dela mesma, mais os amigos, a comunidade, a vila.
O resultado é o crescimento da população periférica das cidades, mal acomodadas, sem infraestrutura adequada para as suas necessidades básicas e...sem emprego, aumentando a criminalidade necessária para sobreviver. Na cidade, pois, os impactos no ambiente passam a ser inevitáveis e os rios, aqueles que ocasionaram a penalização do Zé Agricultor, lá no campo,ficam cada vez mais próximos à morte, na cidade, sem que ninguém surja de culpado.
E a ocupação continua nos morros que desmoronam e que matam pessoas. E os rios urbanos ficam cada vez mais assoreados, gerando enchentes com facilidade.




O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...