DOENÇAS DE UNS E LUCROS DE OUTROS



Extraí  da  página do Instituto Humanitas UNISINOS o artigo abaixo que deixa entrever como é estreita a relação entre doenças (o seu surgimento) e a indústria de medicamentos. Se, por um lado, o tipo de vida que levamos, nos ambientes inadequados em que vivemos, competindo arduamente no grupo para sobreviver, gera novas doenças físicas ou transtornos psíquicos, por outro devemos ficar atentos para que não sejamos  sugestionados, induzidos e, finalmente, diagnosticados e tratados, como doentes que, muitas vezes, não somos.
Boa leitura para pensar.
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As doenças que mais venderão em 2012
Como a indústria farmacêutica conseguiu que um terço da população dos Estados Unidos tome antidepressivos, estatinas, e estimulantes? Vendendo doenças como depressão, colesterol alto e refluxo gastrointestinal. Marketing impulsionado pela oferta, também conhecido como “existe um medicamento – precisa-se de uma doença e de pacientes”. Não apenas povoa a sociedade de hipocondríacos viciados em remédios, mas desvia os laboratórios do que deveria ser seu pepel essencial: desenvolver remédios reais para problemas médicos reais.
A reportagem é de Martha Rosenberg, publicada por AlterNet e reproduzida pelo sítio Mercado Ético, 19-12-2011.

Claro que nem todas as doenças são boas para tanto. Para que uma enfermidade torne-se campeã de vendas, ela deve: (1) existir de verdade, mas ser constatada num diagnóstico que tem margem de manobra, não dependendo de um exame preciso; (2) ser potencialmente séria, com “sintomas silenciosos” que “só pioram” se a doença não for tratada; (3) ser “pouco reconhecida”, “pouco relatada” e com “barreiras” ao tratamento; (4) explicar problemas de saúde que o paciente teve anteriormente; (5) precisar de uma nova droga cara que não possui equivalente genérico.

Aqui estão algumas potenciais doenças da moda, que a indústria farmacêutica gostaria que você desenvolvesse em 2012:

Déficit de atenção com hiperatividade em adultos

Problemas cotidianos rotulados como “depressão” impulsionaram os laboratórios nas últimas duas décadas. Você não estava triste, bravo, com medo, confuso, de luto ou até mesmo sentindo-se explorado. Você estava deprimido, e existe uma pílula para isso. Mas a depressão chegou a um ápice, como a dieta Atkins e Macarena. Com sorte, existe o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (DDAH) em adultos. Ele dobrou em mulheres de 45 a 65 anos e triplicou em homens e mulheres com 20 a 44 anos, de acordo com o Wall Street Journal.

Assim como a depressão, a DDAH em adultos é uma categoria que pode englobar tudo. “É DDAH ou menopausa?” pergunta um artigo na Additude, uma revista voltada exclusivamente à doença DDAH. “DDA e Alzheimer: essas doenças estão relacionadas?” pergunta outro artigo da mesma revista.

“Estou deprimida, pode ser DDAH?” diz um anúncio na Psychiatric News, mostrando uma mulher bonita, mas triste. Na mesma publicação, outro anúncio diz “promessas quebradas – adultos com DDAH têm quase duas vezes mais chances de se divorciar”, enquanto estimula médicos a checar a presença de DDAH pacientes para DDAH em seus pacientes.

Adultos com DDAH são normalmente “menos responsáveis, confiáveis, engenhosos, focados, autoconfiantes, e eles encontram dificuldades para definir, estabelecer e propor objetivos pessoais significativos”, diz um artigo escrito pelo dr. Joseph Biederman, psiquiatra infantil de Harvard, que leva os créditos por colocar “disfunção bipolar pediátrica” no mapa. Eles “mostram tendências de ser mais fechados, intolerantes, críticos, inúteis, e oportunistas” e “tendem a não considerar direitos e sentimentos de outras pessoas”, diz o artigo, numa frase que poderia ser usada por muitas pessoas para definir seus cunhados.

Adultos com DDAH terão dificuldade em se manter em um emprego e pioram se não forem tratados, diz WebMD, apontando para o seguindo requisito para as doenças campeãs de venda – sintomas que se agravam sem medicação. “Adultos com DDAH podem ter dificuldade em seguir orientações, lembrar informações, concentrar-se, organizar tarefas ou completar o trabalho no prazo”, de acordo com o site, cujo parceiro original era Eli Lilly.

Como as empresas farmacêuticas conseguiram fazer com que cinco milhões de crianças, e agora talvez seus pais, tomem remédios para DDAH? Anúncios em telas de 9 metros por 7, quatro vezes por hora na Times Square não vão fazer mal. Perguntam: “Não consegue manter o foco? Não consegue ficar parado? Seu filho pode ter DDAH?” (Aposto que ninguém teve problemas em se focar neles!).

Porém, convencer adultos que eles não estão dormindo pouco, nem entediados, mas têm DDAH é apenas metade da batalha. As transnacionais farmacêuticas também têm que convencer crianças que cresceram com o diagnóstico de DDAH a não pararem de tomar a medicação, diz Mike Cola, da Shire (empresa que produz os medicamentos para DDAH: Intuniv, Addreall XR, Vyvanse e Daytrana). “Nós sabemos que perdemos um número significativo de pacientes com mais ou menos vinte anos, pois saem do sistema por não irem mais ao pediatra”.

Um anúncio da Shire na Northwestern University diz “eu lembro de ser uma criança com DDAH. Na verdade, eu ainda tenho”, a frase está escrita em uma foto de Adam Levine, vocalista do Maroon 5. “É sua DDAH. Curta”, era a mensagem subliminar. (O objetivo seria: “continue doente”?).

Claro, pilhar crianças (ou qualquer um, na verdade) não é muito difícil. Por que outra razão traficantes de metanfetamina dizem que “a primeira dose é grátis”? Mas a indústria está tão empenhada em manter o mercado pediátrico de DDAH que criou cursos para médicos. Alguns exemplos: “Identificando, diagnosticando e controlando DDAH em estudantes”. Ou “DDAH na faculdade: procurar e receber cuidado durante a transição da infância para a idade adulta”.

Para assegurar-se de que ninguém pense que a DDAH é uma doença inventada, WebMD mostra ressonâncias magnéticas coloridas de cérebros de pessoas normais e de pacientes com DDAH (ao lado de um anúncio de Vyvanse). Mas é duvidoso se as duas imagens são realmente diferentes, diz o psiquiatra Dr. Phillip Sinaikin, autor de Psychiatryland. E mesmo que forem, isso não prova nada.

“O ponto central do problema é que simplesmente não existe um entendimento definitivo de como a atividade neural está relacionada à consciência subjetiva, a antiga relação não muito clara entre corpo e mente”, Sinaikin contou ao AlterNet. “Não avançamos muito além da frenologia, e esse artigo do WebMD é simplesmente o pior tipo de manipulação da indústria farmacêutica a fim de vender seus produtos extremamente caros. Nesse caso, um esforço desesperado da Shire para manter uma parte do mercado quando o Addreall tiver versão genérica”.

Artrite Reumatóide

A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença séria e perigosa. Mas os supressores do sistema imunológico que a indústria farmacêutica oferece como alternativa – Remicade, Enbrel, Humira e outros – também são. Enquanto a AR ataca os tecidos do corpo, levando à inflamação das articulações, tecidos adjacentes e órgãos, os supressores imunológicos podem abrir uma brecha para câncer, infecções letais e tuberculose.

Em 2008, a agência norte-americana para alimentação e medicamentos (FDA) anunciou que 45 pessoas que tomavam Humira, Enbrel, Humicade e Cimzia morreram por doenças causadas por fungos, e investigou a relação do Humira com linfoma, leucemia e melanoma em crianças. Esse ano, a FDA avisou que as drogas podedm causar “um raro tipo de câncer nas células sanguíneas brancas” em jovens, e o Journal of the American Medical Association (JAMA) advertiu o aparecimento de “infecções potencialmente fatais por legionela e listeria”.

Medicamentos que suprem o sistema imunológico também são perigosos para os bolsos. Uma injeção de Remicade pode custar US$ 2.500; o suprimento de um mês de Enbrel custa US$ 1.500; o custo anual do Humira é de US$ 20 mil.

Há alguns anos, a AR era diagnosticada com base na presença do “fator reumatóide” e inflamações. Mas, graças ao marketing guiado pela oferta da indústria farmacêutica, bastam hoje, para o diagnóstico, enrijecimento e dor. (Atletas e pessoas que nasceram entes de 1970, entrem na fila, por favor).

Além do espaço de manobra para o diagnóstico e um bom nome, a AR possui outros requisitos das doenças campeãs de vendas. “Só vai piorar” se não for tratada, diz WebMD, e é frequentemente “subdiagnosticada” e pouco relatada, diz Heather Mason, da Abbott, porque “as pessoas costumam não saber o que têm, por algum tempo”.

Uma doença tão perigosa que o tratamento custa US$20 mil por ano, mas que é tão súbita que você pode não saber que tem? AR desponta como uma doença da moda.

Fibromialgia

Outra doença pouco relatada é a fibromialgia, caracterizada dores generalizadas e inexplicadas no corpo. Fibromialgia é “quase a definição de uma necessidade médica não atendida”, diz Ian Read, da Pfizer, que fabrica a primeira droga aprovada para fibromialgia, o medicamento anticonvulsivo Lyrica. A Pfizer doou US$ 2,1 milhões a grupos sem fins lucrativos em 2008 para “educar” médicos sobre a fibromialgia e financiou anúncios de serviço da indústria farmacêutica que descreviam os sintomas e citavam a droga. Hoje, a Lyrica lucra US$ 3 bilhões por ano.

Mesmo assim, a Lyrica concorre com Cymbalta, o primeiro antidepressivo aprovado para fibromialgia. A Eli Lilly propôs o uso de Cymbalta para a “dor” física da depressão, em uma campanha chamada “depressão machuca” antes da aprovação do tratamento para fibromialgia. O tratamento de pacientes com fibromialgia com Lyrica ou Cymbalta custa cerca de US$10 mil, segundo diários médicos.

A indústria farmacêutica e Wall Street podem estar felizes com os medicamentos para fibromialgia, mas os pacientes não. No site de avaliação de medicamentos, askapatient.com, pacientes que usam Cymbalta relatam calafrios, problemas maxilares, “pings” elétricos em seus cérebros, e problemas nos olhos. Nesse ano, quatro pacientes relataram a vontade de se matar, um efeito colateral frequente do Cymbalta. Usuários de Lyrica relatam no askapatient perda de memória, confusão, ganho extremo de peso, queda de cabelo, capacidade de dirigir automóveis comprometida, desorientação, espasmos e outros ainda piores. Alguns pacientes tomam os dois medicamentos.

Disfunções do sono: Insônia no meio da noite

Disfunções do sono são uma mina de ouro para os laboratórios porque todo mundo dorme – ou assiste TV, quando não consegue. Para agitar o mercado de insônia, as corporações criaram subcategorias de insônia, como crônica, aguda, transitória, inicial, de início tardio, causada pela menopausa, e a grande categoria de sono não reparador. Nesse outono [primavera no hemisfério Sul], as apareceu uma nova versão do Ambien para insônia “no meio da noite”, chamado Intermezzo – ainda que Ambien seja, paradoxalmente, indutor de momentos conscientes durante o sono. As pessoas “acordam” em um blackout do Ambien e andam, falam, dirigem, fazem ligações e comem.

Muitos ficaram sabendo desse efeito do Ambien quando Patrick Kennedy, ex-parlamentar de Rhode Island, dirigiu até Capitol Hill para “votar” às 2h45min da manhã em 2006, sob efeito do remédio, e bateu seu Mustang. Mas foi comer sob o efeito do Ambien que trouxe a pior discussão sobre o medicamento. Pessoas em forma acordavam no meio de montanhas de embalagens de pizza, salgadinhos e sorvete – cujo conteúdo tinha sido comido pelos seus “gêmeos maus”, criados pelo remédio.

Sonolência excessiva e transtorno do sono por turno de trabalho

Não é preciso dizer: pessoas com insônia não estarão com os olhos brilhando e coradas no dia seguinte – tanto faz se elas não tiverem dormido, ou se tiverem, em seu corpo, resíduos de medicamentos para dormir. Na verdade, essas pessoas estão sofrendo da pouco reconhecida e pouco relatada epidemia da Sonolência Excessiva durante o Dia. As principais causas da SED são apnéia do sono e narcolepsia. Mas no ano passado, as corporações farmacêuticas sugeriram uma causa relacionada ao estilo de vida: “transtorno do sono por turno de trabalho”. Anúncios de Provigil, um estimulante que trata SED, junto com Nuvigil, mostram um juiz vestindo um roupão preto, no trabalho, com a frase “lutando para combater o nevoeiro?”.

Obviamente, agentes estimulantes contribuem com a insônia, que contribui com problemas de sonolência durante o dia, em um tipo de ciclo farmacêutico perpétuo. De fato, o hábito de tomar medicamentos para insônia e para ficar alerta é tão comum que ameaça a criação de um novo significado para “AA” – Adderal e Ambien.

Insônia que é depressão

Disfunções do sono também deram nova vida aos antidepressivos. Médicos agora prescrevem mais antidepressivos para insônia que medicamentos para insônia, de acordo com a CNN. É também comum que eles combinem os dois, já que “insônia e depressão frequentemente ocorrem conjuntamente, mas não fica claro qual é a causa e qual é o sintoma”.

WebMD concorda com o uso das duas drogas. “Pacientes deprimidos com insônia que são tratados com antidepressivos e remédios para dormir se saem melhor que aqueles tratados apenas com antidepressivos”, escreve.

De fato, muitas das novas doenças de massa, desde DDAH em adultos e AR até fibromialgia são tratadas com medicamentos novos junto com outros que já existiam e que não estão funcionando. É uma invenção das corporações polifarmácia. Isso lembra do dono de loja que diz “eu sei que 50% da minha propaganda é desperdiçada – só não sei qual 50%”.

AMBLIOPIA MENTAL


Preocupa-me muito a ambliopia mental que domina o círculo governante do país. Ambliopia, a visual, é o processo de enfraquecimento da visão, ocasionado por um defeito de uma das partes do olho, sem que haja aparente lesão no globo ocular. Assim também, o modo de ver as coisas que nos cercam e que representam a vida de hoje e de amanhã tem sofrido um descaso, quase um apagão da mente, sem que isso seja sentido, ou visto, nos processos econômicos e sociais. Dessa forma, estimulamos inconsequentemente usos pontuais no macroambiente, nunca analisados no seu todo. Por esta razão, trago o texto abaixo do jornalista que o escreve, pois ele alerta exatamente para essa minha preocupação. Por outro lado, nas postagens deste blog, em 20/04/2011-A Débito das Gerações Atuais e em 30/09/2011-Hidrelétricas, Energia Limpa?, são relatados problemas relativos à atual, às quais recomendo consultar. Boa e esclarecedora leitura.
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A AMAZÔNIA MORRE E OS JORNAIS NÃO VEEM
Por Leão Serva, para a seção Tendências e Debates, do jornal Folha de São Paulo, de 20/12/2011

Dados preliminares sobre o desmatamento foram vistos como "boa notícia", mas só mostram que o tumor causou a amputação de parte menor

A Amazônia tem câncer e a opinião pública brasileira não sabe porque a imprensa está míope.

Nos últimos dias, dados preliminares de desmatamento da região foram anunciados como "boa notícia" ao mostrar que a destruição reduziu velocidade, quando apenas querem dizer (se comprovados) que o tumor causou a amputação de parte menor do corpo.

Enquanto governo e imprensa fazem festa, o paciente morre. Procedimentos essenciais do jornalismo determinam a desinformação sobre o desaparecimento da maior floresta do mundo. Um exemplo: no dia 16/10, a Folha deu manchete para um inédito levantamento de todas as obras de infraestrutura do PAC para a Amazônia.

A reportagem saiu em "Mercado" e pela primeira vez foi possível ver que está em curso uma série de obras com dinheiro da União que, tantas sendo, não podem ser benignas numa floresta atacada há 40 anos. Mas, como o jornal é dividido em editorias e as notícias devem se submeter a elas, a mesma edição do jornal revelava na editoria "Ciência", páginas distante, que o "país faz mais obras mas diminui gasto com conservação".

A separação das notícias tira do leitor a capacidade de entender fatos complexos, como o atual processo de destruição da Amazônia.

O fracionamento faz com que a tramitação do Código Florestal no Congresso seja tratada em páginas de política; obras de infraestrutura na Amazônia, em economia; o ritmo da devastação florestal, em ciência; as mudanças dramáticas no clima amazônico, em meteorologia.

O ineditismo do levantamento da Folha é prova de omissão frequente da nossa imprensa: não ligar notícias de um dia com o passado. No caso das obras na Amazônia, os jornais nunca somam o impacto de obras já inauguradas com as que são anunciadas.

O governo se aproveita da miopia: jamais anuncia dois projetos ao mesmo tempo, diluindo o impacto de cada um. O próprio índice percentual de destruição total da floresta (estimado pelo Inpe pela análise de fotos de satélites do programa Prodes) é tema de confusão.

O órgão divulga a cada ano quatro levantamentos de satélites diferentes, com dados às vezes contraditórios. Neste ano, os alertas de incêndio e desmatamento dos programas Deter e Degrad indicaram um aumento da degradação, mas os dados preliminares de desmatamento total revelam redução da velocidade de destruição.

Dois defeitos se repetem anualmente na divulgação dos dados do Inpe: (a) ao divulgar percentuais, o instituto esconde a soma dos valores absolutos de desmatamento já acumulado; (b) o noticiário não junta os dados dos programas que medem destruição total (Prodes) e degradação grave (Deter e Degrad), que poderiam revelar à opinião pública o ritmo assombroso da destruição da Amazônia.

Quanto ao primeiro defeito: segundo o Inpe, o desmatamento acumulado das áreas ocupadas por floresta em 1988 é de 18% (ou seja, quase 1/5 da maior floresta do mundo sumiu em 23 anos)! A segunda questão é mais dramática: a cada hectare inteiramente desmatado, outro sofre degradação irreversível.

Ou seja, em 23 anos, o processo de destruição da floresta (desmatamento total e degradação grave) já amputou cerca de 35% da floresta, aproximando-se da previsão, que parecia apocalíptica nos anos 1980, de que a floresta amazônica poderia desaparecer em 50 anos.

A confusão de índices de desmatamento é semelhante à cobertura da inflação anos atrás: em 1989, uma redução da alta de preços de 80% para 20% seria notícia boa se o índice tendesse a zero, o que se deu com o Plano Real, em 1994.

Já a destruição da Amazônia não tem Plano Real à vista: o governo federal quer estabilizar o desmatamento em 5 mil km²/ano, área de três cidades de São Paulo.

Assim, de "boa notícia" em "boa notícia", a floresta morre.

TRANSGENIA


Sou de uma geração que cresceu em meio ao uso indiscriminado de venenos, ou na agricultura, ou na horta de casa, ou no combate aos mosquitos caseiros, ou no extermínio de formigas. Ao avançar na idade e identificar a ocorrência indiscriminada de doenças fatais ou, pelos menos, incomodativas, como alergias, por exemplo, comecei a perceber que vivíamos num mundo contaminado. Começa, então, um afastamento desses produtos que se costuma usar no dia-a-dia. Mas de que adianta? Adianta, mas muito pouco, pois já estamos absurdamente vinculados a eles, quer por resíduos nos nossos organismos, quer pela utilização de produtos naturais ou industrializados que consumimos na nossa alimentação.
Adicional e conceitualmente sempre tomei posição, pelos menos retórica, contra a transgenia por compreender os malefícios contaminantes de per si, escravizantes econômicos e subjugantes das sementes naturais.
Parece, enfim, que iniciamos o caminho de volta, só que um retorno doloroso, pois teremos de carregar a tristeza das perdas de vidas, de alteração genética, de vinculação produtiva a interesse único. Mas, ainda há tempo!
Para que possas conhecer o outro lado, se ainda não o sabes, sugiro assistir ao vídeo indicado abaixo.



Relativamente à postagem anterior, abaixo trago endereço que pode ser acessado, pelo qual se poderá assistir à opinião de especialista sobre a receitação e aplicação de medicamentos perigosos para jovens. O foco da entrevista é o propalado Deficit de Atenção, tão vulgarizado atualmente, para caracterizar dificuldades de aprendizado dos jovens na escola. 
Penso, então, valer a pena situar-se no tema, assistindo ao vídeo abaixo.
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MEDICAÇÃO PERIGOSA


Está em início uma reação ao modismo terapêutico de, simples e facilmente para os profissionais da área, aplicar medicamentos extremamente fortes e transformadores do comportamento. Desses produtos, muitas vezes nem sequer é conhecida a implicação correlata na saúde física e mental dos pacientes. O processo atual e vigente é claramente  um movimento de indução da indústria farmacêutica, acompanhado de uma aceitação bovina pelos terapeutas dos pretensos benefícios preconizados nas bulas.
Trago, então, à publicação, o texto abaixo que contém entrevista bastante interessante por uma das poucas vozes dissonantes da mesmice reinante.
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Estamos dando veneno para as crianças

MÉDICA ATACA INDÚSTRIA POR ESTIMULAR USO DE REMÉDIOS PSIQUIÁTRICOS PARA PACIENTES INFANTIS

A médica americana Marcia Angell, 72, ex-editora da revista especializada "NEJM" e autora do livro "A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos" 

CLÁUDIA COLLUCCI
DE WASHINGTON

Primeira mulher a ocupar o cargo de editora-chefe no bicentenário "New England Journal of Medicine", a médica Marcia Angell já foi considerada pela revista "Time" uma das 25 personalidades mais influentes nos EUA.
Desde 2004, Angell, 72, é conhecida como a mulher que tirou o sossego da indústria farmacêutica e de muitos médicos e pesquisadores que trabalham na área.
Naquele ano, ela publicou a explosiva obra "A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos", que desnuda o mercado de medicamentos.
Usando da experiência de duas décadas de trabalho no "NEJM", ela conta, por exemplo, como os laboratórios se afastaram de sua missão original de descobrir e fabricar remédios úteis para se transformar em gigantescas máquinas de marketing.
Professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Harvard, Angell é autora de vários artigos e livros que questionam a ética na prática e na pesquisa clínica. Tornou-se também uma crítica ferrenha do sistema de saúde americano.
Tem se dedicado a escrever artigos alertando sobre o excesso de prescrição de drogas antipsicóticas, especialmente entre crianças. "Estamos dando veneno para as pessoas mais vulneráveis da sociedade", diz ela.
Mãe de duas filhas e avó de gêmeos de oito meses, ela diz que recebe muitos convites para vir ao Brasil, mas se vê obrigada a recusá-los. "Não suporto a ideia de passar horas e horas dentro de um avião." A seguir, trechos da entrevista exclusiva que ela concedeu à Folha.
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Folha - Houve alguma mudança no cenário dos conflitos de interesses entre médicos e indústria farmacêutica desde a publicação do seu livro?
Marcia Angell - Não. Os fatos continuam os mesmos. Talvez as pessoas estejam mais atentas. Há mais discussão, reportagens, livros, artigos acadêmicos sobre esses conflitos, então eles parecem estar mais sutis do que eram no passado. Mas é claro que as companhias farmacêuticas sempre encontram uma forma de manter o lucro.

E os pacientes? Algumas pesquisas mostram eles parecem não se importar muito com essas questões.
Em geral, os pacientes confiam cegamente nos seus médicos. Eles não querem ver esses problemas.
Além disso, as pessoas sempre acreditam que os medicamentos sejam muito mais eficazes do que eles realmente são. Até porque somente estudos positivos são projetados e publicados.
A mídia, os pacientes e mesmo muitos médicos acreditam no que esses estudos publicam. As pessoas creem que as drogas sejam mágicas. Para todas as doenças, para toda infelicidade, existe uma droga. A pessoa vai ao médico e o médico diz: "Você precisa perder peso, fazer mais exercícios". E a pessoa diz: "Eu prefiro o remédio".
E os médicos andam tão ocupados, as consultas são tão rápidas, que ele faz a prescrição. Os pacientes acham o médico sério, confiável, quando ele faz isso.
Pacientes têm de ser educados para o fato de que não existem soluções mágicas para os seus problemas. Drogas têm efeitos colaterais que, muitas vezes, são piores do que o problema de base.

A sra. tem escrito artigos sobre o excesso de prescrições na área da psiquiatria. Essa seria hoje uma das especialidades médicas mais conflituosas? 
Penso que sim. Há hoje um evidente abuso na prescrição de drogas psiquiátricas, especialmente para crianças.
Crianças que têm problemas de comportamento ou problemas familiares vão até o médico e saem de lá com diagnóstico de transtorno bipolar, ou TDAH [transtorno de déficit de atenção e hiperatividade]. E é claro que tem o dedo da indústria estimulando os médicos a fazer mais e mais diagnósticos.
Às vezes, a criança chega a usar quatro, seis drogas diferentes porque uma dá muitos efeitos colaterais, a outra não reduz os sintomas e outras as deixam ainda mais doentes. 
Drogas antipsicóticas estão claramente associadas ao diabetes e à síndrome metabólica. Estamos dando veneno para as pessoas mais vulneráveis da sociedade.
Pessoas que acham que isso não é assim tão terrível sempre argumentam comigo que essas crianças, em geral, chegaram a um estado tão ruim que algo precisa ser feito. Mas isso não é argumento. 

Hoje, fala-se muito em medicina personalizada. Na oncologia, há uma aposta de que drogas desenvolvidas para grupos específicos de pacientes serão uma arma eficaz no combate ao câncer. A sra. acredita nessa possibilidade?
Para mim, isso é só propaganda. Não faz o menor sentido uma companhia farmacêutica desenvolver uma droga para um pequeno número de pessoas. E que sistema de saúde aguentaria pagar preços tão altos?

Algumas escolas de medicina nos EUA começaram a cortar subsídios da indústria farmacêutica e de equipamentos na educação médica continuada. No Brasil, essa dependência é ainda muito forte. É preciso eliminar por completo esse vínculo ou há uma chance de conciliar esses interesses?
Deve ser completamente eliminado. Professores pagam para fazer cursos de educação continuada, advogados fazem o mesmo, por que os médicos não podem? A diferença é que você não precisa ir a um resort no Havaí para ter educação médica continuada. É preciso pensar em modelos de capacitação mais modestos. E, com a internet, todos os países, mesmo os pobres ou em desenvolvimento, podem fazer isso. A educação médica não pode ser financiada por quem tem interesse comercial no conteúdo dessa educação.


CONTRAPONTO

Para psicólogo, remédio ajuda hiperativos

DE SÃO PAULO

Embora haja casos de "excesso de diagnóstico" de hiperatividade em crianças, não se pode negar que, muitas vezes, o medicamento é um componente importante para melhorar a situação de quem tem a doença.
É o que defende Thiago Rivero, secretário da Sociedade Brasileira de Neuro-psicologia e pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"É verdade que, sozinho, o medicamento melhora o desempenho acadêmico dos meninos por apenas um ano. Depois, os efeitos desaparecem. Mas ele cria o ambiente neuronal que possibilita a melhora", afirma Rivero.
Para o pesquisador, o consenso na área é que o tratamento para crianças com distúrbio de atenção deve ser "multimodal", combinando a medicação com estratégias comportamentais, que ajudem as crianças a entender seu próprio estado mental.
"Tudo é uma questão de frequência e de intensidade. Nos pacientes em que o problema é muito intenso e muito frequente, os sintomas só poderão diminuir com o tratamento farmacêutico", afirma o pesquisador da Unifesp.


RAIO-X

MARCIA ANGELL


IDADE
72 anos

OCUPAÇÃO
Professora titular do departamento de Medicina Social da Escola Médica de Harvard e membro da Associação de Médicos Americanos

FORMAÇÃO
Graduada em medicina interna e patologia na Universidade de Boston

TRAJETÓRIA
Fez parte do corpo editorial do "New England Journal of Medicine" entre 1979 e 1999; primeira mulher a ocupar o cargo de editora-chefe no "NEJM"; eleita pela "Times", em 1997, como uma das 25 personalidades mais influentes nos EUA

PUBLICAÇÕES
É autora dos livros "A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos" (editora Record) e "Science on Trial: The Clash of Medical Evidence and the Law in Breast Implant Case" (sem tradução no Brasil)


IDH E OS FALASTRÕES


Semana passada, ao ser divulgado o IDH mundial, percebi a pequena evolução do Brasil, especialmente comparando com crescimentos do índice em períodos governamentais distintos e confrontantes entre o antes do PT e durante a governação petista. Mas, agora, esse colunista, também doutor por Cambridge e professor da UFRGS, consolida a impressão que tive ao ler a notícia. Passei, daí, a entender a explosão de indignação de LULLA ao saber do dado divulgado, porque a situação brasileira mostra que, apesar deste regime petista,  outrora crítico, virou vidraça e que pouco fez para a real evolução da qualidade de vida dos brasileiros.
Boa leitura, então!
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IDH, como uma onda no mar
Flávio Comin (Folha de São Paulo, de 06/11/2011)


Nada do que foi será. O crescimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) brasileiro vem desacelerando. No período de 1980 a 2011, a taxa de crescimento média anual do IDH brasileiro foi de 0,87% ao ano. Já de 1990 a 2011, essa taxa caiu levemente, para 0,86% ao ano.

Mais recentemente, de 2000 a 2011, o crescimento médio anual do IDH ficou em 0,69% ao ano. O Brasil sobe a "ladeira do IDH" como uma pessoa sedentária sobe uma montanha: vem para cima, mas diminuindo cada vez mais o passo e um pouco ofegante.

Diferentemente, essa mesma ladeira é galgada por países emergentes com "o vigor da juventude". Durante os períodos acima, cabe notar que a Índia teve taxas médias de crescimento anuais do seu IDH de 1,51%, 1,38% e 1,56%, e a China, de 1,73%, 1,62% e 1,43%.

A metodologia para calcular o IDH mudou no ano passado. Agora, os máximos e mínimos usados para a normalização dos valores brutos das variáveis que compõem o IDH(expectativa de vida, anos médios de estudo, expectativa de vida escolar e renda nacional bruta) dependem anualmente do progresso dos países de melhor desempenho.

No contexto de um país que desacelera no seu crescimento no IDH, o Brasil parece estar ao sabor das ondas, isto é, refém das dinâmicas (positivas ou negativas) dos demais países. Pequenos progressos, como os vistos por Venezuela, Geórgia,Equador e Jamaica, foram suficientes para que esses países ultrapassassem o Brasilentre 2010 e 2011.

A entrada de nove outros países na frente do Brasil explica muito sua queda em 2011.

Esse desempenho lento do Brasil tem nome e sobrenome: chama-se falta de investimento na educação e saúde e baixo impacto dos mesmos. Enquanto a renda nacional bruta per capita passou de US$ 7.689 em 2000 para US$ 10.162 em 2011 (crescimento de 32%), na educação, os anos médios de estudo dos brasileiros acima de 25 anos passaram de 5,6 anos em 2000 para 7,2 anos em 2011 (crescimento de 28.6%).

Por sua vez, a expectativa de vida escolar caiu no mesmo período de 14,5 para 13,8 anos (redução de 5%). Na saúde, a expectativa de vida ao nascer passou de 70,1 em 2000 para 73,5 em 2011 (crescimento de 5%). 

Assim, pode-se dizer que o progresso nas áreas da saúde e da educação foram bem menos significativos do que os avanços na renda.

Um aspecto central desse problema é a desigualdade no Brasil, que extrapola a dimensão da renda e também encontra-se tanto na saúde como na educação.

Quando ajustamos o IDH às desigualdades que existem na distribuição de renda, educação e saúde no país, perdemos 27,7% do valor do IDH brasileiro. Ele passa de 0,718 para 0,519. Essa perda é levemente superior à perda do ano passado, que era de 27,2%.

O Brasil perde 13 posições no ranking devido à sua alta desigualdade. Enquanto o país não tiver um planejamento estratégico de longo prazo para transformar seus sistemas educacional e de saúde em prioridades efetivas do Estado brasileiro, continuaremos ao sabor das ondas, vagando a cada ano no ranking do IDH de acordo com progressos e fracassos dos demais.


HOMENAGEM A DALILA E AOS DEMAIS AMIGOS CÃES

O texto abaixo, de Umberto Eco, é escrito por quem admira ou ama cães. Sua leitura, portanto, também, é para esses, embora qualquer pessoa possa se emocionar com o conteúdo. Particularmente, trago-o à publicação em homenagem a DALILA, a cachorrinha da raça Poodle que conviveu conosco por mais de 13 anos e morreu semana passada, após muito sofrimento, nunca reclamado, apenas convivido. Na homenagem a ela, relembro outros cães que passaram pela minha vida: CHIMANGO (um Pastor Alemão), na minha primeira infância; FAMA (uma Pastora Alemã); TAFTI (uma Pastora Alemã); CALU (um Pinscher); TONY (um Boxer tigrado); e DONATELLO (um Daschund, criminosamente assassinado). Estes últimos na minha fase atual de vida. Presentemente, e vivas, bem vivas e amadas, LAIKA e RAÍSSA, ambas da raça Golden Retriver.
Bom leitura, pois!
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INTELIGÊNCIA CANINA
UMBERTO ECO
tradução MAURÍCIO SANTANA DIAS

UMA SENHORA que estava catando cogumelos com uma amiga é picada por uma vespa, tem um choque anafilático, para de respirar, a amiga telefona para a emergência, mas o socorro demora a chegar porque as duas mulheres estão em um bosque muito cerrado e é difícil localizá-las.
Então Queen, o cachorro (mas imagino que fosse uma cadela) da amiga, em vez de ficar ali, como o instinto recomendaria, ganindo e lambendo a mão da moribunda, parte feito um raio, atravessa o bosque, encontra a equipe de resgate e a conduz até o lugar certo.
Como Danilo Mainardi comenta no "Corriere della Sera" de 21 de agosto, não estamos diante de um simples comportamento instintivo: estamos diante de um comportamento "inteligente", em que o cão não responde ao comando do instinto (não se afastar do ferido), mas elabora "um plano complexo, que abrange até a coparticipação de outros indivíduos".
RACIOCÍNIO O caso -e os comentários de Mainardi- evocam uma literatura antiquíssima e vasta sobre as capacidades de raciocínio dos cães. Um dos textos que mais influenciaram essa tradição é a "História Natural" (77 d.C.) de Plínio, que trata da fala dos peixes e dos pássaros e discorre amplamente sobre a inteligência canina, cita um cachorro que reconhecera entre a multidão o assassino de seu dono e, com seus latidos e mordidas, o forçou a confessar o crime, ou ainda o cachorro de um condenado à morte que uivava dolorosamente e, quando um espectador lhe jogou uma comida, ele a levou até a boca do morto; quando o cadáver foi atirado no Tibre, ele também se jogou e nadou, tentando sustentá-lo.
Mas a discussão filosoficamente mais interessante já tinha ocorrido pelo menos três séculos antes, em um debate entre estoicos, acadêmicos e epicuristas. No âmbito da discussão estoica desponta um argumento atribuído a Crisipo, que será retomado e popularizado quase cinco séculos depois por Sexto Empírico.
Sexto considerava que os cães fossem capazes de raciocínio lógico, e a prova disso era que um cão, após chegar a um trívio e reconhecer pelo faro que a presa não tinha seguido por duas das estradas, imediatamente envereda pela terceira sem nem farejar. Com efeito, o cão teria formulado de algum modo o seguinte raciocínio: "A presa seguiu por esta estrada, ou por essa, ou por aquela; ora, a estrada não é esta nem essa; então só pode ser aquela" (o que seria um exemplo de raciocínio conhecido como "quinto indemonstrável").
Além disso, Sexto lembrava que os cães possuem um "logos" porque sabem arrancar espinhos do corpo e limpar as feridas, porque mantêm imóvel a pata doente e identificam as plantas que podem aliviar a dor.
Quanto a uma linguagem animal, é verdade que não compreendemos os sons emitidos por eles, mas tampouco entendemos os sons emitidos por bárbaros, os quais no entanto falam; e os cães certamente emitem sons diversos em situações diferentes.
PLUTARCO Poderíamos continuar citando o "De Sollertia Animalium" (sobre a astúcia dos animais), de Plutarco, no qual se diz que, de fato, a racionalidade animal é imperfeita se comparada à humana, mas que essas diferenças também ocorrem entre seres humanos; e em outro diálogo, "Bruta Animalia Ratione Uti" (os animais usam a razão), a quem contestasse que seria demasiado atribuir a razão a seres que não têm uma noção inata da divindade, Plutarco responderia recordando que entre os seres humanos também existem os ateus.
Em "A Natureza dos Animais", de Eliano, além dos argumentos já vistos, são citados exemplos de cães que se apaixonam por seres humanos. No "De Abstinentia" (da abstinência), de Porfírio, os argumentos em favor da inteligência animal servem para sustentar uma tese "vegetariana". Todos esses temas serão retomados de várias maneiras na era moderna, até nossos dias.
Mas paremos por aqui: ainda que não se consiga definir bem a inteligência canina, deveríamos ser mais sensíveis a esse mistério. E, se for muito difícil virar vegetariano, pelo menos que donos menos inteligentes que eles não abandonem seus cães nas estradas. 

BALANÇO INEFICAZ

Em 07/10 o Jornal do Comércio, de Porto Alegre, publicou o editorial abaixo. Dei atenção ao texto, pois, constantemente, reclamamos da carga tributária. E ela é, sem dúvida, exagerada, extorsiva, podendo, até,  ser classificada de injusta. Mas, e o porquê disto? Eis, então, uma breve  análise no texto abaixo. 
Além disto, devo lembrar que a dívida interna da última década, segundo dados obtidos, cresceu de 60 bilhões de reais, em 2000, para mais de 2 trilhões de reais em 2011.Levando em conta, também, que no período o pagamento de juros da dívida aumentou em cerca de três vezes, enquanto algumas informações oficiais indicam queda dos investimentos, pode-se chegar à conclusão de que as despesas governamentais aumentaram. Adicionalmente, tendo um quadro em que a arrecadação aumentou em torno de quatro vezes, mas a dívida em cerca de 16 vezes, podemos concluir que há um desvão gigantesco para onde é direcionado o dinheiro nacional.
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Ineficiência oficial é mais grave que carga tributária
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelaram que havia 5.883.433 servidores públicos no final de 2010, sendo 5.300.760 estatutários e 582.673 regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A maior expansão do número de funcionários, ou 39,3%, deu-se no setor municipal, seguido pela esfera federal, com 30,3%, governos estaduais, com 19,1%, e empresas estatais, com 11,5%. Contudo, o movimento de recomposição de pessoal apenas repôs o estoque de servidores ativos existentes em 1995, ou seja, 5.751.710. De lá para cá ocorreu um crescimento gradativo do número de servidores estatutários, que representavam 78,5% do total em 1995, evoluindo para 83,5% em 2002 e, no final de 2010, equivaliam a 90% dos servidores públicos. Em sentido contrário, o número de celetistas foi reduzido em mais da metade no mesmo período, de 1.235.540 para 582.673.
É verdade, foi conferida maior capacidade burocrática ao Estado com o reforço de carreiras de áreas estratégicas, como advocacia pública, arrecadação e finanças, controle administrativo, planejamento e regulação. O número de militares e servidores civis no final de 2010 era menor que em 1991. Dos 992 mil funcionários que o País tinha naquele ano, 662 mil eram civis e 330 mil militares. Em dezembro de 2010, dos 970,6 mil funcionários públicos, 630,5 mil eram civis e 340 mil militares. Notou-se melhora no nível educacional dos servidores públicos a partir da obrigatoriedade de contratações mediante concurso público. Foi verificado também que as mulheres constituem minoria na administração federal, mas são maioria nos estados e nos municípios. É que elas atuam mais nas áreas de saúde, assistência social e educação, assumidas em boa parte por estados e municípios.
E a corrupção - que tanto nos irrita - é uma questão de Estado, não de governo, uma vez que caráter não tem ideologia. A premissa para descortinar saídas é compreender que o direito penal não é uma panaceia nem faz milagres. A experiência nos ensinou que aumento de pena não reduz crimes. O direito penal vem sendo largamente usado como uma cortina de fumaça para ocultar omissões. Ficar criando “crimes hediondos” pode até ser uma rima, mas não será uma solução. Em paralelo, todos reclamam da grotesca carga tributária que pesa sobre os assalariados e empresários. Da mesma forma, dos serviços públicos, de A a Z, com nichos corporativos onde ninguém toca, ninguém fiscaliza e as reclamações são respondidas por programas computadorizados assépticos e sem solução. “Ah, mas temos contato direto com o cidadão.” Esse contato direto com os cidadãos, mais assembleias até para discutir a remoção de lixo, o pavimento de uma rua, a conclusão de uma escola ou rodovia não tem sido a solução. Temos obras pleiteadas desde o ano 2000 e que até hoje esperam por realização. O Brasil cresceu um bom tempo a 7,5% ao ano, com carga tributária de 24%, sendo que o governo investia 5%. Hoje, o Estado toma 36% do setor privado em carga tributária, mais 3% de déficit nominal, e investe 1,5%. Não adianta insistirmos em reduzir a carga tributária, o problema é a eficiência do gasto, o que é tomado da sociedade e o que é devolvido. É possível melhorar a eficiência do uso e permitir que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 5% ao ano.  

AMAZÔNIA

Abaixo, trago um assunto preocupante e para o qual devemos manter voltada a atenção, pois a predação sobre a Amazônia vem ocorrendo de forma acelerada. Predação, porque na ânsia do desenvolvimento econômico do país e dos interesses privados nacionais e internacionais, os mais elementares princípios conservacionistas não têm sido respeitados. Nem menciono a preocupação com a preservação, já que esse movimento predatório tem os olhos voltados especialmente para onde a Natureza ainda está intocada e, nisso, envolve a questão da navegação indiscriminada, da exclusão de matas para o comércio da madeira, da exploração dos recursos minerais, da extração de material, e de amostras dele, para a indústria farmacêutica, da implantação de vastos reservatórios para usinas hidrelétricas e da implantação da agropecuária, especialmente a criação de gado.

Tapajós: recursos naturais da Amazônia valem quatrilhões de dólares
TELMA MONTEIRO, para o Correio da Cidadania


A bacia hidrográfica do rio Tapajós é uma das principais sub-bacias da bacia amazônica e tem cerca de 493.000 quilômetros quadrados, onde vivem 820.000 (1) pessoas (Censo Demográfico 2000, IBGE (2)). O rio Tapajós é formado a partir do encontro dos rios Juruena e Teles Pires, na divisa dos estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará, e desse ponto ele avança 825 quilômetros para desaguar na margem direita do rio Amazonas. Os rios Jamanxim e Arapiuns, ambos totalmente no estado do Pará, são os maiores tributários do rio Tapajós.
Um estudo do coordenador de sustentabilidade ambiental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Aroldo Mota, divulgado no último dia 13, aponta que os recursos naturais da Amazônia valem alguns quatrilhões de dólares. O governo brasileiro pretende usar esses recursos naturais para transformar o Brasil na quinta maior economia do mundo. Para chegar lá, o modal hidroviário, baseado na experiência holandesa, é considerado o principal meio. 
Seminário em Brasília, organizado pelo DNIT, apresentou um conjunto de propostas com a finalidade de orientar políticas públicas de aplicação de tecnologias e de métodos de planejamento. O governo federal quer aproveitar o modelo que levou a Holanda a desenvolver uma estratégia logística para manter seu poder comercial na Europa. Quem estudou história sabe que os holandeses são mercadores por tradição.
O seminário também teve como objetivo trazer para o Brasil uma leitura moderna – como se isso fosse possível - dos 450 anos de transporte hidroviário holandês para aplicá-lo como modelo a ser seguido na Amazônia. O primeiro Termo de Cooperação entre Brasil e Holanda é de 2008, assinado em Haia; depois, em 2009, foi assinado um Protocolo de Cooperação em Brasília; e finalmente em abril de 2010 foi assinado um Plano de Trabalho que levaria os representantes das instituições brasileiras à Holanda, visando o acompanhamento do Plano Hidroviário Estratégico (PHE) e o Curso de Capacitação em Navegação Interior na Holanda.
Veja-se que a pretensão vai muito além de aumentar a nossa capacidade logística emperrada há anos pela corrupção no Ministério dos Transportes. Na verdade esses planos mirabolantes para transformar a Amazônia num grande corpo de artérias navegáveis, à semelhança de países como Holanda e Bélgica, estão centrados em um modelo medieval que levou à ocupação industrial das margens dos rios junto com a destruição da vida que havia neles.  
A Holanda enxerga o Brasil em números: 5ª maior superfície mundial (205 vezes a Holanda); 4ª maior população mundial e, portanto, importante mercado interno (Brasil, 190 milhões; Mercosul, 300 milhões); principal mercado emergente na América do Sul; diversas oportunidades regionais; diversas oportunidades setoriais (3).
Contrastes: a Holanda tem 41.864 km² e 16 milhões de habitantes. A bacia Amazônica abrange uma área de 7 milhões de km², dos quais 3,8 milhões de km² encontram-se no Brasil. Com o potencial logístico esgotado na Holanda, as grandes empresas holandesas estão buscando a alternativa de expansão no emaranhado de rios brasileiros na Amazônia. O planejamento das cidades holandesas se deu exclusivamente com a implantação de atividades industriais nas margens dos rios e canais. É exatamente isso que estão querendo fazer com a Amazônia!
Como é o Complexo Tapajós?
Na esteira dos planos para construção de mega-empreendimentos hidrelétricos na Amazônia, foi elaborado o “Estudo de Inventário Hidrelétrico do rio Tapajós e Jamanxim”, que identificou o potencial de sete aproveitamentos hidrelétricos com potencial de 14.245 megawatts (MW) de capacidade instalada (4).
Os estudos indicaram um conjunto de aproveitamentos em cascata, no rio Tapajós e no seu principal tributário, o rio Jamanxim. O Ministério de Minas e Energia (MME) considerou que é estratégico para o Brasil explorar esse potencial de energia. Mas não explicou o porquê. O projeto hidrelétrico de São Luiz de Tapajós, o maior aproveitamento da bacia do Tapajós, está previsto no Plano Decenal de Energia (PDE) 2020.  
Em 2010, depois de realizado o inventário para identificar os aproveitamentos hidrelétricos na bacia hidrográfica do Tapajós, foram apresentados também os estudos da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) do rio Teles Pires e do rio Juruena, os dois rios que se juntam e formam o Tapajós. Esse parece ser apenas o início de um grande processo de apropriação e privatização dos recursos da Amazônia, incentivado pelo governo, em parceria com grandes empresas nacionais e internacionais e financiamento do BNDES. Projetos de lei estão tramitando (5) céleres no Congresso para viabilizar a construção de eclusas – para transposição de desníveis - simultaneamente à construção de barragens em rios navegáveis e não-navegáveis. Entre os projetos que estão sendo priorizados está o da Hidrovia Tapajós-Juruena-Teles Pires (6).
O governo brasileiro anunciou que o Complexo Tapajós, que está no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), seria leiloado em 2010; o leilão foi transferido para 2011. E já há previsão de que a primeira usina comece a operar em 2016. Os estudos de inventário foram entregues à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) deverá emitir em breve o Termo de Referência relativo à primeira usina, São Luiz do Tapajós, para a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
Uma medida provisória editada em julho promoveu a redução do Parque Nacional da Amazônia e das florestas nacionais de Itaituba 1 e 2, para evitar conflitos no processo de licenciamento ambiental das usinas do Tapajós. Duas das usinas do complexo afetarão diretamente as unidades de conservação. Pelas notícias essa redução está se dando a pedido da Eletronorte e sem os estudos necessários. Mais uma vez o Ibama sofre as pressões políticas impostas pelas necessidades inexplicáveis das empresas estatais. Eletrobras, uma Petrobrás da energia? Ridículo.
Com a hidrovia Tapajós-Teles Pires-Juruena, o governo brasileiro quer criar uma nova estrutura organizacional calcada em modelo internacional, em especial no holandês, para viabilizar a implantação de cerca de 20 mil quilômetros de malha hidroviária navegável só na Amazônia. As hidrovias passaram a ocupar um papel importante nas diretrizes do governo brasileiro, do Ministério dos Transportes em especial, com a desculpa de reduzir os custos internos de transporte de commodities e dar competitividade às exportações. Custos internos?
Enquanto isso as estradas que tanto mal causaram e que já rasgaram a Amazônia, induziram à ocupação predatória, grilagem, pressionaram o desmatamento e o comércio de madeira ilegal, continuam se desmanchando sem os recursos que sabidamente escoaram para o ralo da corrupção.





FÁBULA ADEQUADA

O antológico livro "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, trata da questão do totalitarismo e, nesta visão, de como os interesses mudam de lado. Primeiramente, a classe opressora atua sobre determinada camada social menos influente. Posteriormente, os membros desta última passam a oprimir os da primeira, utilizando os mesmos padrões comportamentais daquela. A história soa, então, com um viés de absurdo, pois se houve uma luta físico-ideológica para superar a exploração, o que leva a que esses construtores da resistência passem a adotar os mesmos métodos opressores e exploratórios dos primeiros senhores? 
Pois bem, circula uma outra fábula de mesmo tom e, por esta razão, trago-a à leitura abaixo.

O comunismo é bom enquanto se faz sopa com a galinha do vizinho.

A  galinha vermelha achou alguns grãos de trigo e disse a seus vizinhos:
- Se plantarmos trigo, teremos pão para comer. Alguém quer me ajudar a plantá-lo?

- Eu não. - disse a vaca.
- Nem eu. - emendou o pato.
- Eu também não. - falou o porco.
- Eu muito menos! - completou o ganso.

- Então eu mesma planto. - disse a galinha vermelha.

E assim o fez. O trigo cresceu alto e amadureceu em grãos dourados.
- Quem vai me ajudar a colher o trigo? - quís saber a galinha.

- Eu não. - disse o pato.
- Não faz parte de minhas funções. - disse o porco.
- Não depois de tantos anos de serviço. - exclamou a vaca.
- Eu me arriscaria a perder o seguro-desemprego. - disse o ganso.

- Então eu mesma colho. - falou a galinha.

E colheu o trigo ela mesma. Finalmente, chegou a hora de preparar o pão.
- Quem vai me ajudar a assar o pão? - indagou a galinha vermelha.

- Só se me pagarem hora extra. - falou a vaca.
- Eu não posso por em risco meu auxílio-doença. - emendou o pato.
- Eu fugi da escola e nunca aprendi a fazer pão. - disse o porco.
- Caso só eu ajude, é discriminação. - resmungou o ganso.

-Então eu mesma faço. - exclamou a pequena galinha vermelha.

Ela assou cinco pães e pôs todos numa cesta para que os vizinhos pudessem ver.

De repente, todo mundo queria pão e exigiu um pedaço. Mas a galinha simplesmente disse:
- Não, eu vou comer os cinco pães sozinha!

- Lucros excessivos! - gritou a vaca.
- Sanguessuga capitalista! - exclamou o pato.
- Eu exijo direitos iguais! - bradou o ganso.
O porco, esse só grunhiu.

Eles pintaram faixas e cartazes dizendo "Injustiça!!!" e marcharam em protesto contra a galinha, gritando obscenidades.

Quando um agente do governo chegou, disse à galinhazinha vermelha:
- Você não pode ser assim egoísta.
- Mas eu ganhei esse pão com meu próprio suor! - defendeu-se a galinha.
- Exatamente. - disse o funcionário do governo - Essa é a beleza da livre iniciativa: qualquer um aqui na fazenda pode ganhar o quanto quiser, mas sob nossas modernas regulamentações governamentais, os trabalhadores mais produtivos têm que dividir o produto de seu trabalho com os que não fazem nada!

E todos viveram felizes para sempre, inclusive a pequena galinha vermelha, que sorriu e cacarejou:
- Eu estou grata, eu estou grata.

Mas os vizinhos sempre se perguntavam por que é que a galinha, desde então, nunca mais fez nada, nenhuma iniciativa, nenhuma ação para produzir... nem mesmo um pão!

Meu Comentário:
A fabuleira é útil para qualquer situação. Neste caso, por exemplo, correlaciona muito bem a esquerda ideológica de ontem, mas, vê-se hoje, apenas oportunista, com o mesmo grupelho de antes que agora  se enrola em lençóis de linho egípcio; que gasta, ou fatura em proveito próprio, com cartões corporativos, cujos gastos são definidos como sigilosos, porquê de segurança nacional; que aparelha o Estado com o meu, o teu, o nosso dinheiro; que contrata consultorias para empresas públicas, que contratam outras consultorias para consultar as primeiras, que contratam outras mais para consultar as primeiras e as segundas; e...por aí vai (isso te lembra algo, em algum momento recente, de alguma empresa governamental?). Assim, enfim, todos (eles) ficam ricos e satisfeitos, enquanto os impostos aumentam, enquanto as pessoas morrem, a cada vez mais na fila da Saúde, por que não há atendimento adequado e suficiente, e, nós, os babacas, nos calamos. Calamo-nos!, pois nos calaram os meios outrora ardentes na defesa de princípios e fundamentos, como os sindicatos, por exemplo, pois, estes, estão comprados. As esquerdas ? Ora as esquerdas! Não as há mais, ainda bem! Ou será que deveria dizer: “que pena!” Afinal, representavam o contraditório que hoje não mais existe. E a oposição?  Onde está que não a vejo; que não a sinto; que não consegue pensar; que não consegue desempenhar esse papel contraditório, mas agora construtivo? Está comprada por valores dados em troca, ou pelo medo de expor idéias, de criar novas lideranças. Esfacela-se em debates inúteis e canibalísticos internos.

Enquanto isso, só resta repetir: “eu estou grata, eu estou grata.”


CARGA TRIBUTÁRIA (II)

O texto abaixo foi escrito por Carlos Alberto Sardenberg, para o jornal O Globo, de ontem, e, também, foi publicado na  página do Instituto Millenium, hoje. Trago-o à publicação por ter afinidade conceitual com o tema que publiquei hoje, em postagem logo anterior a esta. Ambos os textos se complementam e ajudam à formação de opinião sobre o difícil momento que a sociedade brasileira vive, tendo de um lado uma extorsão fiscal nunca sentida e, por outro, níveis de corrupção, também jamais sentidos pela nacionalidade brasileira. Como resultado, há falta de adequado atendimento às necessidades básicas dos cidadãos.

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Perderam a noção (por Carlos Alberto Sardenberg)


  
A carga tributária brasileira subiu forte em 2010 e aumenta ainda mais neste ano. E parece que não dá para nada. A conversa em Brasília trata da criação de algum novo imposto para, dizem, financiar a expansão de gastos com saúde.
Mas como podem pensar nisso diante da multiplicação dos casos de péssimo uso do dinheiro atual? Não faz muito tempo, este jornal mostrou equipamentos caros encaixotados há meses em hospitais do Rio. No domingo passado, o “Fantástico” mostrou que o Samu, o serviço de emergência do SUS, busca pacientes com ambulâncias caindo aos pedaços, enquanto deixa outras centenas delas, novinhas em folha, paradas nos pátios.
Mais impressionantes ainda são as explicações dadas por autoridades entrevistadas. Uma diz que as ambulâncias chegaram, mas não as equipes para operá-las, muito menos os telefones para atender os chamados de emergência. A questão seguinte é óbvia: como as ambulâncias foram entregues pelo Ministério da Saúde a secretarias estaduais e prefeituras se não havia como operá-las? Ora, isso acontece, mas estamos verificando – tal é o teor das respostas.
Uma secretária simplesmente disse que não sabia o que estava acontecendo. Outras autoridades alegaram problemas com contratação, licitações, atrasos burocráticos – como se não fossem elas as responsáveis pelo bom andamento dos processos.
Na cidade de São Paulo, a prefeitura tem ambulâncias paradas por falta de licenciamento dos veículos no Detran. Desde 2009! E aí? Até o fim do ano, só mais uns três meses, a coisa estará resolvida – foi a resposta.
Nada mais? Ninguém demitido por causa disso? Reparem: não é o carro do prefeito que está parado, são ambulâncias que deveriam estar servindo para salvar vidas. Só faltou dizer que era problema de despachante. Vai ver que é para isso que querem mais dinheiro. Ou que o prefeito Kassab estava muito ocupado com seu novo partido.
Por outro lado, podem reparar: o carro das autoridades está sempre um brinco, com diversos motoristas e seguranças à disposição. Por que não colocam estes para dirigir as ambulâncias ou os veículos da polícia?
Perderam a noção do serviço público. Esqueceram que toda essa máquina está aí exclusivamente para atender os cidadãos, os contribuintes. Se o serviço não é oferecido, a autoridade é sempre culpada.
Aliás, repararam nas frases? “A licitação atrasou.” Como assim? Atrasou sozinha?
Já pensaram a situação numa empresa privada? Os carros de entrega estão parados porque o contrato atrasou.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, logo ele, que vinha tão bem, e sua mãe, a deputada Ana Arraes, gastam R$300 mil de dinheiro público alugando carros de uma empresa que não tinha veículos quando ganhou a primeira licitação e cuja dona é correligionária, filiada ao mesmo partido (PSB) e filha de um antigo funcionário da família. Além disso, essa dona, Renata Ferreira, tem um emprego, nomeada, não concursada, no Ministério de Ciência e Tecnologia, dominado pelo PSB no governo Lula. Além disso, a empresa de Renata usa um aparelho de fax que havia sido dado de presente por Eduardo Campos para o pai e funcionário amigo.
Qual o problema? – foi o resumo da resposta do governador e da deputada, recém-eleita para o Tribunal de Contas da União, justamente o órgão encarregado de fiscalizar o gasto público. Houve licitação, aprovada, e pronto, disseram Campos e Ana Arraes.
O problema é que se trata de dinheiro público, dos outros. Se não tivessem perdido essa noção, o normal seria o governador dizer ao pai da Renata: olha aqui, melhor ela não entrar na licitação dos carros, pode pegar mal se ela ganhar. E o normal seria a Renata e o pai dela tomarem a decisão de não entrar para não criar eventuais embaraços ao governador, patrão, amigo e correligionário.
Em vez disso, o pessoal do poder passou a apresentar um argumento padrão: os empresários da família e do círculo de amigos não podem ser prejudicados só porque um parente/amigo tornou-se a autoridade. E isso justifica a situação dos tais empresários que saíram do zero para o sucesso só depois que o parente/amigo/correligionário chegou ao poder?
Mesmo, porém, no caso de empresas já estabelecidas, seus donos deveriam se abster de participar de negócios públicos comandados por parentes/amigos. O serviço público impõe, sim, limitações. Um juiz não pode sair por aí confraternizando com réus e seus advogados. O governador e o prefeito não podem sair contratando a sua turma. No convívio social, as amizades precisam ser limitadas e, em muitas situações, afastadas. Nenhuma autoridade pode pegar carona no jatinho dos fregueses do governo.
Pode parecer ingênuo. Mas é isso ou achar que tudo isso “não tem nada demais”.
  

O QUARTO PODER CRIMINOSO

  _____________________________________________________________ A Imprensa, dita quarto poder, cria uma realidade virtual que não correspond...