O PODER CORROMPE

Nesta época em que não temos mais contextualizada a Moral, como centro da atividade republicana e não respeitamos os princípios democráticos, pelos quais o povo elege candidatos e, estes, devem representar a vontade e os interesses populares, é importante relembrar alguns conceitos. No nosso momento nacional vemos um conjunto de parlamentares, em todos os níveis, valorizando mais os seus próprios interesses, ou dos governantes dos quais são meros vassalos, do que os anseios que geraram promessas de campanha, agora não cumpridas. Não conseguimos mais vislumbrar os horizontes do bom senso e o que vemos é apenas o muro intransponível das nossas vontades de cidadãos, cercando os palácios de interesses e de conchavos proveitosos para eles próprios. O Poder Executivo, então, costuma jogar no lixo a lista de princípios conceituais, ideológicos, morais, éticos, republicanos e democráticos que sempre foram seu objetivo no passado, para se acomodar no gostoso, mas duvidoso, leito da mordomia, do ganho fácil, do patrimonialismo e do aparelhamento governamental.
No Brasil, esses desvios são favorecidos pelo sistema eleitoral que não representa de forma absoluta  a vontade do cidadão e prioriza a autoproteção do parlamentar. Já no Executivo, o válido é o assistencialismo como forma de ganhar apoio e a manutenção, governo após governo, potencializando programas conjunturais, sem valorizar os estruturais, aqueles que podem projetar o País para décadas.  
No texto abaixo de Francisco Ferraz, para o sítio Política para Políticos, está o roteiro de como isso ocorre e os seus perigos:
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O poder corrompe

Lord Acton: "O poder tende a corromper - e o poder absoluto corrompe absolutamente"

Como e por que a autoridade política transforma as relações sociais quando confunde os privilégios do cargo com benesses pessoais
Ao longo da história, muitas e variadas têm sido as formas de descrever o poder político, e talvez não haja nenhum outro dito tão conhecido e tão citado quanto este, pronunciado por Lord Acton. A imputação de que o poder absoluto é intrínseca e irremediavelmente corruptor ganhou uma validação quase irrefutável com a experiência dos totalitarismos do século XX, seja na versão nazista, seja na stalinista. Tais exercícios levaram o conceito de poder absoluto ao seu extremo. Frente a ele, o exemplo dos chamados monarcas absolutistas dos séculos XVII, XVIII e XIX, permanece muito aquém dos limites de brutalidade, arbitrariedade e de desagregação das estruturas sociais atingidas pelos sistemas totalitários.
Não somente o passado recente comprovou a sabedoria do dito de Lord Acton, mas a própria teoria política, desde a mais remota antiguidade, já afirmava que o poder absoluto corrompe plenamente. Platão, ao comparar as formas de governo, em sua "República", situa a tirania como a pior de todas elas. O filósofo grego descreve com maestria como o tirano alcança o poder - com o apoio ingênuo das massas; a maneira como transforma este poder em poder absoluto - eliminando seus adversários; como substitui as pessoas de qualidade que, iludidas, o acompanharam - substituindo-as por indivíduos corruptos e submissos; como se cerca de uma guarda pessoal e de como é forçado a recorrer a guerras - para distrair a atenção do povo. Sua representação da tirania como forma de governo e a deformação que introduz na personalidade do tirano é clássica e definitiva, antecipando em detalhes o comportamento dos totalitários modernos.

O poder que não é absoluto

Esclarecido, então, que o poder absoluto corrompe absolutamente quem o exerce, persiste a dúvida: por que o poder que não é absoluto tende a corromper? Em primeiro lugar, é necessário conceituar mais precisamente o significado de "corromper", já que a expressão, em sua correta acepção, não equivale, necessariamente, à prática da corrupção. O sentido do verbo corromper é muito mais amplo e significa a transformação que se opera no indivíduo que é alçado a posições de poder que o tornam diferente dos demais cidadãos. A ascensão a funções de poder político deslocam o sujeito da esfera da vida privada para a da vida pública - e esta não é uma mudança banal. Principalmente porque a autoridade política implica poder sobre as pessoas. Ela agride o sentimento profundo de uma radical igualdade entre os indivíduos.

Liberdade e organização

O poder tende a corromper porque há um inclinação em perceber as homenagens e deferências prestadas ao cargo como se fossem dedicadas à pessoa

O poder político tem sua origem na necessidade - e não na espontânea vontade - de os indivíduos viverem submetidos a uma autoridade. Todas as sociedades, em todos os tempos, tiveram que definir sua própria combinação entre liberdade e organização. Uma coletividade na qual os cidadãos são totalmente livres é uma utopia. Assim como é totalitária uma sociedade onde a liberdade individual é substituída pela adesão disciplinada e compulsória às regras ditadas por quem detém o poder.
Na verdade, todas as obras dos autores clássicos da teoria política ocidental podem ser resumidas nesta polaridade: como conciliar liberdade e organização? O controle sobre os demais, exclusivo da esfera política, diferencia-se, portanto, de todas as outras formas de poder existentes na vida em sociedade.
Tal modalidade de domínio, amparado no uso legítimo da "sanção física" (punição), é exclusivo do Estado, que detém o seu monopólio dentro de um território definido e sobre uma população determinada. No seu limite, o poder pode chegar a exigir a vida dos que a ele estão submetidos. Na sua operação normal, ele depende do que Max Weber chamou de "uso ou ameaça de uso da sanção física", para assegurar o respeito às leis.
Não é por outra razão que o poder sobre os outros sempre precisou ser justificado por alguma doutrina. Sem um arrazoado nobre que o legitime, adquire contornos insuportáveis. Religião, tradição, nação, classe, partido e soberania popular foram, ao longo da história, os principais critérios que legalizaram uma determinada autoridade.
"O poder tende a corromper" porque faz de seu detentor uma pessoa diferente das demais. Cerca-a de símbolos, distinções, privilégios e imunidades que sinalizam sua hierarquia superior. Regras de cerimonial regulamentam o comportamento na sua presença. Gestos de deferência e respeito lhe são devidos. Com o passar do tempo, a transformação do indivíduo privado em autoridade pública se consuma. No bojo desta metamorfose está embutido o risco da tendência corruptora do poder, sobre a qual fala Lord Acton.
O poder tende a corromper porque há um inclinação em perceber as homenagens e deferências prestadas ao cargo como se fossem dedicadas à pessoa. Na política, como na Igreja Católica, cedo foi necessário deixar bem claras as distinções existentes entre os poderes da função (múnus) e as contingências sempre precárias da natureza humana. Na Igreja, os poderes sacramentais de um sacerdote não são afetados por suas falhas pessoais, preservando-se na sua plenitude.

O poder na política

Na política também ocorre o mesmo. Os privilégios, distinções, imunidades, homenagens e deferências referem-se ao cargo e não à pessoa que, eventual e circunstancialmente, os encarna. Sem esta distinção entre a santidade da função (Igreja) ou os poderes do cargo (Política) e a fragilidade da natureza humana, ambas as instituições somente poderiam sobreviver se os membros que as incorporam fossem moralmente perfeitos - um ideal utópico e, obviamente, irrealizável.
A observação de Lord Acton insere-se exatamente neste ponto. A fragilidade da natureza humana tende a provocar uma distorção personalizante no exercício do poder político, com o eventual titular da função pública apropriando-se, de variadas formas, dos poderes que são inerentes ao cargo e não à sua pessoa.
A advertência de Lord Acton é um eco, distante 19 séculos, da frase que o escravo que segurava a coroa de louros sobre a cabeça do general vitorioso pronunciava, incessantemente, ao seu ouvido, durante o "triunfo" (a entrada em Roma e o desfile pela cidade a frente de seu exército): "Não te esqueças de que és humano"



O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...