Estou beirando os 64
anos de vida e estou cansado, literalmente cansado, de ouvir e ver notícias
tristes sobre a seca que ocorre historicamente no nordeste brasileiro. Desde
criança ficava enternecido com o sofrimento daquele povo e pensava que o atraso
social e econômico que ali ocorria era causado pela...seca. Mas, não!, hoje é
sabido. Esse atraso também pode ocorrer pela seca, mas, esta, ocorre e fustiga
a vida local pelo descaso útil do sistema, pela ladroagem dos políticos e,
indubitavelmente, pelo cabresto que o povo aceita e que o leva a eleger os
mesmos verborrágicos, incapazes e ladrões de sempre.
Sugiro a leitura abaixo,
extensa, mas necessária para a sensibilização, dos quatro textos. No primeiro
deles, há a manifestação do poeta nordestino, também voz do povo, e, nos três
outros, notícias recentes sobre o problema. No terceiro deles, inclusive, é
criticada a demora na transposição do rio São Francisco, sobre cuja obra sou
contra. Ali, então, está evidenciada a responsabilidade dos três últimos
governos, envolvidos na ideia. No último, é possível perceber como o problema é
da seca, sim, mas é causado pela falta de iniciativas tecnológicas e práticas
dos homens, em razão da irresponsabilidade deles, diminui a qualidade de vida
na região.
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O SERTÃO CHORA NO
INVERNO DOS LADRÕES
O SERTÃO CHORA NO INVERNO DOS LADRÕES
Miguezim de Princesa
A seca que abate a gente
tira a comida da mesa,
o sertanejo, humilhado,
não esconde sua tristeza:
finca a enxada no chão
e, naquele poeirão,
sobe um mundo de incerteza.
O sertanejo resiste,
forte como um pau-pereira!
Clamoroso é ao que se assiste
nesta nação brasileira:
onde uns têm tudo farto,
mulheres morrem de parto
nos braços de uma parteira.
Na seca a politicagem
dos coronéis faz parada:
homens aqui são tratados
como se fossem boiada.
Triste sertão de "caboclo",
onde um voto vale pouco,
onde a vida vale nada.
Passa a seca, vem a chuva
e nada de melhorar,
porque o governo nega
semente pra semear
e o latifundiário,
pra aumentar o calvário,
nega terra pra plantar.
Desrespeita-se a velhice,
abandona-se a infância,
as escolas desmoronam
por incúria ou traficância,
do saber poucos se apossam
e as criancinhas engrossam
o exército da ignorância.
Terra que produz de tudo
- do feijão ao babaçu -,
teu povo é escravizado
no açoite do couro cru:
come restos de ração,
bebe a lama do porão,
não tem roupa - anda nu.
Semblantes desfigurados,
corpos esqueléticos nus,
enquanto nutrem a esperança
num milagre de Jesus,
disputam pelas estradas
brutos já mortos, ossadas,
com bandos de urubus.
Asfora falou um dia
dos seios sem leite, murchos,
das veias brancas, sem sangue,
que nem algodão - capuchos -,
enquanto reina a alarvia
de uma elite que um dia
terá de perder os luxos.
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Alimentada
pela escassez, "indústria da seca" fatura com a estiagem no Nordeste
Carlos
Madeiro
Do UOL, em Tacaratu (PE)
·
·
A seca no Nordeste é sempre sinal de sofrimento para o
sertanejo. Mas a falta de chuva também movimenta o meio político e o comércio
das cidades atingidas pela estiagem. A chamada “indústria da seca” fatura alto
com a falta de alimentos para os animais e de água para os moradores.
O exemplo mais conhecido no
sertão – e relatado por diversos moradores ao UOL –
é o uso político na distribuição dos carros-pipa, marca registrada do
assistencialismo simples. Segundo os relatos, alguns políticos visitam as
comunidades e se apresentam como “responsáveis” pelo envio da água. Os
moradores também reclamam da alta nos preços de serviços e alimentos para os
animais.
“A
prefeitura nos ajuda muito, nos mandando água por carros-pipa. Às vezes demora,
mas sempre vem”, conta a agricultora Maria Gildaci, 66, de Tacaratu (PE),
sempre citando que o prefeito é "quem manda" o carro para a
sobrevivência dela e da família, que vive em uma pequena casa no sítio
Espinheiro.
Falas
como a Gildaci, agradecendo os políticos, são comuns, mas a prática está sendo
combatida por organizações do semiárido. “Água é um direito, não é dada de
favor. Agricultores relatam com frequência que vereadores se apresentam
trazendo carros-pipa e que prefeitos estão se utilizando disso para as
eleições. Estamos fazendo levantamentos e vamos tentar identificar onde isso está ocorrendo para tomarmos
providências”, afirma o coordenador da ASA (Articulação do Semiárido), Naidson
Batista.
Para
Batista, o uso político da água é histórico no Nordeste, mas vem perdendo força nos últimos anos. “A
indústria da seca, na história brasileira, é um instrumento de alguns, em
detrimento de outros, para aumento de poder econômico, político ou social de
determinado grupos. Embora ela venha perdendo força, não seria possível
erradicar uma prática de 400 anos em apenas 10”, afirma.
Segundo
o coordenador, os investimentos cobrados, como poços, barragens e cisternas,
não foram feitos a contento ao longo dos anos, o que facilitou a política
assistencialista. "Isso faz parte da indústria da seca, pois deixa o
sertanejo vulnerável, à espera sempre de ações emergenciais."
O
diretor do Polo Sindical do Médio São Francisco da Fetape (Federação dos
Trabalhadores em Agricultura de Pernambuco), Jorge de Melo, também relata que
políticos e fazendeiros ainda se aproveitam da seca para lucrar. “É só começar
a escassez de alimentos para ter gente aumentando o preço das coisas. É o que
chamam da lei da oferta e procura. Além disso, há um claro uso político, que
vem sendo combatido e está enfraquecendo, mas ainda existe no sertão”, diz.
Para
tentar reduzir o desvio político da água, o governo de Pernambuco anunciou, na
última quarta-feira (16), que os carros-pipa contratados pelo Estado serão
equipados com GPS e terão fiscalização dos conselhos de desenvolvimento dos
municípios –que ficarão responsáveis por enviar relatórios mensais sobre o cumprimento
dos cronogramas.
Ganho econômico
Além do
uso político, muitos setores da economia também faturam com a venda de produtos.
Um dos exemplos é a palma (espécie de cacto que serve de alimento para o gado).
Segundo os moradores, o preço da tarefa de palma (equivalente a uma área
plantada de 3.053 m²), que antes da estiagem ficava em torno de R$ 1.200, hoje
chega a custar até R$ 2.500 em algumas localidades de Alagoas e Sergipe.
“Quem tem
sua palma plantada para os seus animais não quer vender. Agora a seca é boa para aqueles que plantam
a palma como investimento e estão vendendo mais caro e lucrando muito”, citou o
produtor Vilibaldo Pina de Albuquerque, de Batalha (AL).
O
carro-pipa também é um negócio rentável. Os preços cobrados pelos “pipeiros” no
sertão inflacionaram com a seca. “Existe, e muito, a indústria da seca. Um
exemplo: antes, a prefeitura contratava um carro-pipa por R$ 100 para lavar o
matadouro. Hoje, para o sujeito trazer a mesma quantidade de água ele obra R$
200. E olhe que o preço do combustível não subiu e ele pega água no mesmo
lugar”, afirma o secretário de Infraestrutura de Batalha (AL), Abelardo
Rodrigues de Melo.
Em
Sergipe, os investidores estão comprando carros-pipa para ganhar dinheiro.
“Hoje, quem tem um dinheiro sobrando está comprando um carro-pipa para
distribuir água. Demanda é o que não falta. Aqui estamos precisando de mais,
mas não há”, diz o coordenador da Defesa Civil de Poço Redondo (SE), José
Carlos Aragão. "E o carro-pipa não é a solução, e só uma política emergencial.
Hoje você leva a água, amanhã já precisa de novo. É um investimento de curta
duração."
Na
cidade sergipana –a mais afetada do Estado, com 15 mil pessoas atingidas pela
estiagem--, o movimento de carros-pipa é intenso e atua em diversos setores da
economia. Na oficina de Antônio Rodrigues, cresceu a procura por consertos dos
caminhões. “Hoje 30% do que faturo é com esses carros. Contratei até uma pessoa
para me ajudar, porque a procura é grande e tem caminhão aqui todo dia. Queria
não ter mais esse serviço, que aqui chovesse e o povo parasse de sofrer. Mas
estou trabalhando dignamente.”
Melhores condições
Para o
economista Cícero Péricles, apesar da “indústria da seca” ainda existir, as
condições de enfrentamento do sertanejo à seca atual são melhores do que
aquelas enfrentadas na última grande estiagem, em 1998.
“Há
mais de uma década a política de água obteve ganhos consideráveis pela entrada
das cisternas e barragens subterrâneas nos espaços da agricultura familiar,
reforçando os antigos instrumentos, como os poços artesianos, tubulares,
barreiros, açudes e adutoras. A presença dos órgãos públicos mudou da
intervenção exclusivamente assistencialista e emergencial para instituições
públicas, com maior capilaridade, municipalizadas, que fazem a cobertura
permanente com os programas sociais. A ampliação da Previdência Social no
campo, assim como de programas de transferências de renda, a exemplo do Bolsa
família, reduziram em muito a pobreza absoluta no meio rural”, afirma o
economista.
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A Transposição e a Seca
IHU
“A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera
oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao
contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram,
aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de
suas vidas”.
O comentário é de Roberto Malvezzi em artigo publicado pelo sítio São
Franscisco Vivo, 16-05-2012.
Eis o artigo.
Pode parecer uma atitude menor de nossa parte reiterar críticas à Transposição nesse momento de seca, afinal, o sofrimento das pessoas e dos animais é infinitamente mais relevante que nossas divergências sobre determinadas obras.
Entretanto, é exatamente em função desse sofrimento, e da busca incessante para encontrar caminhos de solução, que esse debate mais uma vez se coloca na ordem do dia.
Ninguém acaba com a seca. Ela é um fenômeno natural e normal da região semiárida. Portanto, essas matérias sensacionalistas que gostam de falar de “terra esturricada, mata morta, animais morrendo”, revelam ignorância a respeito da região. Ela é assim e assim será. Por isso os índios já chamavam essa mata de “caatinga”, que quer dizer exatamente “mata branca”. Nada está morto, ao contrário, a caatinga hiberna, adormece para enfrentar um período sem chuva. Com as primeiras chuvas tudo volta à vida. Apenas o ser humano e os animais, trazidos de fora, não hibernam. Esses precisam comer e beber, enquanto a natureza se defenda por conta própria.
Mas, se a natureza não muda – a não ser por uma profunda mudança no clima global -, a infraestrutura para adequar o ser humano a essa realidade precisa ser mudada. Essa é a única saída inteligente. Costumamos repetir que os povos do gelo aprenderam a viver com o gelo, os povos do deserto aprenderam a viver no deserto, e que nós já deveríamos ter aprendido a conviver com o semiárido. Essa cultura inovadora está em construção, mas sofre resistências terríveis de quem aprendeu a ganhar poder e riqueza às custas da miséria do povo.
Para quem se lembra, o grande argumento governamental – de marketing – para bancar a Transposição era a proposta de abastecer 12 milhões de pessoas com água potável. Para tal, cunhou-se a divisão do semiárido brasileiro entre “Nordeste Setentrional” e o resto do “Nordeste”. Assim, induzia os incautos a pensarem que o semiárido está restrito ao Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ainda mais, governo e parte da mídia, por desconhecimento ou interesses escusos, afirmavam que a Transposição iria levar água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.
Essa seca matou o argumento oficial. A seca começou em território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil, ensino primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição, mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, por quase uma década diretor do DNOCS, costuma dizer que as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do Ceará. Para se ter uma idéia mais precisa, dos 36 bilhões de metros cúbicos de água que podem ser estocados no semiárido, 28 bilhões estão no Ceará. A Bahia possui capacidade para estocar apenas um bilhão de metros cúbicos.
A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas.
Para completar, o próprio Dr. Bonfim afirma que precisamos fazer a distribuição da água estocada nos açudes. Afinal, segundo informações recentes do governo cearense, os açudes da região estão em média com 70% de sua capacidade abastecida. Portanto, não falta água, falta distribuição. Para ele, temos apenas uma rede de cinco mil km de adutoras no semiárido, quando precisaríamos de 25 mil km para democratizar a água para o meio urbano. Segundo a Agência Nacional de Águas, 1700 municípios do Nordeste precisam de adutoras ou serviços de água para não entrarem em colapso hídrico até 2025.
Já expusemos à exaustão que essa seca, terrível em termos de diminuição das chuvas, mas prevista no clico das secas, ao menos não fará vítimas humanas na extensão daquela de 1982. A perda de safra e animais ainda é inevitável.
Continuaremos defendendo uma proposta sistêmica para todo semiárido, sem exclusões. O caminho é a convivência com esse ambiente, através de uma imensa malha de pequenas obras – se não fossem as cisternas para beber e produzir nesse momento, ainda que seja como depósito de água de pipas, o povo estaria bebendo lama de barreiros -, da agroecologia adaptada, da criação de animais resistentes ao clima, da apicultura, da garantia da terra aos agricultores, assim por diante. Para o meio urbano, a democratização da água através das adutoras, priorizando o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.
Temos todos os meios nas mãos. Faltam estadistas que conduzam e aprofundem a revolução na relação com o semiárido. Quando assim for, secas serão apenas fenômenos naturais, não mais tragédias sociais.
Eis o artigo.
Pode parecer uma atitude menor de nossa parte reiterar críticas à Transposição nesse momento de seca, afinal, o sofrimento das pessoas e dos animais é infinitamente mais relevante que nossas divergências sobre determinadas obras.
Entretanto, é exatamente em função desse sofrimento, e da busca incessante para encontrar caminhos de solução, que esse debate mais uma vez se coloca na ordem do dia.
Ninguém acaba com a seca. Ela é um fenômeno natural e normal da região semiárida. Portanto, essas matérias sensacionalistas que gostam de falar de “terra esturricada, mata morta, animais morrendo”, revelam ignorância a respeito da região. Ela é assim e assim será. Por isso os índios já chamavam essa mata de “caatinga”, que quer dizer exatamente “mata branca”. Nada está morto, ao contrário, a caatinga hiberna, adormece para enfrentar um período sem chuva. Com as primeiras chuvas tudo volta à vida. Apenas o ser humano e os animais, trazidos de fora, não hibernam. Esses precisam comer e beber, enquanto a natureza se defenda por conta própria.
Mas, se a natureza não muda – a não ser por uma profunda mudança no clima global -, a infraestrutura para adequar o ser humano a essa realidade precisa ser mudada. Essa é a única saída inteligente. Costumamos repetir que os povos do gelo aprenderam a viver com o gelo, os povos do deserto aprenderam a viver no deserto, e que nós já deveríamos ter aprendido a conviver com o semiárido. Essa cultura inovadora está em construção, mas sofre resistências terríveis de quem aprendeu a ganhar poder e riqueza às custas da miséria do povo.
Para quem se lembra, o grande argumento governamental – de marketing – para bancar a Transposição era a proposta de abastecer 12 milhões de pessoas com água potável. Para tal, cunhou-se a divisão do semiárido brasileiro entre “Nordeste Setentrional” e o resto do “Nordeste”. Assim, induzia os incautos a pensarem que o semiárido está restrito ao Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ainda mais, governo e parte da mídia, por desconhecimento ou interesses escusos, afirmavam que a Transposição iria levar água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.
Essa seca matou o argumento oficial. A seca começou em território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil, ensino primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição, mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, por quase uma década diretor do DNOCS, costuma dizer que as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do Ceará. Para se ter uma idéia mais precisa, dos 36 bilhões de metros cúbicos de água que podem ser estocados no semiárido, 28 bilhões estão no Ceará. A Bahia possui capacidade para estocar apenas um bilhão de metros cúbicos.
A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas.
Para completar, o próprio Dr. Bonfim afirma que precisamos fazer a distribuição da água estocada nos açudes. Afinal, segundo informações recentes do governo cearense, os açudes da região estão em média com 70% de sua capacidade abastecida. Portanto, não falta água, falta distribuição. Para ele, temos apenas uma rede de cinco mil km de adutoras no semiárido, quando precisaríamos de 25 mil km para democratizar a água para o meio urbano. Segundo a Agência Nacional de Águas, 1700 municípios do Nordeste precisam de adutoras ou serviços de água para não entrarem em colapso hídrico até 2025.
Já expusemos à exaustão que essa seca, terrível em termos de diminuição das chuvas, mas prevista no clico das secas, ao menos não fará vítimas humanas na extensão daquela de 1982. A perda de safra e animais ainda é inevitável.
Continuaremos defendendo uma proposta sistêmica para todo semiárido, sem exclusões. O caminho é a convivência com esse ambiente, através de uma imensa malha de pequenas obras – se não fossem as cisternas para beber e produzir nesse momento, ainda que seja como depósito de água de pipas, o povo estaria bebendo lama de barreiros -, da agroecologia adaptada, da criação de animais resistentes ao clima, da apicultura, da garantia da terra aos agricultores, assim por diante. Para o meio urbano, a democratização da água através das adutoras, priorizando o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.
Temos todos os meios nas mãos. Faltam estadistas que conduzam e aprofundem a revolução na relação com o semiárido. Quando assim for, secas serão apenas fenômenos naturais, não mais tragédias sociais.
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Municípios
vítimas da seca lideram ranking de piores índices de desenvolvimento humano
Carlos
Madeiro
Do UOL, em Tacaratu (PE)
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Atingidos pela maior seca das
últimas décadas, municípios do sertão nordestino lideram os piores índices de
desenvolvimento humano e renda do país. Com poucas exceções --de algumas
cidades banhadas pelo rio São Francisco e que recebem royalties do governo
federal pelo uso da água--, a pobreza e a falta de oportunidade são marcas
registradas da região. O Nordeste já tem mais de 910 municípios em emergência.
De
acordo com o último Atlas do Desenvolvimento Humano, feito pelo Pnud (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento), em 2000, das quatro cidades com
menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, três estão na lista de
municípios em emergência pela seca e convivem com as estiagens. A cidade com
menor IDH do país é Manari (PE), com índice de 0,467 –o país teve média de
0,649 no mesmo período. Outras duas cidades nordestinas, Traipu (AL) e Guaribas
(PI), também estão no quarteto das piores em desenvolvimento humano –com 0,479
cada uma. Completa o ranking a cidade de Jordão, no Acre, com 0,475 (veja aqui a lista completa).O
IDH varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento
humano) e engloba três aspectos: conhecimento (medido por indicadores de
educação), saúde (medida pela longevidade) e padrão de vida digno (medido pela
renda).
A
situação também é ruim quando se considera o PIB (Produto Interno Bruto) per
capita de algumas cidades nordestinas. Em Tacaratu (PE), o índice não passa de
R$ 3.183, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) de 2009 –neste ano, a média do país foi R$ 16.917.
“Vendi os oito bodes que tinha para comprar comida, há
pouco mais de um mês, mas já acabou o dinheiro. Vendi muito barato”, contou a
moradora Rosana Inácia dos Santos, 42, durante visita do UOL à cidade do sertão pernambucano.
Rosana faz redes para complementar a renda e garantir o sustento. “Mas só me
pagam R$ 1,00 por cada varanda [de rede] que faço. Tem que trabalhar muito, o
mês todo, para conseguir uns R$ 70.”
Em
Santa Brígida (BA), a renda per capita não ultrapassa os R$ 3.382. “Tem muita
gente indo para Paulo Afonso [cidade vizinha e referência na região do médio
São Francisco], ou Salvador, ou outra cidade grande. Outra parte está indo para
o Pará, onde estão sendo realizadas obras. A situação é complicada aqui por
conta da falta de chuva e de perspectiva. A situação é ainda mais difícil para
os jovens”, disse o secretário municipal de Infraestrutura, Alfredo Ribeiro
Neto.
Apesar
de não se ouvir falar mais em fome, a palavra “necessidade” ainda é pronunciada
por muitos sertanejos. “Meu vai pra rua [cidade] todo dia tentar arrumar
trabalho, para não roubar o que é dos outros. O dinheirinho que ganho
[proveniente do Bolsa Família] dá só para o sustento, pois agora tenho que
comprar água para mim e para meus animais. Tenho comido todo dia, mas passo
necessidade, não vou mentir. Tem dias em que não tem a mistura [carne ou
similar que acompanha o tradicional arroz e feijão]”, diz a moradora da zona
rural de Glória (BA), Maria São Pedro. A cidade também possui um dos menores
PIB per capita do país, de R$ 3.437.
Análise
Segundo
o doutor em economia popular e professor da Ufal (Universidade Federal de
Alagoas), Cícero Péricles Carvalho, a seca é um elemento com forte peso na
economia dos municípios, o que traz consigo pobreza às prefeituras e
populações.
“As
chuvas irregulares afetam o solo sertanejo, que é menos produtivo que os solos
da zona da mata e do agreste. O déficit hídrico inviabiliza muitas culturas que
somente produzem com a irrigação. A pecuária extensiva, o método ainda mais utilizado
na área sertaneja, é muito vulnerável nos períodos de estiagens prolongadas.
Essa pobreza no campo reflete-se nas localidades --pequenas e médias-- onde
vive a maior parte da população da região e, claro, faz baixar o IDH no seu
componente renda”, explicou.
Segundo
Carvalho, a maioria da população dessas cidades depende da transferência de
renda dos programas sociais para sobreviver. “Atualmente, a renda sem produção
--que chega pelos cartões da Previdência Social e do Bolsa Família-- é mais
significativa que a produzida na agricultura, pecuária e nas atividades de
artesanato e indústria familiar. Nas pequenas localidades, os serviços e o
comércio dependem dessas transferências, assim como as prefeituras que
sobrevivem graças ao FPM [Fundo de Participação dos Municípios], transferências
voluntárias, convênios e outros recursos públicos.”
Apesar
de concordar que a seca é um instrumento que aumenta a pobreza, o professor de
sociologia da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Paulo Decio de Arruda Mello,
diz que não há, necessariamente, uma relação direta entre a miséria dos
municípios e as estiagens. “Não é uma coisa automática. Podem existir locais
com produção e desempenho econômicos elevados, mas que sejam atingidos pela
seca. O importante é garantir a sustentabilidade dessas áreas, com a atuação na
área ambiental.”
Para o
sociólogo, o sertão do Nordeste acabou sendo alvo de políticas
assistencialistas ao longo de décadas, o que impediu o desenvolvimento
sustentável. “A verdade é que os governos não investiram como deveriam em obras
estruturantes no semiárido brasileiro. Geralmente nessas áreas que se
concentram agricultura familiar, que não são commodities ou exportadores. São
áreas ocupadas por economias agrícolas de pouco valor agregado, que acabam
relegadas a um segundo plano. A tendência é investir mais em setores mais
dinâmicos”, analisa.
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