Preocupa-me muito a ambliopia mental que domina o círculo governante do país. Ambliopia, a visual, é o processo de enfraquecimento da visão, ocasionado por um defeito de uma das partes do olho, sem que haja aparente lesão no globo ocular. Assim também, o modo de ver as coisas que nos cercam e que representam a vida de hoje e de amanhã tem sofrido um descaso, quase um apagão da mente, sem que isso seja sentido, ou visto, nos processos econômicos e sociais. Dessa forma, estimulamos inconsequentemente usos pontuais no macroambiente, nunca analisados no seu todo. Por esta razão, trago o texto abaixo do jornalista que o escreve, pois ele alerta exatamente para essa minha preocupação. Por outro lado, nas postagens deste blog, em 20/04/2011-A Débito das Gerações Atuais e em 30/09/2011-Hidrelétricas, Energia Limpa?, são relatados problemas relativos à atual, às quais recomendo consultar. Boa e esclarecedora leitura.
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A
AMAZÔNIA MORRE E OS JORNAIS NÃO VEEM
Por Leão Serva, para a seção Tendências
e Debates, do jornal Folha de São Paulo, de 20/12/2011
Dados
preliminares sobre o desmatamento foram vistos como "boa notícia",
mas só mostram que o tumor causou a amputação de parte menor
A
Amazônia tem câncer e a opinião pública brasileira não sabe porque a imprensa
está míope.
Nos
últimos dias, dados preliminares de desmatamento da região foram anunciados
como "boa notícia" ao mostrar que a destruição reduziu velocidade,
quando apenas querem dizer (se comprovados) que o tumor causou a amputação de
parte menor do corpo.
Enquanto
governo e imprensa fazem festa, o paciente morre. Procedimentos essenciais do
jornalismo determinam a desinformação sobre o desaparecimento da maior floresta
do mundo. Um exemplo: no dia 16/10, a Folha deu manchete para um inédito
levantamento de todas as obras de infraestrutura do PAC para a Amazônia.
A
reportagem saiu em "Mercado" e pela primeira vez foi possível ver que
está em curso uma série de obras com dinheiro da União que, tantas sendo, não
podem ser benignas numa floresta atacada há 40 anos. Mas, como o jornal é
dividido em editorias e as notícias devem se submeter a elas, a mesma edição do
jornal revelava na editoria "Ciência", páginas distante, que o
"país faz mais obras mas diminui gasto com conservação".
A
separação das notícias tira do leitor a capacidade de entender fatos complexos,
como o atual processo de destruição da Amazônia.
O
fracionamento faz com que a tramitação do Código Florestal no Congresso seja
tratada em páginas de política; obras de infraestrutura na Amazônia, em
economia; o ritmo da devastação florestal, em ciência; as mudanças dramáticas
no clima amazônico, em meteorologia.
O
ineditismo do levantamento da Folha é prova de omissão frequente da nossa
imprensa: não ligar notícias de um dia com o passado. No caso das obras na
Amazônia, os jornais nunca somam o impacto de obras já inauguradas com as que
são anunciadas.
O
governo se aproveita da miopia: jamais anuncia dois projetos ao mesmo tempo,
diluindo o impacto de cada um. O próprio índice percentual de destruição total
da floresta (estimado pelo Inpe pela análise de fotos de satélites do programa
Prodes) é tema de confusão.
O
órgão divulga a cada ano quatro levantamentos de satélites diferentes, com
dados às vezes contraditórios. Neste ano, os alertas de incêndio e desmatamento
dos programas Deter e Degrad indicaram um aumento da degradação, mas os dados
preliminares de desmatamento total revelam redução da velocidade de destruição.
Dois
defeitos se repetem anualmente na divulgação dos dados do Inpe: (a) ao divulgar
percentuais, o instituto esconde a soma dos valores absolutos de desmatamento
já acumulado; (b) o noticiário não junta os dados dos programas que medem
destruição total (Prodes) e degradação grave (Deter e Degrad), que poderiam
revelar à opinião pública o ritmo assombroso da destruição da Amazônia.
Quanto
ao primeiro defeito: segundo o Inpe, o desmatamento acumulado das áreas
ocupadas por floresta em 1988 é de 18% (ou seja, quase 1/5 da maior floresta do
mundo sumiu em 23 anos)! A segunda questão é mais dramática: a cada hectare
inteiramente desmatado, outro sofre degradação irreversível.
Ou
seja, em 23 anos, o processo de destruição da floresta (desmatamento total e
degradação grave) já amputou cerca de 35% da floresta, aproximando-se da
previsão, que parecia apocalíptica nos anos 1980, de que a floresta amazônica
poderia desaparecer em 50 anos.
A
confusão de índices de desmatamento é semelhante à cobertura da inflação anos
atrás: em 1989, uma redução da alta de preços de 80% para 20% seria notícia boa
se o índice tendesse a zero, o que se deu com o Plano Real, em 1994.
Já
a destruição da Amazônia não tem Plano Real à vista: o governo federal quer
estabilizar o desmatamento em 5 mil km²/ano, área de três cidades de São Paulo.
Assim,
de "boa notícia" em "boa notícia", a floresta morre.
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