Eis um texto lúcido de Brossard acerca do clima de
insegurança que vivenciamos no Brasil. A breve análise dele faz com que
lembremos o comparativo de mortos pela violência pessoal, sem contar a de
trânsito, no Brasil, anualmente. São dados que superam muitas guerras de muitos
países. Embora ele defenda a tese que vivemos uma guerra civil, pelos
argumentos que apresenta, eu compreendo ambas as definições, pois se estamos em
um conflito aberto, também estamos numa sociedade doente de comportamento.
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Guerra civil ou epidemia, por PAULO BROSSAR DE SOUZA PINTO
(INSTITUTO MILLENIUM)
Pouco
importa que lhe demos o nome de peste ou febre. O essencial é impedir a morte
de metade da população
Se há um fato que entra pelos olhos de qualquer pessoa é o
da violência generalizada e crescente; como se ela não bastasse, tem se
agravado com requintes de crueldade; a morte não basta e a ela seguem-se
mutilações várias nas vítimas, degola inclusive, para não falar em outras; os
meios de comunicação dia a dia confirmam essa realidade.
Insisto em acentuar a coexistência de duas espécies de
violência, a que vem de tempos imemoriais e a recente, originária ou
consorciada ao fenômeno da droga e o que dela decorre, como a reação à ação
policial. O número de policiais mortos e feridos não deixa dúvida a
propósito das dimensões do problema, tanto que serviços federais vão colaborar
com o Estado de São Paulo, não sei em que termos e de que forma, mas a União
assumiu publicamente essa posição, e não terá sido por somenos. A verdade é
que, nas últimas semanas, tem se agravado o problema em número e intensidade,
como vem adquirindo marcas inegáveis da alteração de seu caráter; a meu sentir,
a violência passou a ser instrumento de uma ação coletiva com particulares
objetivos ilícitos. Em outras palavras, se a violência se expandia
empiricamente, hoje se assemelha a uma entidade habilitada a atingir seus
objetivos, fossem eles quais fossem. É o que vem ocorrendo à luz do sol, na
maior cidade do país e no mais desenvolvido Estado da União, em termos
ameaçadores. O número de policiais mortos e feridos fala por si; basta sinalar
que os servidores do setor de segurança vêm sendo o alvo predileto da luta
armada. Para mostrar que o comando em causa não está a brincar, em dias
passados, à frente de sua casa, à tarde, foi morta uma policial que se
recolhia, com numerosos balaços. É apenas um dado, mas um dado que resume o que
está nas origens do fenômeno e em suas finalidades.
Há pessoas que não simpatizam e até têm repugnância à
expressão “guerra civil”; a mim o fato repugna mais que a expressão, e o que
está ocorrendo caracteriza o que se chama de “guerra civil”. São forças
estranhas à nomenclatura estatal, com recursos próprios, que hostilizam
serviços estatais fundamentais, levando à morte pessoas dedicadas à segurança
pública, isto me faz lembrar uma passagem de Albert Camus, em A Peste, ao dizer
que “a questão não é de vocabulário, mas de tempo. Pouco importa que lhe demos
o nome de peste ou febre. O essencial é impedir a morte de metade da
população”.
Por tudo que
estou a ver, tenho o desgosto de reconhecer a ocorrência de uma forma da guerra
civil, calamidade que Gaspar Silveira Martins disse, em texto histórico, ser o
maior flagelo que pode cair sobre um povo.
Denomine-se de guerra civil ou se batize com o mais delicado
eufemismo, pouco importa, se todas as noites policiais são abatidos no
território do maior Estado da federação. A questão não é de vocabulário, é de
brasileiros eliminados em sua própria casa.
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