Em
14/102012, o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, publicou a reportagem que está
abaixo. Reproduzo-a, embora já tenha feito postagem sobre o mesmo assunto, mas
de origem diferente e publicado posteriormente à data desta. Mas, o importante
é que fique o registro, mais um deles, dos crimes e dos atentados à vida de
milhões de pessoas, em razão da utilização de venenos de forma irresponsável, e
negligente, como diz a reportagem. Estas não são apenas elucubrações de
sonhadores e catastrofistas ambientalistas, mas são dados científicos, tanto os
desta reportagem, quanto os de outras que publiquei e que circulam por aí.
Talvez não circulem com a ênfase necessária e possível, pois os interesses que
se colocam no seu caminho são muitos e muito poderosos, fazendo com que pareçam
de menor importância, em face da necessidade de se produzir alimentos de forma
crescente para a humanidade. Enfim, o que falta é a responsabilidade no trato
dessa questão.
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MEIO AMBIENTE
Brasil é negligente no controle de agrotóxicos
Agricultura brasileira ainda utiliza 22
produtos
químicos proibidos pela União Europeia e EUA. Anvisa tenta barrar 14 dessas
substâncias
O
Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, é uma das nações mais
atrasadas no controle de agrotóxicos. Dos 50 produtos químicos mais aplicados
na agricultura, 22 são proibidos pela União Europeia (UE) e Estados Unidos, mas
continuam sendo largamente utilizados em território brasileiro, apesar dos
riscos que oferecem à saúde.
Entre
eles, agentes que causam cegueira, má formação fetal, câncer (em especial os de
tireoide e mama), puberdade precoce, problemas respiratórios e disfunções
renais, de acordo com relatórios técnicos de várias entidades lançados neste
ano e que corroboram alertas feitos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em
anos anteriores.
Estudo
Pesticidas causam desequilíbrio no organismo e diversas doenças
Os malefícios dos
agrotóxicos no corpo humano são conhecidos há pelo menos duas décadas, embora
somente nos últimos anos pesquisadores tenham conseguido juntar um número
suficiente de estudos para comprovar seu efeito cumulativo na saúde ao longo de
anos de exposição. São casos agudos (intoxicação por pequenas doses, num curto
espaço de tempo) ou crônicos,
quando ocorre manipulação prolongada de várias substâncias ou ainda no ventre
materno, o que interfere no desenvolvimento fetal e causa deformações
incuráveis.
Segundo a chefe do Setor
de Endocrinologia do Hospital Evangélico de Curitiba, Mirnaluci Ribeiro Gama,
tais substâncias químicas, chamadas de disruptores endócrinos, têm o poder de
simular ou bloquear a ação dos hormônios produzidos pelo corpo, o que gera
desequílibrios metabólicos e multiplicações celulares que podem levar ao
câncer. “Glândulas como a tireoide, testículos e ovários, assim como o tecido
adiposo, são os mais frequentemente acometidos”, explica.
Estrogênio
Um exemplo, cita a
médica, ocorre com os hormônios sexuais, em especial o estrogênio. Meninas
expostas a agrotóxicos entraram na puberdade antes do tempo. Substâncias
presentes nesses agentes, chamadas de xenoestrógenos, enganam o organismo e
simulam o papel do hormônio, induzindo as meninas a menstruar precocemente. A
exposição ao estrogênio por um período maior do que o programado pela natureza
também aumenta o risco de câncer de mama, já que este hormônio alimenta os
receptores de estrogênio das células mamárias.
Nos homens, foi
comprovado o aumento de casos de infertilidade, devido à redução do número de
espermatozoides em indivíduos expostos aos produtos. Os agrotóxicos também são
uma das causas comprovadas do Mal de Parkinson, além de alguns casos de
leucemia, linfomas e mielomas múltiplos.
Exceção
Desde 2008, 14 substâncias
químicas estão na mira da Anvisa. Destas, quatro foram ou devem ser retiradas
do mercado, mas nos demais casos, a discussão pouco avançou. Confira quais são
as substâncias, o que causam, a situação atual sobre sua discussão e em que
países já são proibidas:
Abamectina
Toxicidade aguda e
suspeita de toxicidade reprodutiva; Ainda não foi discutida; única substância
não proibida pela União Europeia.
Acefato
Neurotoxicidade,
carcinogenicidade e toxicidade reprodutiva; Já houve consulta pública para seu
banimento, mas decisão não foi publicada; União Europeia.
Carbofurano
Alta toxicidade
aguda e desregulação endócrina; Ainda não houve consulta pública; União
Europeia e EUA.
Cihexatina
Alta toxicidade
aguda, carcinogenicidade para seres humanos, toxicidade reprodutiva e
neurotoxicidade; retirado do mercado em novembro de 2011; União Europeia,
Japão, EUA e Canadá.
Endossulfam
Alta toxicidade
aguda, desregulação endócrina e toxicidade reprodutiva; Será retirado do
mercado em julho de 2013; União Europeia e Índia.
Forato
Alta toxicidade
aguda e neurotoxicidade; Já houve consulta pública, mas não foi publicada
decisão; União Europeia e EUA.
Fosmete
Neurotoxicidade; já
houve discussão e produto será mantido no mercado com restrições; União Europeia.
Glifosato
Intoxicação (há
solicitação de revisão da Ingesta Diária Aceitável (IDA) por parte de empresa
registrante, necessidade de controle de impurezas presentes no produto técnico
e possíveis efeitos toxicológicos adversos); Não houve consulta pública; Em
revisão pela União Europeia.
Lactofem
Carcinogênico; não
houve consulta pública; União Europeia.
Metamidofós
Alta toxicidade
aguda e neurotoxicidade; Foi retirado do mercado em julho deste ano; União
Europeia, China e Índia.
Paraquate
Alta toxicidade
aguda e toxicidade; Não houve consulta pública; União Europeia.
Parationa Metílica
Neurotoxicidade,
desregulação endócrina, mutagenicidade e carcinogenicidade; já houve consulta
pública, mas decisão não foi publicada; União Europeia e China.
Tiram
Mutagenicidade,
toxicidade reprodutiva e desregulação endócrina; não houve consulta pública;
EUA.
Triclorfom
Neurotoxicidade,
potencial carcinogênico e toxicidade reprodutiva; retirado do mercado em 2010;
União Europeia.
Desde
2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alerta para a
necessidade de vetar o uso dessas substâncias, mas somente agora, com o veto de
países a produtos brasileiros cultivados com alguns agrotóxicos, é que a
discussão ganhou corpo. A agência estuda proibir dez substâncias, além de
quatro que já tiveram sua retirada do mercado aprovada.
Nessa
relação está o endossulfam, cujos efeitos foram primeiramente notados num
vilarejo na Índia, onde 6 mil pessoas (cerca de 50% dos domicílios), a maioria
crianças, apresentaram graves deformações físicas e neurológicas. O produto só
deve ser banido em 2013, de acordo com a agência. Na UE, ele está proibido
desde 1985.
“Após a
revolução verde [disseminação de práticas agrícolas, entre elas o uso de produtos
químicos, que permitiu o aumento da produção nos anos 70], estamos vivendo a
revolução vermelha. É um modelo químico-dependente que está causando um sério
problema à saúde. Há evidências científicas disso há muito tempo”, afirma o
pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso Wanderlei Pignati, que
coordenou um estudo sobre agrotóxicos que foi apresentado na Conferência das
Nações Unidas sobre Sustentabilidade, a Rio+20, em junho, no Rio de Janeiro.
Além do limite
A
aplicação de agrotóxicos além do Limite Máximo de Resíduos (LMR) permitido de
acordo com a legislação também preocupa porque gera uma série de complicações
em trabalhadores do campo e consumidores. Relatório de 2010 do Programa de
Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Anvisa, revelou que
28% de 2.488 amostras de alimentos analisadas continham substâncias
autorizadas, mas acima do LMR, ou proibidas. De acordo com o Ministério da
Saúde, o uso indiscriminado de agrotóxicos causou 7.677 casos de intoxicação no
país em 2009.
“O
Brasil é hoje o maior consumidor mundial de agrotóxicos e existe muita pressão
das empresas para que esse modelo seja mantido. Há um esforço da Anvisa para
controlar e proibir essas substâncias, mas as empresas entram na Justiça para
barrar a discussão”, explica a assessora jurídica da organização Terra de
Direitos, Ana Carolina Brolo de Almeida.
Em
2008, quando as discussões para a proibição das 14 substâncias se iniciaram, as
empresas conseguiram suspender a publicação dos resultados dos estudos por dois
anos. Em 2010, o processo foi retomado, mas devido ao atraso, as discussões não
avançaram. A reportagem enviou perguntas por e-mail à Anvisa, mas o órgão não
se pronunciou até o fechamento desta reportagem.
Pulverização
aérea é ineficiente
Além de
permitir o uso de substâncias que já são proibidas em países desenvolvidos, o
Brasil adota outra prática banida pela União Europeia desde janeiro de 2009: a
pulverização aérea de plantações, que, no intuito de abranger a maior área
possível de cultivo, também contamina o ar, solo, mananciais, estradas e até
vilarejos a quilômetros de distância.
Tática de guerra
“É uma
prática que lembra uma guerra [Vietnã], usar avião para despejar veneno. É
preciso proibir essa prática o mais rápido possível”, diz o médico e
pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso Wanderlei Pignati, um dos
maiores especialistas no assunto. A pesquisadora do Instituto de Química da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Isabel Fontes Jardim concorda. Uma
tese de doutorado orientada por ela em 2009 mostrou que, além de prejudicial à
saúde, a prática é ineficaz. “Somente 1% do produto aplicado atinge o alvo. Os
99% restantes vão para o ar, água e solo.”
Especialista
em agrotóxicos e sua relação com doenças, a médica e pesquisadora da
Universidade Federal do Ceará Raquel Rigotto diz que as normas brasileiras que
determinam limites para a prática são ineficazes – como uma distância mínima de
500 metros para povoados e de 250 para mananciais. “Num ecossistema, isso [os
limites] é muito pouco. Há vários aspectos que interferem, como os ventos, a
temperatura, a umidade. Não há como controlar. Portanto, a prática precisa ser
abolida.”
Para
se aprofundar
Acesse os relatórios já publicados sobre agrotóxicos pela Anvisa,
Câmara dos Deputados e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), este
último apresentado na Rio+20:
Anvisa: http://migre.me/b78c3
Abrasco
Relatório I: http://migre.me/b78cS
Relatório II: http://migre.me/b78dG
Câmara dos Deputados:http://migre.me/b78em
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