Há muitas coisas entre o céu e a terra... Bem!, que há muito de escondido por detrás dos panos, por debaixo dos lençois, pelas chicanas da vida e por cima da Moral e da Ética, pisoteando-as, nós já sabemos. Por tudo isso, é importante ter sempre os sentidos voltados para o outro lado, o contraditório. Alguns denominam isso de "teoria da conspiração", tentando desacreditar a premissa posta. Ocorre, então, que passamos a valorizar apenas aquilo que a imprensa nos informa, ou que "autoridades" nos comunicam e acabamos por fechar os canais intuitivos e de análise que temos conosco. Mas, é importante arguirmos os fatos, esgotando-lhes as variáveis, para, então vislumbramos o outro lado possível. Neste momento, então, herois podem virar vilões!
O texto abaixo, bastante longo para o pequeno tempo que dispomos nos nossos dias, é importante para nossa leitura, pois pode conter verdades escondidas. Resta-nos ler e interpretar o quê eventualmente ocorre nos escaninhos da vida pública e que podem ser fatos que nos prejudicam individualmente, mas, principalmente, destroem a nacionalidade.
O texto foi publicado em Congresso em Foco, de 12/08/2012.
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Mensalão: o que poucos sabem,
e o Brasil deveria saber
“O que fez Antonio Fernando não
sofrer nenhuma represália pela denúncia do mensalão foi ter deixado Lula fora
do rol acusatório”
Manoel Pastana*
“Juízes, Polícia, Ministério Público,
advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos.
E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
(Trecho de entrevista do
Corregedor-Geral do MPF, Eugênio Aragão, falando sobre “chantagem” para aumento
de salário)
Vive-se um momento
histórico com o julgamento do mensalão. Isso todo mundo sabe. O que quase
ninguém sabe é que as provas são escassas. Contra José Dirceu, apontado como o
líder do esquema criminoso, não existem provas, apenas indícios e meras
conjecturas. Por meio deste artigo, mostrarei, entre outras coisas – como a
explicação para a declaração transcrita acima – a razão da carência de provas
no processo mensalão.
Por que o então procurador-geral da República (PGR),
Antonio Fernando, autor da denúncia do mensalão, NÃO foi sequer criticado por petista algum
do alto escalão, apesar de ter imputado ao PT a tentativa de perpetuação no
poder, por meio de “sofisticada organização criminosa? Além disso, ele “acusou”
de chefe da organização José Dirceu, um dos expoentes do partido situacionista
e amigo pessoal de Lula. Antonio Fernando não sofreu crítica e ainda foi
reconduzido no cargo pelo ex-Presidente Lula. Será que Lula e os caciques
petistas nada fizeram contra Antonio Fernando porque compreenderam que ele
apenas cumpriu o seu dever legal? Quem acredita nessa hipótese, provavelmente
também acredita em Papai Noel, Saci Pererê, Mula sem cabeça, duendes…
Peço escusas pela
ironia, mas é que a situação é muito séria e procuro amenizar para facilitar a
leitura. Assinalo que eu não seria irresponsável de escrever sem conhecimento
de causa, pois tenho um nome e um cargo a zelar (sou procurador da República e
estou na ativa). Há 31 anos encontro-me no serviço público, ocupei diversos
cargos, todos conquistados por concurso. Aliás, só na área jurídica, passei em
seis concursos, sendo três em primeiro lugar.
As evidências mostram que a imputação de Antonio Fernando
na denúncia do mensalão NÃO é inverídica.
Caso fosse, certamente ele teria sofrido terríveis ataques e jamais seria
reconduzido. Mas não foi pelo fato de a imputação ser verídica que nada fizeram
contra ele, pois eu fiz acusação verídica contra um integrante do PT, que
resultou na primeira cassação do mandato de um parlamentar federal do referido
partido, fato ocorrido no início do governo Lula, e minha vida virou um
inferno. Sofri covarde e doentia perseguição dentro e fora do Ministério
Público Federal (MPF).
No meu entendimento, o
que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália foi ter deixado Lula
fora do rol acusatório, apesar de ele ter assinado atos normativos e
documentos, escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso.
Entre os vários fatos
praticados por Lula que beneficiaram o esquema criminoso, consta o envio, em
2004, de mais de 10 milhões de cartas (assinadas por Lula) a aposentados,
incentivando-os a tomar empréstimos consignados em folha de pagamento, que
proporcionaram lucros fantásticos ao banco BMG que, segundo a denúncia, foi uma
das instituições financeiras que participou da “sofisticada organização
criminosa”. Só para se ter uma ideia, o referido banco, com apenas dez agências
e em curto espaço de tempo, fez milhares de empréstimos a aposentados,
faturando quantia superior a três bilhões de reais, ganhando da Caixa Econômica
Federal, com suas mais de duas mil agências. Na formalização do convênio que
beneficiou o BMG, passaram por cima de tudo. Inclusive, exoneraram uma
servidora do INSS que se recusou a publicar o fraudulento convênio celebrado em
tempo recorde.
A ausência de Lula na
peça acusatória enfraqueceu demasiadamente a denúncia, pois o que também
deveria ser atribuído a ele foi imputado exclusivamente a José Dirceu. Ocorre
que este, ao contrário de Lula, não assinou documento algum, sequer um bilhete.
Assim, não há nenhuma prova no processo que aponte a participação do ex-chefe
da Casa Civil. O que há são frágeis indícios e meras conjecturas, de forma que
o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que mudar totalmente a sua jurisprudência
para poder alcançá-lo. É por isso que a defesa insiste tanto que o julgamento
seja técnico, pois juridicamente é quase impossível condená-lo. Faltam provas.
Para condenar José
Dirceu, alegou-se a aplicação da teoria do domínio do fato, que é adotada pela
maioria dos países democráticos. Ocorre que a aplicação dessa teoria não
dispensa a produção de provas; caso contrário, estar-se-ia orbitando na seara
da responsabilidade penal objetiva, que é repelida pelo ordenamento jurídico
dos países democráticos, incluindo o Brasil.
Antonio Fernando, além
de deixar o ex-Presidente da República fora da acusação, inviabilizou a
produção de provas efetivas (e não meras conjecturas), aptas a comprovar a
existência da “sofisticada organização criminosa”. Vou indicar alguns itens
(são muitos) que apontam nessa direção:
1) Marcos Valério
destruiu provas (queimou notas fiscais), 19 membros da CPMI (tinha 20 membros)
solicitaram a Antonio Fernando que pedisse a prisão dele. Antonio Fernando não
o fez, alegando que não havia elementos e nem necessidade da prisão. Nos meus 16
anos de atuação no MPF na área criminal, nunca vi um investigado que tenha dado
tanto motivo para ser preso e não foi.
2) – A esposa de Valério
foi flagrada tentando sacar milionária quantia junto a um banco em Belo
Horizonte. Desesperado, o “operador do mensalão” procurou Antonio Fernando e se
colocou à disposição para colaborar nas investigações, objetivando os
benefícios da delação premiada (estava com muito medo de ser preso, juntamente
com a esposa). Antonio Fernando recusou a colaboração de Valério, alegando que
a delação seria “prematura e inoportuna”. Tudo indica que ele não queria que
Valério falasse. A título de informação, a queda do ex-governador do DF (José
Arruda) somente foi possível graças à colaboração de Durval Barbosa (operador
do mensalão do DEM) que, beneficiado pela delação premiada, entregou provas que
derrubaram o ex-governador. Se não fosse isso, Arruda jamais teria caído.
3) – Sílvio Pereira,
ex-secretário-geral do PT, em entrevista a um jornal de grande circulação,
disse que Marcos Valério lhe afirmara que, se ele (Valério) falasse o que
sabia, derrubaria a República. Em vez de Antonio Fernando propor delação
premiada ao ex-secretário, cujo nome é repetido na denúncia 50 vezes, propôs a
ele suspensão do processo em troca de prestação de serviço à comunidade o que,
obviamente, foi prontamente aceito e Sílvio Pereira ficou fora do processo, não
tendo que prestar depoimento. Para um bom entendedor…
4 – Para sepultar de vez
a possibilidade de produzir provas efetivas que demonstrassem juridicamente a
existência da “sofisticada organização criminosa”, Antonio Fernando, em vez de
arrolar Roberto Jefferson como testemunha, uma vez que foi quem levou a público
o esquema criminoso, ou então propusesse a ele a delação premiada, preferiu
apenas acusá-lo. Assim, na condição de réu, sua palavra tem pouco valor para
incriminar José Dirceu.
5 – Curiosamente, nas alegações finais, o atual PGR,
Roberto Gurgel, por diversas vezes, utiliza os depoimentos de Jefferson “como
prova” do envolvimento de José Dirceu. Por exemplo, à fl. 44, item 72, das
alegações finais apresentadas por Gurgel, ele transcreve trecho do depoimento
de Jefferson, no qual este afirma que, em 2005, Dirceu teria lhe dito que, juntamente com Lula,
recebeu um grupo da Portugal Telecom para tratar do adiantamento de oito
milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB. Veja-se trecho da
declaração de Jefferson transcrito nas alegações finais por Gurgel:
“QUE
em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de janeiro de
2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um
grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito Santo que estariam em negociações
com o Governo brasileiro (…)” Grifei.
6 – Ora, se esse
depoimento de Jefferson é verdadeiro e pode ser utilizado como prova, conforme
entende o PGR, considerando que Lula participou da reunião, por que ele não foi
acusado? A presença de Lula na trama para angariar recursos com a Portugal TELECOM
era meramente figurativa, uma espécie de boneco ambulante, totalmente
manipulado e dominado por José Dirceu, por isso o ex-Presidente da República
não fora acusado? Ainda que essa hipótese fosse verdadeira, pelo artigo 29 do
Código Penal, Lula deveria figurar no rol dos acusados.
O ex-PGR Antonio
Fernando, assim como o atual, Roberto Gurgel, pertencem ao grupo tuiuiú. Tuiuiú
é uma ave do Pantanal que tem dificuldade para alçar voo. É assim que se
consideravam alguns procuradores na época do ex-PGR Geraldo Brindeiro e, por
isso, eles mesmos se denominaram de tuiuiú. Os tuiuiús são extremamente
afinados com o PT. O grupo chegou ao poder com Claudio Fonteles, primeiro PGR
nomeado por Lula. Fonteles foi ferrenho defensor de Lula (e do PT). Perseguiu
impiedosamente procuradores que de alguma forma tentaram investigar/processar
(de verdade e não por faz de conta) integrantes do Partido do governo. Por
exemplo, um pouco antes de vir a público o escândalo do mensalão, um procurador
tentou obter de Carlinhos Cachoeira um vídeo que poderia alcançar Dirceu, então
chefe da Casa Civil. Cachoeira gravou o procurador e o caso foi a público.
O procurador sofreu
terrível perseguição dos tuiuiús, sob a alegação de que não poderia ter ouvido
Cachoeira à noite. Depois de escapar da estapafúrdia acusação, o procurador
pediu exoneração do MPF, faltando pouco tempo para a aposentadoria. Foram
vários procuradores que sofreram perseguição. Por outro lado, outros foram
favorecidos. Por exemplo, um procurador, que costumava ocupar espaço na mídia
acusando integrantes do governo FHC, solicitou “ajuda financeira” a diversas
empresas. Para tanto, utilizou uma estagiária da Procuradoria que enviava
ofícios às empresas beneficiadas com o trabalho institucional do MPF. O
procurador em questão chegou a receber dinheiro de Daniel Dantas. Tudo foi
devidamente comprovado, mas ele nunca foi responsabilizado.
Fonteles, sem nenhum
amparo legal, por meio da portaria “reservada” nº 628, de 20 de outubro de
2004, criou um disfarçado serviço de inteligência no MPF; concedeu função
gratificada a pessoas sem vínculo com a Administração Pública. Por exemplo,
para que um garçom cursasse faculdade, Fonteles deu a ele uma função
gratificada, à revelia da lei. Apesar de Claudio Fonteles ter agido como um
soberano, ignorando as restrições legais, algumas vezes ele recuava. Por
exemplo, os tuiuiús queriam mandar embora um procurador novato que caiu na
antipatia deles. Na votação no Conselho Superior do MPF, Fonteles, como
presidente do Colegiado, chegou a votar duas vezes para destruir a carreira do
procurador, mas desistiu, pressionado por conselheiros que apontavam a
flagrante violação à lei.
Os sucessores, Antonio
Fernando e Roberto Gurgel, são mais ousados do que Fonteles. Eles não recuam.
Em agosto de 2004, Fonteles queria promover a subprocurador-geral da República
Eugênio Aragão, procurador que passara os últimos anos no exterior cursando
doutorado. Pelas regras da promoção, por merecimento, as chances do referido
procurador seriam ínfimas, pois os procuradores concorrentes permaneceram na
batente do serviço, enquanto que o preferido de Fonteles estudava na Alemanha.
Fonteles colocou a
promoção para votação às pressas porque, pouco tempo depois, os tuiuiús
ficariam em minoria no Conselho Superior, onde é realizada a votação. Membros
do Conselho que não faziam parte do grupo dos tuiuiús promoveram questão de
ordem, exigindo o cumprimento da lei.
Diante da embaraçosa
situação, Claudio Fonteles recuou, mas Antonio Fernando e Roberto Gurgel, não.
Depois de muita discussão, uma conselheira, que não fazia parte do grupo
tuiuiú, pediu vista do processo. Tal pedido acabava com a pretensão de promover
Eugênio Aragão, pois quando o processo voltasse a julgamento, os tuiuiús, que
na época tinham seis membros no Conselho (o colegiado tem 10 integrantes),
estariam em minoria, pois, logo em seguida, haveria (como de fato houve)
renovação na composição do Conselho e dois novos membros, não pertencentes ao
grupo tuiuiú, tomariam o lugar de dois tuiuiús.
Para possibilitar o
imediato “julgamento” do processo de promoção, Antonio Fernando e Roberto
Gurgel tiveram a “brilhante” ideia de submeter o pedido de vista à votação.
Isso mesmo. Violando flagrantemente o regimento interno do Conselho, que
permite vista em qualquer processo, eles alegaram que em processo de promoção
não é possível pedido de vista. Realizada a votação, por seis votos (exatamente
os seis tuiuiús) a quadro, decidiram que não caberia pedido de vista em
processo de promoção. Um absurdo.
Negado o pedido de
vista, o processo foi posto em votação e o preferido de Fonteles, Eugênio
Aragão, restou promovido. O escandaloso fato ocorreu na Sexta Sessão
Ordinária de 2004, do Conselho Superior do MPF.
Em novembro de 2005, a imprensa noticiou que Eugênio Aragão e o Departamento de Recuperação de
Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da
Justiça, na época, sob a tutela de Márcio Thomaz Bastos, o mesmo que depois se
tornou defensor do Carlinhos Cachoeira, influenciaram autoridades americanas
para não fornecerem à PF documentos relativos à movimentação financeira de Duda
Mendonça no exterior, investigado no inquérito do Mensalão.
O relatório que
informava a atuação de Eugênio Aragão atrapalhando as investigações da PF foi
assinado por quatro delegados e dois peritos. Instaurou-se o inquérito
administrativo nº 1.00.001.000116/2006-87 contra Eugênio, mas a comissão
concluiu que não havia provas para puni-lo. O relator do inquérito no Conselho
entendeu que havia provas, mas ocorreu a prescrição.
Eugênio Aragão
atualmente é corregedor-geral do MPF. Ele, como todo tuiuiú, ocupa poleiro alto
na cúpula da Instituição e é bastante afinado com o Governo. Ano passado, logo
após assumir como corregedor, deixou transparecer (exceção, pois os tuiuiús
costumam disfarçar muito bem) o afinamento com a situação. Por causa do
movimento em prol de aumento de salário, ele disse que juízes, policiais,
membros do Ministério Público e advogados públicos chantageiam o Estado.
Vejamos trecho da entrevista do referido tuiuiú:
“A Polícia Federal e o Ministério Público, o
Judiciário, os Auditores Fiscais. As carreiras que hoje têm poder de pressão
sobre o Estado e sobre suas instituições são as que mais são valorizadas.Ou seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos.
Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você
faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
Eugênio Aragão é um
tuiuiú que não sabe disfarçar como os outros sabem. Assim, pelo fato de ele não
saber disfarçar, não foi reeleito para o Conselho Superior do MPF. Coisa rara,
pois é muito difícil um tuiuiú perder uma eleição. Para se ter uma ideia, a
Constituição Federal não prevê eleição para escolha do procurador-geral da
República. Todavia, os “democráticos” tuiuiús inventaram uma eleição que
escolhe três nomes para “ajudar” o Presidente da República na nomeação do
procurador-geral. Até hoje, todos os que ficaram em primeiro lugar na lista de
votação foram nomeados procurador-geral. Um detalhe interessante é que só são eleitos
tuiuiús e o primeiro lugar da lista é sempre o procurador-geral que está no
cargo ou quem ele indique.
Embora Eugênio Aragão
tenha perdido a eleição para o Conselho no ano passado, ficou pouco tempo sem
cargo elevado na cúpula do MPF. Dois meses depois, foi nomeado
corregedor-geral. Os tuiuiús transformaram a cúpula do MPF em propriedade
particular. Quem não é tuiuiú ou simpatizante do grupo não tem vez. Eles ocupam
todas as funções da cúpula, bem como onde o MPF tem representação como no
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). A audácia é tão grande que até o filho do Antonio Fernando foi
assessor de uma conselheira do CNMP. Ou seja, o órgão Colegiado que tem a
missão de combater o nepotismo abrigava como assessor o filho do Presidente.
Aliás, a exemplo do
filho do Lula que parece ser um fenômeno nos negócios, o filho de Antonio
Fernando é um fenômeno no serviço público. Isso porque, quando terminou o
mandato do pai no CNMP, ele ocupou o cargo de assessor no Ministério Público do
Distrito Federal (MPDFT) e quem o nomeou foi o então procurador-geral, Leonardo
Bandarra, que hoje está afastado da função, acusado de corrupção. Mas o menino
prodígio não ficou por muito tempo no MPDFT, alçou voo e foi ser assessor na
Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, onde reina a tuiuiú Sandra Cureau,
vice-procuradora-geral Eleitoral. Se os tuiuiús continuarem no poder, esse
rapaz vai muito longe…
A “briguinha” entre
petistas e tuiuiús, que a imprensa tem divulgado ultimamente, tudo indica, é só
aparência. Na prática, a realidade é outra. Citarei alguns episódios, entre
muitos ocorridos, que evidenciam essa hipótese. Vários procuradores da
República pediram ao PGR, Roberto Gurgel, que arguisse a suspeição do ministro
Dias Toffoli. Apesar da notoriedade da suspeição (e até mesmo do impedimento),
Gurgel preferiu não arguir “para não atrasar o julgamento”. Ora, o MPF, além de
titular da ação penal, é fiscal da lei. Assim, tem o dever de agir de acordo
com a ordem jurídica.
Com efeito, o PGR jamais
deveria silenciar diante de hipóteses indicativas de parcialidade do julgador
(suspeição e impedimento são hipóteses legais que indicam parcialidade),
mormente em caso tão importante. A possibilidade de atraso no julgamento não
justifica o descumprimento da lei. Daí, como a norma prevê que determinadas
situações importam em comprometimento da imparcialidade do julgador, o fiscal
da lei não pode se omitir, ainda que sua atuação resulte em “atraso no
julgamento”. Atraso, aliás, que seria pequeno (no máximo alguns dias),
insignificante diante da dúvida eterna que pairará sobre a imparcialidade não
aferida pela Corte.
No final da “sustentação
oral” na Ação Penal do Mensalão, o PGR, Roberto Gurgel, pediu a expedição de
mandados de prisão, imediatamente após o julgamento. Ora, Gurgel, assim como
qualquer estudante de Direito, sabe que a Constituição Federal alberga o
princípio da presunção de inocência, isso quer dizer que o condenado só pode
ser preso, após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Apesar de
o STF ser a última instância do Judiciário, as suas decisões estão submetidas
ao mesmo princípio constitucional, ou seja, elas também devem passar pelo crivo
do trânsito em julgado para serem executadas.
Assim, o trânsito em
julgado não ocorre com o fim do julgamento, uma vez que depende da publicação
do acórdão e dá ausência de recurso (mesmo perante o STF, é cabível recurso
após qualquer julgamento). Dessa forma, caso houvesse, de fato, interesse na
prisão dos acusados, principalmente, a de José Dirceu, Gurgel justificaria o
pedido, fundamentando a pretensão no artigo 312 do Código de Processo Penal
(assegurar a aplicação da lei penal). Assinalo que não seria difícil justificar
essa hipótese.
Roberto Gurgel tão somente pediu a emissão de mandado de
prisão, sem sequer apresentar justificativa alguma. Agiu como o seu antecessor
(Antonio Fernando), que fez de tudo para nãopedir a
prisão de Marcos Valério, quando ele destruía provas. Depois, ao ofertar a
denúncia, sem justificativa alguma, pediu a prisão de todos os acusados,
sabedor de que jamais seria decretada, pois seria impossível realizar a
instrução processual com elevado número de acusados presos. Sabia que o STF
iria negar, como de fato negou. Ou seja, deixou de cumprir a lei, pois deveria
ter pedido a prisão de Valério no momento oportuno e ainda jogou para a galera,
requerendo decreto prisional em momento inoportuno, deixando a impressão de que
ele fez a sua parte, mas o STF não quis prender. É muita…
São incontáveis os casos que demonstram a extrema ousadia
dos tuiuiús para “justificarem” suas extravagantes atitudes. Vou contar mais um
caso que ocorreu recentemente. Roberto Gurgel engavetou o Inquérito policial
042/2008 (Operação Vegas) por quase três anos. Instado pela CPMI a justificar a
omissão, ele respondeu, por escrito, invocando os princípios da operação controlada (hipótese prevista
na Lei 9.034, art. 2o, inciso II, que permite
o retardo da atuação policial), ou seja, o engavetamento, na justificativa de
Gurgel, não foi omissão, mas sim “ação controlada”. Curioso é que somente ele e
a sua esposa, que é subprocuradora-geral da República e o auxilia nos casos
mais importantes, sabiam da “operação controlada”. O STF não sabia, a Polícia
Federal não sabia, os procuradores da República que atuam na primeira instância
e o juiz federal também não sabiam. Só o casal sabia da “operação controlada”.
Incrível é que Gurgel ainda teve a coragem de dizer que,
graças à sua “estratégia” (de engavetar o inquérito), o esquema criminoso de
Cachoeira foi desvendado. Veja-se o que ele disse no ofício encaminhado ao
presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo: “Se assim não tivesse agido a
Procuradoria Geral da República, não se teria desvendado o grande esquema
criminoso protagonizado por Carlos Cachoeira.” Ora,
a operação que resultou na prisão de Cachoeira ocorreu em outra investigação
(Operação Monte Carlo – inquérito policial 089/2011), instaurada porque Gurgel
engavetou a primeira investigação (Operação Vegas – inquérito policial
042/2008). A título de informação, não acredito que o engavetamento da
investigação foi para favorecer o ex-senador Demóstenes Torres. A intenção, com
certeza, foi outra…
Peço desculpas pela
extensão do texto, mas o assunto é muito importante para ser tratado em poucas
linhas. Enfatizo que escrevi o mínimo, pois as barbaridades praticadas pelos
tuiuiús são inúmeras. Eles sabem dissimular muito bem. Comportam-se como se
fossem serenos, equilibrados, justos. Na verdade, praticam verdadeiras
atrocidades, seja perseguindo, seja favorecendo. Eles são extremamente ousados,
basta ver que Gurgel engavetou a Operação Vegas por longo tempo e ainda teve a
ousadia de dizer que se tratava de “operação controlada” e, graças à sua
“estratégia”, o esquema de Cachoeira foi desvendado. O mesmo eles estão fazendo
com o Mensalão. Deixaram Lula fora da acusação e fizeram de tudo para não
produzir provas; porém, caso o STF condene mesmo sem provas, eles cantarão
vitória e dirão que a condenação ocorreu graças ao trabalho deles. Contudo, se
o STF mantiver a sua jurisprudência e absolver, os tuiuiús dirão que a culpa é
do Supremo que não pune.
Concluo este artigo
dizendo que não inventei nada (tenho prova de tudo que afirmo). Inclusive,
ofertei representação contra o ex-PGR Antonio Fernando, pelo fato de ele não
ter incluído Lula na denúncia, apesar da abundância de provas contra o
ex-Presidente da República. Os tuiuiús arquivaram a minha representação sob
pífios argumentos. Posteriormente, em abril de 2011, representei ao PGR,
Roberto Gurgel, contra o ex-Presidente Lula. Curioso é que, em determinados
casos, Gurgel age rápido. Por exemplo, ele recebeu uma representação contra um procurador
que é odiado pelos tuiuiús. Imediatamente ele despachou, designando um
procurador para tomar as medidas criminais contra o procurador perseguido.
No caso da representação
que fiz contra Lula, Gurgel engavetou por um ano e dois meses. Depois de eu
muito insistir sobre o andamento da representação, ele me enviou ofício,
informando que a arquivou porque os fatos que imputo a Lula estão sendo
apurados no inquérito 2.474, em trâmite no STF. Esse inquérito, que tem
pertinência com o esquema do mensalão, tramita no Supremo desde março de 2007.
*Procurador
da República, autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da
República. www.manoelpastana.com.br
Mensalão: o que poucos sabem,
e o Brasil deveria saber
“O que fez Antonio Fernando não
sofrer nenhuma represália pela denúncia do mensalão foi ter deixado Lula fora
do rol acusatório”
Manoel Pastana*
“Juízes, Polícia, Ministério Público,
advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos.
E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
(Trecho de entrevista do
Corregedor-Geral do MPF, Eugênio Aragão, falando sobre “chantagem” para aumento
de salário)
Vive-se um momento
histórico com o julgamento do mensalão. Isso todo mundo sabe. O que quase
ninguém sabe é que as provas são escassas. Contra José Dirceu, apontado como o
líder do esquema criminoso, não existem provas, apenas indícios e meras
conjecturas. Por meio deste artigo, mostrarei, entre outras coisas – como a
explicação para a declaração transcrita acima – a razão da carência de provas
no processo mensalão.
Por que o então procurador-geral da República (PGR),
Antonio Fernando, autor da denúncia do mensalão, NÃO foi sequer criticado por petista algum
do alto escalão, apesar de ter imputado ao PT a tentativa de perpetuação no
poder, por meio de “sofisticada organização criminosa? Além disso, ele “acusou”
de chefe da organização José Dirceu, um dos expoentes do partido situacionista
e amigo pessoal de Lula. Antonio Fernando não sofreu crítica e ainda foi
reconduzido no cargo pelo ex-Presidente Lula. Será que Lula e os caciques
petistas nada fizeram contra Antonio Fernando porque compreenderam que ele
apenas cumpriu o seu dever legal? Quem acredita nessa hipótese, provavelmente
também acredita em Papai Noel, Saci Pererê, Mula sem cabeça, duendes…
Peço escusas pela
ironia, mas é que a situação é muito séria e procuro amenizar para facilitar a
leitura. Assinalo que eu não seria irresponsável de escrever sem conhecimento
de causa, pois tenho um nome e um cargo a zelar (sou procurador da República e
estou na ativa). Há 31 anos encontro-me no serviço público, ocupei diversos
cargos, todos conquistados por concurso. Aliás, só na área jurídica, passei em
seis concursos, sendo três em primeiro lugar.
As evidências mostram que a imputação de Antonio Fernando
na denúncia do mensalão NÃO é inverídica.
Caso fosse, certamente ele teria sofrido terríveis ataques e jamais seria
reconduzido. Mas não foi pelo fato de a imputação ser verídica que nada fizeram
contra ele, pois eu fiz acusação verídica contra um integrante do PT, que
resultou na primeira cassação do mandato de um parlamentar federal do referido
partido, fato ocorrido no início do governo Lula, e minha vida virou um
inferno. Sofri covarde e doentia perseguição dentro e fora do Ministério
Público Federal (MPF).
No meu entendimento, o
que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália foi ter deixado Lula
fora do rol acusatório, apesar de ele ter assinado atos normativos e
documentos, escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso.
Entre os vários fatos
praticados por Lula que beneficiaram o esquema criminoso, consta o envio, em
2004, de mais de 10 milhões de cartas (assinadas por Lula) a aposentados,
incentivando-os a tomar empréstimos consignados em folha de pagamento, que
proporcionaram lucros fantásticos ao banco BMG que, segundo a denúncia, foi uma
das instituições financeiras que participou da “sofisticada organização
criminosa”. Só para se ter uma ideia, o referido banco, com apenas dez agências
e em curto espaço de tempo, fez milhares de empréstimos a aposentados,
faturando quantia superior a três bilhões de reais, ganhando da Caixa Econômica
Federal, com suas mais de duas mil agências. Na formalização do convênio que
beneficiou o BMG, passaram por cima de tudo. Inclusive, exoneraram uma
servidora do INSS que se recusou a publicar o fraudulento convênio celebrado em
tempo recorde.
A ausência de Lula na
peça acusatória enfraqueceu demasiadamente a denúncia, pois o que também
deveria ser atribuído a ele foi imputado exclusivamente a José Dirceu. Ocorre
que este, ao contrário de Lula, não assinou documento algum, sequer um bilhete.
Assim, não há nenhuma prova no processo que aponte a participação do ex-chefe
da Casa Civil. O que há são frágeis indícios e meras conjecturas, de forma que
o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que mudar totalmente a sua jurisprudência
para poder alcançá-lo. É por isso que a defesa insiste tanto que o julgamento
seja técnico, pois juridicamente é quase impossível condená-lo. Faltam provas.
Para condenar José
Dirceu, alegou-se a aplicação da teoria do domínio do fato, que é adotada pela
maioria dos países democráticos. Ocorre que a aplicação dessa teoria não
dispensa a produção de provas; caso contrário, estar-se-ia orbitando na seara
da responsabilidade penal objetiva, que é repelida pelo ordenamento jurídico
dos países democráticos, incluindo o Brasil.
Antonio Fernando, além
de deixar o ex-Presidente da República fora da acusação, inviabilizou a
produção de provas efetivas (e não meras conjecturas), aptas a comprovar a
existência da “sofisticada organização criminosa”. Vou indicar alguns itens
(são muitos) que apontam nessa direção:
1) Marcos Valério
destruiu provas (queimou notas fiscais), 19 membros da CPMI (tinha 20 membros)
solicitaram a Antonio Fernando que pedisse a prisão dele. Antonio Fernando não
o fez, alegando que não havia elementos e nem necessidade da prisão. Nos meus 16
anos de atuação no MPF na área criminal, nunca vi um investigado que tenha dado
tanto motivo para ser preso e não foi.
2) – A esposa de Valério
foi flagrada tentando sacar milionária quantia junto a um banco em Belo
Horizonte. Desesperado, o “operador do mensalão” procurou Antonio Fernando e se
colocou à disposição para colaborar nas investigações, objetivando os
benefícios da delação premiada (estava com muito medo de ser preso, juntamente
com a esposa). Antonio Fernando recusou a colaboração de Valério, alegando que
a delação seria “prematura e inoportuna”. Tudo indica que ele não queria que
Valério falasse. A título de informação, a queda do ex-governador do DF (José
Arruda) somente foi possível graças à colaboração de Durval Barbosa (operador
do mensalão do DEM) que, beneficiado pela delação premiada, entregou provas que
derrubaram o ex-governador. Se não fosse isso, Arruda jamais teria caído.
3) – Sílvio Pereira,
ex-secretário-geral do PT, em entrevista a um jornal de grande circulação,
disse que Marcos Valério lhe afirmara que, se ele (Valério) falasse o que
sabia, derrubaria a República. Em vez de Antonio Fernando propor delação
premiada ao ex-secretário, cujo nome é repetido na denúncia 50 vezes, propôs a
ele suspensão do processo em troca de prestação de serviço à comunidade o que,
obviamente, foi prontamente aceito e Sílvio Pereira ficou fora do processo, não
tendo que prestar depoimento. Para um bom entendedor…
4 – Para sepultar de vez
a possibilidade de produzir provas efetivas que demonstrassem juridicamente a
existência da “sofisticada organização criminosa”, Antonio Fernando, em vez de
arrolar Roberto Jefferson como testemunha, uma vez que foi quem levou a público
o esquema criminoso, ou então propusesse a ele a delação premiada, preferiu
apenas acusá-lo. Assim, na condição de réu, sua palavra tem pouco valor para
incriminar José Dirceu.
5 – Curiosamente, nas alegações finais, o atual PGR,
Roberto Gurgel, por diversas vezes, utiliza os depoimentos de Jefferson “como
prova” do envolvimento de José Dirceu. Por exemplo, à fl. 44, item 72, das
alegações finais apresentadas por Gurgel, ele transcreve trecho do depoimento
de Jefferson, no qual este afirma que, em 2005, Dirceu teria lhe dito que, juntamente com Lula,
recebeu um grupo da Portugal Telecom para tratar do adiantamento de oito
milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB. Veja-se trecho da
declaração de Jefferson transcrito nas alegações finais por Gurgel:
“QUE
em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de janeiro de
2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um
grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito Santo que estariam em negociações
com o Governo brasileiro (…)” Grifei.
6 – Ora, se esse
depoimento de Jefferson é verdadeiro e pode ser utilizado como prova, conforme
entende o PGR, considerando que Lula participou da reunião, por que ele não foi
acusado? A presença de Lula na trama para angariar recursos com a Portugal TELECOM
era meramente figurativa, uma espécie de boneco ambulante, totalmente
manipulado e dominado por José Dirceu, por isso o ex-Presidente da República
não fora acusado? Ainda que essa hipótese fosse verdadeira, pelo artigo 29 do
Código Penal, Lula deveria figurar no rol dos acusados.
O ex-PGR Antonio
Fernando, assim como o atual, Roberto Gurgel, pertencem ao grupo tuiuiú. Tuiuiú
é uma ave do Pantanal que tem dificuldade para alçar voo. É assim que se
consideravam alguns procuradores na época do ex-PGR Geraldo Brindeiro e, por
isso, eles mesmos se denominaram de tuiuiú. Os tuiuiús são extremamente
afinados com o PT. O grupo chegou ao poder com Claudio Fonteles, primeiro PGR
nomeado por Lula. Fonteles foi ferrenho defensor de Lula (e do PT). Perseguiu
impiedosamente procuradores que de alguma forma tentaram investigar/processar
(de verdade e não por faz de conta) integrantes do Partido do governo. Por
exemplo, um pouco antes de vir a público o escândalo do mensalão, um procurador
tentou obter de Carlinhos Cachoeira um vídeo que poderia alcançar Dirceu, então
chefe da Casa Civil. Cachoeira gravou o procurador e o caso foi a público.
O procurador sofreu
terrível perseguição dos tuiuiús, sob a alegação de que não poderia ter ouvido
Cachoeira à noite. Depois de escapar da estapafúrdia acusação, o procurador
pediu exoneração do MPF, faltando pouco tempo para a aposentadoria. Foram
vários procuradores que sofreram perseguição. Por outro lado, outros foram
favorecidos. Por exemplo, um procurador, que costumava ocupar espaço na mídia
acusando integrantes do governo FHC, solicitou “ajuda financeira” a diversas
empresas. Para tanto, utilizou uma estagiária da Procuradoria que enviava
ofícios às empresas beneficiadas com o trabalho institucional do MPF. O
procurador em questão chegou a receber dinheiro de Daniel Dantas. Tudo foi
devidamente comprovado, mas ele nunca foi responsabilizado.
Fonteles, sem nenhum
amparo legal, por meio da portaria “reservada” nº 628, de 20 de outubro de
2004, criou um disfarçado serviço de inteligência no MPF; concedeu função
gratificada a pessoas sem vínculo com a Administração Pública. Por exemplo,
para que um garçom cursasse faculdade, Fonteles deu a ele uma função
gratificada, à revelia da lei. Apesar de Claudio Fonteles ter agido como um
soberano, ignorando as restrições legais, algumas vezes ele recuava. Por
exemplo, os tuiuiús queriam mandar embora um procurador novato que caiu na
antipatia deles. Na votação no Conselho Superior do MPF, Fonteles, como
presidente do Colegiado, chegou a votar duas vezes para destruir a carreira do
procurador, mas desistiu, pressionado por conselheiros que apontavam a
flagrante violação à lei.
Os sucessores, Antonio
Fernando e Roberto Gurgel, são mais ousados do que Fonteles. Eles não recuam.
Em agosto de 2004, Fonteles queria promover a subprocurador-geral da República
Eugênio Aragão, procurador que passara os últimos anos no exterior cursando
doutorado. Pelas regras da promoção, por merecimento, as chances do referido
procurador seriam ínfimas, pois os procuradores concorrentes permaneceram na
batente do serviço, enquanto que o preferido de Fonteles estudava na Alemanha.
Fonteles colocou a
promoção para votação às pressas porque, pouco tempo depois, os tuiuiús
ficariam em minoria no Conselho Superior, onde é realizada a votação. Membros
do Conselho que não faziam parte do grupo dos tuiuiús promoveram questão de
ordem, exigindo o cumprimento da lei.
Diante da embaraçosa
situação, Claudio Fonteles recuou, mas Antonio Fernando e Roberto Gurgel, não.
Depois de muita discussão, uma conselheira, que não fazia parte do grupo
tuiuiú, pediu vista do processo. Tal pedido acabava com a pretensão de promover
Eugênio Aragão, pois quando o processo voltasse a julgamento, os tuiuiús, que
na época tinham seis membros no Conselho (o colegiado tem 10 integrantes),
estariam em minoria, pois, logo em seguida, haveria (como de fato houve)
renovação na composição do Conselho e dois novos membros, não pertencentes ao
grupo tuiuiú, tomariam o lugar de dois tuiuiús.
Para possibilitar o
imediato “julgamento” do processo de promoção, Antonio Fernando e Roberto
Gurgel tiveram a “brilhante” ideia de submeter o pedido de vista à votação.
Isso mesmo. Violando flagrantemente o regimento interno do Conselho, que
permite vista em qualquer processo, eles alegaram que em processo de promoção
não é possível pedido de vista. Realizada a votação, por seis votos (exatamente
os seis tuiuiús) a quadro, decidiram que não caberia pedido de vista em
processo de promoção. Um absurdo.
Negado o pedido de
vista, o processo foi posto em votação e o preferido de Fonteles, Eugênio
Aragão, restou promovido. O escandaloso fato ocorreu na Sexta Sessão
Ordinária de 2004, do Conselho Superior do MPF.
Em novembro de 2005, a imprensa noticiou que Eugênio Aragão e o Departamento de Recuperação de
Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da
Justiça, na época, sob a tutela de Márcio Thomaz Bastos, o mesmo que depois se
tornou defensor do Carlinhos Cachoeira, influenciaram autoridades americanas
para não fornecerem à PF documentos relativos à movimentação financeira de Duda
Mendonça no exterior, investigado no inquérito do Mensalão.
O relatório que
informava a atuação de Eugênio Aragão atrapalhando as investigações da PF foi
assinado por quatro delegados e dois peritos. Instaurou-se o inquérito
administrativo nº 1.00.001.000116/2006-87 contra Eugênio, mas a comissão
concluiu que não havia provas para puni-lo. O relator do inquérito no Conselho
entendeu que havia provas, mas ocorreu a prescrição.
Eugênio Aragão
atualmente é corregedor-geral do MPF. Ele, como todo tuiuiú, ocupa poleiro alto
na cúpula da Instituição e é bastante afinado com o Governo. Ano passado, logo
após assumir como corregedor, deixou transparecer (exceção, pois os tuiuiús
costumam disfarçar muito bem) o afinamento com a situação. Por causa do
movimento em prol de aumento de salário, ele disse que juízes, policiais,
membros do Ministério Público e advogados públicos chantageiam o Estado.
Vejamos trecho da entrevista do referido tuiuiú:
“A Polícia Federal e o Ministério Público, o
Judiciário, os Auditores Fiscais. As carreiras que hoje têm poder de pressão
sobre o Estado e sobre suas instituições são as que mais são valorizadas.Ou seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos.
Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você
faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
Eugênio Aragão é um
tuiuiú que não sabe disfarçar como os outros sabem. Assim, pelo fato de ele não
saber disfarçar, não foi reeleito para o Conselho Superior do MPF. Coisa rara,
pois é muito difícil um tuiuiú perder uma eleição. Para se ter uma ideia, a
Constituição Federal não prevê eleição para escolha do procurador-geral da
República. Todavia, os “democráticos” tuiuiús inventaram uma eleição que
escolhe três nomes para “ajudar” o Presidente da República na nomeação do
procurador-geral. Até hoje, todos os que ficaram em primeiro lugar na lista de
votação foram nomeados procurador-geral. Um detalhe interessante é que só são eleitos
tuiuiús e o primeiro lugar da lista é sempre o procurador-geral que está no
cargo ou quem ele indique.
Embora Eugênio Aragão
tenha perdido a eleição para o Conselho no ano passado, ficou pouco tempo sem
cargo elevado na cúpula do MPF. Dois meses depois, foi nomeado
corregedor-geral. Os tuiuiús transformaram a cúpula do MPF em propriedade
particular. Quem não é tuiuiú ou simpatizante do grupo não tem vez. Eles ocupam
todas as funções da cúpula, bem como onde o MPF tem representação como no
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). A audácia é tão grande que até o filho do Antonio Fernando foi
assessor de uma conselheira do CNMP. Ou seja, o órgão Colegiado que tem a
missão de combater o nepotismo abrigava como assessor o filho do Presidente.
Aliás, a exemplo do
filho do Lula que parece ser um fenômeno nos negócios, o filho de Antonio
Fernando é um fenômeno no serviço público. Isso porque, quando terminou o
mandato do pai no CNMP, ele ocupou o cargo de assessor no Ministério Público do
Distrito Federal (MPDFT) e quem o nomeou foi o então procurador-geral, Leonardo
Bandarra, que hoje está afastado da função, acusado de corrupção. Mas o menino
prodígio não ficou por muito tempo no MPDFT, alçou voo e foi ser assessor na
Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, onde reina a tuiuiú Sandra Cureau,
vice-procuradora-geral Eleitoral. Se os tuiuiús continuarem no poder, esse
rapaz vai muito longe…
A “briguinha” entre
petistas e tuiuiús, que a imprensa tem divulgado ultimamente, tudo indica, é só
aparência. Na prática, a realidade é outra. Citarei alguns episódios, entre
muitos ocorridos, que evidenciam essa hipótese. Vários procuradores da
República pediram ao PGR, Roberto Gurgel, que arguisse a suspeição do ministro
Dias Toffoli. Apesar da notoriedade da suspeição (e até mesmo do impedimento),
Gurgel preferiu não arguir “para não atrasar o julgamento”. Ora, o MPF, além de
titular da ação penal, é fiscal da lei. Assim, tem o dever de agir de acordo
com a ordem jurídica.
Com efeito, o PGR jamais
deveria silenciar diante de hipóteses indicativas de parcialidade do julgador
(suspeição e impedimento são hipóteses legais que indicam parcialidade),
mormente em caso tão importante. A possibilidade de atraso no julgamento não
justifica o descumprimento da lei. Daí, como a norma prevê que determinadas
situações importam em comprometimento da imparcialidade do julgador, o fiscal
da lei não pode se omitir, ainda que sua atuação resulte em “atraso no
julgamento”. Atraso, aliás, que seria pequeno (no máximo alguns dias),
insignificante diante da dúvida eterna que pairará sobre a imparcialidade não
aferida pela Corte.
No final da “sustentação
oral” na Ação Penal do Mensalão, o PGR, Roberto Gurgel, pediu a expedição de
mandados de prisão, imediatamente após o julgamento. Ora, Gurgel, assim como
qualquer estudante de Direito, sabe que a Constituição Federal alberga o
princípio da presunção de inocência, isso quer dizer que o condenado só pode
ser preso, após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Apesar de
o STF ser a última instância do Judiciário, as suas decisões estão submetidas
ao mesmo princípio constitucional, ou seja, elas também devem passar pelo crivo
do trânsito em julgado para serem executadas.
Assim, o trânsito em
julgado não ocorre com o fim do julgamento, uma vez que depende da publicação
do acórdão e dá ausência de recurso (mesmo perante o STF, é cabível recurso
após qualquer julgamento). Dessa forma, caso houvesse, de fato, interesse na
prisão dos acusados, principalmente, a de José Dirceu, Gurgel justificaria o
pedido, fundamentando a pretensão no artigo 312 do Código de Processo Penal
(assegurar a aplicação da lei penal). Assinalo que não seria difícil justificar
essa hipótese.
Roberto Gurgel tão somente pediu a emissão de mandado de
prisão, sem sequer apresentar justificativa alguma. Agiu como o seu antecessor
(Antonio Fernando), que fez de tudo para nãopedir a
prisão de Marcos Valério, quando ele destruía provas. Depois, ao ofertar a
denúncia, sem justificativa alguma, pediu a prisão de todos os acusados,
sabedor de que jamais seria decretada, pois seria impossível realizar a
instrução processual com elevado número de acusados presos. Sabia que o STF
iria negar, como de fato negou. Ou seja, deixou de cumprir a lei, pois deveria
ter pedido a prisão de Valério no momento oportuno e ainda jogou para a galera,
requerendo decreto prisional em momento inoportuno, deixando a impressão de que
ele fez a sua parte, mas o STF não quis prender. É muita…
São incontáveis os casos que demonstram a extrema ousadia
dos tuiuiús para “justificarem” suas extravagantes atitudes. Vou contar mais um
caso que ocorreu recentemente. Roberto Gurgel engavetou o Inquérito policial
042/2008 (Operação Vegas) por quase três anos. Instado pela CPMI a justificar a
omissão, ele respondeu, por escrito, invocando os princípios da operação controlada (hipótese prevista
na Lei 9.034, art. 2o, inciso II, que permite
o retardo da atuação policial), ou seja, o engavetamento, na justificativa de
Gurgel, não foi omissão, mas sim “ação controlada”. Curioso é que somente ele e
a sua esposa, que é subprocuradora-geral da República e o auxilia nos casos
mais importantes, sabiam da “operação controlada”. O STF não sabia, a Polícia
Federal não sabia, os procuradores da República que atuam na primeira instância
e o juiz federal também não sabiam. Só o casal sabia da “operação controlada”.
Incrível é que Gurgel ainda teve a coragem de dizer que,
graças à sua “estratégia” (de engavetar o inquérito), o esquema criminoso de
Cachoeira foi desvendado. Veja-se o que ele disse no ofício encaminhado ao
presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo: “Se assim não tivesse agido a
Procuradoria Geral da República, não se teria desvendado o grande esquema
criminoso protagonizado por Carlos Cachoeira.” Ora,
a operação que resultou na prisão de Cachoeira ocorreu em outra investigação
(Operação Monte Carlo – inquérito policial 089/2011), instaurada porque Gurgel
engavetou a primeira investigação (Operação Vegas – inquérito policial
042/2008). A título de informação, não acredito que o engavetamento da
investigação foi para favorecer o ex-senador Demóstenes Torres. A intenção, com
certeza, foi outra…
Peço desculpas pela
extensão do texto, mas o assunto é muito importante para ser tratado em poucas
linhas. Enfatizo que escrevi o mínimo, pois as barbaridades praticadas pelos
tuiuiús são inúmeras. Eles sabem dissimular muito bem. Comportam-se como se
fossem serenos, equilibrados, justos. Na verdade, praticam verdadeiras
atrocidades, seja perseguindo, seja favorecendo. Eles são extremamente ousados,
basta ver que Gurgel engavetou a Operação Vegas por longo tempo e ainda teve a
ousadia de dizer que se tratava de “operação controlada” e, graças à sua
“estratégia”, o esquema de Cachoeira foi desvendado. O mesmo eles estão fazendo
com o Mensalão. Deixaram Lula fora da acusação e fizeram de tudo para não
produzir provas; porém, caso o STF condene mesmo sem provas, eles cantarão
vitória e dirão que a condenação ocorreu graças ao trabalho deles. Contudo, se
o STF mantiver a sua jurisprudência e absolver, os tuiuiús dirão que a culpa é
do Supremo que não pune.
Concluo este artigo
dizendo que não inventei nada (tenho prova de tudo que afirmo). Inclusive,
ofertei representação contra o ex-PGR Antonio Fernando, pelo fato de ele não
ter incluído Lula na denúncia, apesar da abundância de provas contra o
ex-Presidente da República. Os tuiuiús arquivaram a minha representação sob
pífios argumentos. Posteriormente, em abril de 2011, representei ao PGR,
Roberto Gurgel, contra o ex-Presidente Lula. Curioso é que, em determinados
casos, Gurgel age rápido. Por exemplo, ele recebeu uma representação contra um procurador
que é odiado pelos tuiuiús. Imediatamente ele despachou, designando um
procurador para tomar as medidas criminais contra o procurador perseguido.
No caso da representação
que fiz contra Lula, Gurgel engavetou por um ano e dois meses. Depois de eu
muito insistir sobre o andamento da representação, ele me enviou ofício,
informando que a arquivou porque os fatos que imputo a Lula estão sendo
apurados no inquérito 2.474, em trâmite no STF. Esse inquérito, que tem
pertinência com o esquema do mensalão, tramita no Supremo desde março de 2007.
*Procurador
da República, autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da
República. www.manoelpastana.com.br
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