RESPEITÁVEL PÚBLICO (QUE NÃO É IDIOTA)


O jornal Folha de São Paulo, de 14/08/2012, publicou o artigo abaixo, de dupla autoria, de advogados envolvidos nas defesas do MENSALÃO. A princípio, fiquei indignado com os termos do texto, mas, depois, restou-me o riso, pois passei a compreender a armadilha que ambos os escritores criaram para si próprios. Ao tentar correlacionar a denúncia da PGR com o fato hitleriano, acabaram por fazer o retrato da atuação deles próprios, e dos demais advogados, na defesa dos acusados. Afinal, o quê foi possível ouvir nesses dias de defesas junto ao STF, foi a mesmice dos tic-tac-tic-tac (como se fosse o som de máquinas de escrever antigas) de termos repetitivos, de choros crocodilianos e de teses, estas sim, criminosas, já que para fugir da acusação indefensável, defendiam o caixa-dois eleitoral, por alternativa de diminuir o impacto acusatório, como se isto não fosse crime.
Enfim, está aí, embaixo, o texto.
Ri-se tu também com a desfaçatez exposta.
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ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E PEDRO IVO VELLOSO CORDEIRO
Respeitável público
O acusador se regozija se não há provas. Assim, tem mais espaço para criar um enredo, dando vazão à sua frustração por não ser artista de sucesso
"As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais"
Fernando Pessoa

No premiado documentário "Arquitetura da Destruição", Peter Cohen defende que o nazismo só foi palatável para a população por ter sido apresentado como um projeto de embelezamento do mundo. Retratando Hitler como artista frustrado, Cohen argumenta que o intento destrutivo do nazismo se fundou em uma poderosa estética, impulsionada por uma eficiente propaganda.
Não se quer aqui taxar ninguém de nazista ou comparar alguém a Hitler. Busca-se mostrar, pelo exemplo extremo, o poder destrutivo da estética.
Ultimamente, tem se visto que algumas acusações, na boca de delatores ou formalizadas em denúncia, procuram sofisticar a sua narrativa e emprestar-lhe uma organização e beleza fora do comum. As acusações são recheadas de adjetivos. O fato tido como criminoso é guarnecido de uma série de estruturas, núcleos e funções, em um desenho perfeito.
Para esse acusador, o regozijo é maior quando não há provas, pois assim ele terá grande espaço para o seu design. Terá liberdade para conceber e desenhar o que considera a parte oculta do iceberg. Nessa parte oculta, dá vazão a todo o seu projeto de embelezamento ou frustração por não ser um artista de sucesso.
O "mensalão" é o maior exemplo dessa nova modalidade de design. A acusação não se limitou ao que há de efetivamente tangível no caso: operações financeiras entre partidos políticos e instituições financeiras. O toque estético foi dado por um pretenso delator, que, não por coincidência, é um cantor frustrado.
Do que havia de concreto, erigiu-se um enredo belo e palatável para o público, embora falso, criado: o pagamento sistemático, organizado e mensal para parlamentares. O melhor propagandista e marqueteiro não escolheria nome melhor e mais ao gosto da população: "mensalão".
Já do acusador público esperava-se sobriedade. Afinal, ele estava lidando com um fato envolto em uma disputa política, destinada a desmoralizar um partido, como reconheceu recentemente o próprio delator.
O que se viu foi justamente o contrário. O acusador público tomou gosto pela arte do escândalo e sofisticou a estética da acusação, qualificando-a como "sofisticada organização criminosa", "profissionalmente estruturada" em "núcleos". Expressões como "engrenagem criminosa", "organograma delituoso", "engenharia criminosa" conferiram ar monumental à acusação.
O "grand finale" veio com as alegações finais, um memorial e uma sustentação oral proferidas já por outro acusador público. O ponto em comum dessas manifestações foi o gosto pela adjetivação. O edifício artístico passou a ter uma pomposa qualificação: o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção do Brasil".
Poucos não reconheceriam que estética e marketing foram fundamentais para o sucesso do projeto político destrutivo do pretenso delator. O que poucos têm ressaltado é que também os acusadores públicos buscaram empregar uma bela arquitetura e um cativante enredo para o sucesso de público de sua tese.
O STF fará um julgamento técnico, não estético. Pensando no público, o acusador deve ter linguagem sóbria, clara, comedida e prosaica. Os fatos da vida merecem ser retratados com a mais sofisticada estética. Todavia, quando se pede a condenação de pessoas, não deve haver espaço para a estética, sob pena de se tornar o processo um jogo cruel.
Caro leitor, caso você se depare com uma acusação muito organizada, bela e sofisticada, suspeite! Você pode estar lidando com um artista frustrado ou um acusador arquitetando a destruição de alguém.


ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, 54, e PEDRO IVO VELLOSO CORDEIRO, 28, são advogados criminais e defendem Duda Mendonça e Zilmar Fernandes na ação penal 470


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