Ampliando
os conhecimentos sobre os malefícios do açúcar, trago a entrevista abaixo,
extraída da mente de um historiador que passou a pesquisar sobre o produto a
partir de ter adquirido diabetes. A correlação entre a história do açúcar e as
implicações dele sobre doenças atuais, então, originou este diálogo
interessante, abaixo.
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A mancha negra do açúcar.
Entrevista
especial com Fernando Carvalho
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Autor
de O livro
negro do açúcar, o historiador Fernando Carvalho começou a
pesquisar o tema há dez anos quando descobriu que tinha diabetes. Desde então,
vem percebendo como o açúcar é encarado na sociedade e qual a verdadeira face
dessa substância. “Para mim, o açúcar responde pela atual era de doenças
crônicas porque ele agride o organismo de diversas formas sistêmicas: ao fazer
funcionar irregularmente a produção de insulina, agride o metabolismo que é o
processo de construção e manutenção do nosso corpo. Levando isso em
consideração, fazer uso de uma ração açucarada é o mesmo que tentar construir
um edifício com cimento adulterado”, explicou ele durante a entrevista que
concedeu por e-mail à IHU On-Line.
Fernando Carvalho é
graduado em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Integrou
o conselho editorial da revista
Presença e, como cartunista amador, publicou alguns trabalhos
no Pasquim. O livro
negro do açúcar foi escrito em 2009 e está disponível em PDF na
internet. Em 2011, a obra foi reeditada sob o título Açúcar: o
perigo doce (São Paulo: Ed. Alaúde, 2011).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Você afirma no livro que o açúcar mata. De que maneira a cultura
do açúcar leva à morte?
Fernando Carvalho – A cultura do açúcar não leva apenas à morte: ela também
vicia, escraviza, mutila e polui. Os cortadores de cana formam um grupo de risco no que diz
respeito ao consumo de crack, por exemplo, porque este é um trabalho tão
desumano que só mesmo à base desta droga é que se consegue aguentá-lo. O
Brasil, apesar de ter abolido a escravidão, em 1888, recentemente deu notícias
da existência de formas de trabalho escravo, que estava concentrado principalmente
neste setor. O governo federal teve que criar uma força-tarefa para coibir esse
tipo de prática.
Mudando de crack para açúcar, na Universidade de Princeton, Estados Unidos,
trabalha um pesquisador chamado Bart
Hoebel [1]. Ele demonstra que o açúcar vicia pelos mesmos
mecanismos da cocaína. Os resultados das pesquisas do Dr. Hoebel já foram publicados
nos livros médicos oficiais de neurologia.
Além disso, aqui no Rio de Janeiro, o Hospital da Lagoa possui uma importante unidade de tratamento
de diabéticos. O açúcar provoca a mutilação, todos os anos, segundo este
hospital, de cerca de dois mil diabéticos. É a nossa legião de mutilados
do açúcar. Ele também provoca a mutilação dentária. No Brasil, em média, um
jovem de 18 anos tem 18% de seus dentes cariados e 7% extraídos. Entre os
adultos de 44 a 53 anos, o número de cáries diminui para 7%, mas não é porque
os mais velhos comem menos açúcar. A razão é mais tétrica: eles já não possuem
48% dos dentes. E 50% do grupo com idade entre 50 e 59 anos são totalmente
desdentados. No cômputo geral, mais de 30 milhões de brasileiros não têm dente
algum na boca para contar essa triste história.
A perda dos dentes provocada por periodontites deve-se à colonização da boca
por bactérias que se alimentam de açúcar e cujo habitat é o ambiente ácido que
elas mesmas criam usando o açúcar como substrato. Recentemente, descobriu-se
que bactérias da placa bucal através das gengivas, durante a mastigação,
alcançam a corrente sanguínea e vão se alojar no coração causando endocardite
bacteriana, doença do coração que mata. O diabete, doença sistêmica que
compromete todo o sistema vascular, dos capilares aos grandes vasos
coronarianos, faz com que 80% dos doentes sejam propensos a morrer de doenças
cardiovasculares, e 50% dos homens e 30% das mulheres tenham mais chances de
serem vítimas de morte súbita.
O risco de insuficiência cardíaca é duas a três vezes maior entre diabéticos, e
derrames são duas vezes mais frequentes em diabéticos hipertensos. Estima-se
que em 2025 o mundo terá 300 milhões de diabéticos. As mortes totais por
doenças causadas, primária ou secundariamente, pelo consumo da ração açucarada
moderna, tais quais as doenças derivadas dos danos ao metabolismo, à inflamação
generalizada crônica, à depressão do sistema imunológico, constituem um
verdadeiro holocausto, o holocausto sacarino. Apesar de terrível, ele tem um
aspecto surrealista: é um holocausto que se desenvolve sob os nossos olhos
e – o pior de
tudo – suas vítimas
“lambem os beiços” enquanto são sacrificadas.
IHU On-Line – Quando se interessou em pesquisar esse tema?
Fernando Carvalho – Há aproximadamente dez anos descobri que estava
com diabetes. Aconteceu comigo aquele conjunto de sintomas que denunciam o
esgotamento do pâncreas: poliúria [sintoma que corresponde ao aumento do volume
urinário], polidipsia [sensação de sede em demasia], polifagia [significa fome
excessiva e ingestão alta de sólidos pela boca]. Se existia um assunto
completamente estranho para mim era essa doença.
"A
palavra diabetes trouxe-me à imaginação
um programa de TV animado pelo próprio diabo,
as dançarinas seriam as diabetes"
A palavra diabetes trouxe-me à imaginação um programa de TV animado pelo
próprio diabo, as dançarinas seriam as diabetes. Não estava nos meus planos
ficar doente na casa dos 40 anos. Eu queria viver com saúde até os 90. Para tanto, procurava levar
um estilo de vida e alimentação saudáveis. Nunca fumei. Nunca fui sedentário.
Consumia alimentos integrais. Fiz ioga. Lutas marciais. Corria. Servi ao
Exército numa fortaleza instalada num morro. Subia e descia ladeira várias
vezes ao dia, muitas vezes carregando um fuzil de quase cinco quilos.
Para mim ter ficado doente foi um mistério. Diante disso, passei a estudar o
assunto com o ânimo de um historiador – formei-me em História pela Universidade Federal
Fluminense. Queria saber exatamente o que aconteceu comigo. Li tudo que
encontrei pela frente: patologia, fisiologia, cariologia, medicina natural, e
até alquimistas e boticários. Essa pesquisa levou alguns anos e o resultado
foi O livro negro do açúcar, um PDF que circula na internet e que
ganhou uma edição em livro com o título ligeiramente modificado, Açúcar:
o perigo doce, pela editora Alaúde.
IHU On-Line – Como o açúcar conseguiu conquistar o status que têm hoje no
mundo?
Fernando Carvalho – O açúcar sempre foi um grande negócio. Do jeito
que o petróleo já foi chamado de ouro negro, o açúcar já foi o ouro branco. A
Holanda invadiu o Brasil no século XVII por causa do açúcar. "A maior
migração forçada que a história registra", disse Werneck Sodré [2], ao analisar o
tráfico de negros africanos para a América que também aconteceu por causa do
açúcar.
Os interesses do açúcar estão entrelaçados com o de outras indústrias como a
farmacêutica, a de alimentos e a de bebidas alcoólicas e refrigerantes. A
relação comensalista entre essas indústrias –que conta ainda com a participação de médicos, profissionais de
saúde, legisladores, da mídia, da literatura inclusive a científica e até do
folclore – é o que
chamamos "indústria da doença" que se sustenta mutuamente de
alimentos e medicamentos.
Um negócio dessa envergadura sempre esteve no poder, de modo que o açúcar
chegou onde hoje se encontra empurrado pelo poder econômico. Atualmente,
dezenas de milhões de donas de casa aprendem novas receitas de doces. O
açucaramento da dieta avança sob nossos olhos: pizzas e
empadas doces são passos recentes do avanço da ditadura do açúcar.
A Food and Drug
Administration – FDA, agência do governo estadunidense que
regulamenta alimentos e medicamentos, considera o açúcar de consumo seguro.
Aqui no Brasil a Anvisa nada
pode. O açúcar é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Agricultura. Ou
seja, a “raposa” legisla e fiscaliza o “galinheiro”. Umas raposas legislam
sobre cerveja, outras sobre o vinho. No Brasil, cerveja e vinho são adulterados
com açúcar. Aqui no país, os livros de patologia têm um capítulo sobre o metabolismo
do álcool, mas ignoram o metabolismo da sacarose. A luta contra o açúcar fica
por conta de uns poucos médicos abnegados como o brasileiro descendente de
asiáticos Yotaka Fukuda [3],
que demonstrou o papel do consumo de açúcar na labirintite, e autores como William Dufty [4], autor
de Sugar blues.
IHU On-Line – Como o senhor relaciona o consumo do açúcar com as doenças
modernas?
Fernando Carvalho – Da Idade Média para trás não existiam as
doenças crônicas. O açúcar não existia e as doenças que afligiam o homem
medieval eram infectocontagiosas. Tão logo o açúcar entrou em cena se
aboletando na mesa, ele disse a que veio e começou destruindo os dentes dos
nobres e burgueses europeus. A cárie é uma doença, ao mesmo tempo, crônica e
aguda. Antes do advento do açúcar a incidência de cáries era de 1% para baixo.
Hoje, a epidemia de cárie atinge 99% da raça humana. E esse 1% da humanidade
livre de cáries são os poucos países situados no coração da África: Togo,
Ruanda, Gana, Lesoto... onde a ração açucarada não chegou ainda.
Outra epidemia moderna que pode ser associada ao açúcar é a de obesidade.
Açúcar é caloria pura e é transformado em gordura, o que não ocorre com carnes,
por exemplo. Se gordura engordasse, adieta
Atkins [5] não funcionaria. Sendo calorias vazias, isto é,
destituídas de qualquer nutriente, quando é adicionada a qualquer alimento o
açúcar torna esse alimento hipercalórico e eleva seu índice glicêmico. O povo
brasileiro já anda consumindo 60 quilos de açúcar por ano em média. 95% dos
obesos o são por causa do que comem, de modo que a relação entre consumo de
açúcar e a epidemia de obesidade é óbvia e ululante.
"o
açúcar responde pela atual
era de doenças crônicas
porque ele agride o organismo de
diversas formas sistêmicas"
Para mim, o açúcar responde pela atual era de doenças crônicas porque ele
agride o organismo de diversas formas sistêmicas: ao fazer funcionar
irregularmente a produção de insulina, agride o metabolismo que é o processo de
construção e manutenção do nosso corpo. Levando isso em consideração, fazer uso
de uma ração açucarada é o mesmo que tentar construir um edifício com cimento
adulterado.
Outro mecanismo pelo qual o açúcar agride todo o organismo de uma só vez é pelo
processo de roubo de minerais. O açúcar causa um desequilíbrio mineralógico
devido ao roubo de nutrientes que o metabolismo de calorias do açúcar provoca.
Há também o problema da glicação não enzimática de proteínas. A primeira vítima
da elevação do açúcar no sangue como consequência do consumo da ração açucarada
é a proteína glicada – mais
conhecida como hemoglobina "gllicosilada". A glicação da hemoglobina
é uma reação simples de condensação que dispensa a intermediação de enzimas.
Essa reação "aleija" a hemoglobina prejudicando sua função de
oxigenar todo o organismo. Faltando oxigênio, o horizonte é a necrose.
A glicação de proteínas é um mecanismo intermediário de uma série de doenças.
Por exemplo, a glicação do cristalino explica a catarata senil. As próprias
células-beta pancreáticas, a insulina e seus receptores musculares, e até os
nervos, está exposto ao fenômeno da glicação degenerativa. De modo que o
diabetes, a resistência insulínica e a hipertensão encontram sua etiopatogenia
no consumo de açúcar.
De conhecimento recente da ciência é a inflamação crônica generalizada
clinicamente silenciosa (ou subclínica) que está se alastrando por toda a
humanidade. Tal inflamação é apontada como sendo o mecanismo intermediário
das doenças crônico-degenerativas. Essa inflamação crônica generalizada e subreptícia
é comparada com as pestes históricas da Idade Média em virtude das milhões de
vítimas que estão sendo ceifadas em todo o mundo. As doenças vasculares que
tinham o colesterol como bode expiatório, na verdade são consequência de um
processo inflamatório das paredes das artérias. Asma, síndrome do intestino
irritável e uma infinidade de outras condições são intermediadas por processos
inflamatórios e a ração açucarada moderna é a principal culpada disso.
IHU On-Line – Que verdades precisam ser ditas a respeito do açúcar?
Fernando Carvalho – São várias. Vamos por tópicos:
1) O açúcar não é um alimento, mas sim uma substância agressora do
organismo.
2) O açúcar, ao impregnar a alimentação humana, transformou-a numa ração
patogênica.
3) Médicos e nutricionistas estão enganados quando lidam com o açúcar como
sendo um "carboidrato" como outro qualquer.
4) dentistas também estão enganados quando atribuem as cáries à
"carboidratos fermentáveis".
5) A perda de um dente é uma humilhante forma de mutilação e que o
desdentado é uma vítima da ração açucarada e não culpado de maus hábitos de
higiene bucal.
6) Uma pessoa pode ser gorda e saudável dependendo de como ela se alimenta.
7) Obesos mórbidos são vítimas da ração açucarada e não culpados de maus
hábitos alimentares.
8) A ração açucarada empurrou a raça humana para a era das doenças
crônicas, metabólicas e degenerativas.
9) A expulsão do açúcar da mesa vai acabar com a era das doenças crônicas.
E como uma última verdade que poucos sabem é que a Organização Mundial de Saúde – OMSdeseja que o consumo de açúcar
do açucareiro não ultrapasse 10% das calorias totais ingeridas
diariamente. Se dependesse da OMS,
os governos do mundo inteiro fariam uma campanha semelhante àquela feita
contra o cigarro para assegurar que o consumo de açúcar não ultrapasse esse
número.
Em 2004, quando o comitê executivo da OMS se reuniu para aprovar tal estratégia, sua proposta foi
derrotada pelo lobby da indústria da doença. Perto de 50 países votaram com
a OMS; os vetos contaram
com os votos dos Estados Unidos, Brasil, Suazilândia e Ilhas Maurício. Cuba,
envergonhada, deu um apoio de bastidores. Com os vetos dos traficantes de
açúcar, a OMSaprovou uma
exortação às indústrias de alimentos e bebidas no sentido de que reduzam o uso
de sal, gordura e açúcar. Recentemente, o Ministro da Saúde, num acordo de
cavalheiros, obteve da indústria de alimentos o compromisso de usar "menos
sal e gorduras", mas o açúcar ficou de fora da conversa.
IHU On-Line – Como funciona o movimento Açúcar Zero?
Fernando Carvalho – O Açúcar
Zero é um movimento político-nutricional que defende a retirada do
açúcar da alimentação humana visando acabar com seu caráter patogênico e, com
isso, pôr fim à era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas. O
movimento é muito incipiente ainda. Costumo dizer que somos um pequeno exército
de Brancaleone.
O que dá vida ao nosso movimento é o fato de que as pessoas podem, por iniciativa
própria, dar as costas ao açúcar e, em pouco tempo, verificar os resultados da
dieta isenta de açúcar na sua saúde. Ao ganhar saúde, ao livrar-se da
incidência de novas cáries, gripes e resfriados frequentes e de uma infinidade
de mazelas, elas ficam tão felizes que resolvem ajudar os outros a seguir
o exemplo.
Temos uma comunidade no Orkut que já conta com quase 2 mil membros.
Estamos cogitando da possibilidade de criar uma ONG com o objetivo de levar o
conhecimento sobre o açúcar às escolas de ensino médio e fundamental. Afinal,
as crianças são as vítimas privilegiadas da ditadura de pacote tecnológico da
sacarose refinada.
Uma empresa multinacional de alimentos produziu e faz propaganda na televisão
de um sacolé de leite condensado. Entendemos que isso é um crime de
lesa-humanidade. Essa mesma empresa, recentemente, retirou o açúcar da fórmula
de suas papinhas para bebês, outro crime que denunciávamos desde que O
livro negro do açúcar era um original distribuído pela internet. Como
nunca li uma linha sequer de médico ou nutricionista protestando contra isso,
fico tentado a atribuir o recuo da multinacional às nossas denúncias.
Um objetivo político arrojado de nosso movimento é ver se conseguimos fazer com
que o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional – Consea compre essa briga.
Afinal, como falar em segurança alimentar quando estamos diante de uma ração
patogênica? O Consea já
usa o termo alimentação "saudável" que deve ser assegurada a todo o
povo brasileiro. Precisa evoluir para entender o que é a ração patogênica e o
que é preciso fazer para acabar com seu caráter patogênico. O grande dia para o
povo brasileiro será o da aprovação da Lei Áurea Nutricional, a lei que
proibirá a adição de açúcar aos alimentos.
Notas:
[1] Bart Hoebel é professor de Psicologia no Programa de
Neurociências da Universidade de Princeton. Sua formação acadêmica foi
realizada na Universidade de Harvard. Tem PhD pela Universidade da Pensilvânia
e um doutorado honorário pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Foi
presidente de três sociedades acadêmicas: Neurociência e Divisão de Psicologia
Comparativa da Associação Americana de Psicologia, Sociedade para o Estudo do
Comportamento ingestivo e Eastern Psychological Association.
[2] Nelson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911 e
morreu em 1999. Foi um militar e historiador.
[3] Yotaka Fukuda é professor livre-docente da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp-EPM) e médico otorrinolaringologista do Instituto
Gastro Entereológico de São Paulo – Igesp.
[4] William Dufty Francis nasceu em 1916 e morreu em 2002. Foi
um escritor estadunidense conhecido por sua atuação como ativista nutricional.
[5] A Dieta Atkins foi um método originalmente desenvolvido
por Robert Atkins nos anos 1960. A dieta foi muito criticada nos círculos de
medicina por recomendar ingestão de gorduras saturadas de origem animal e
reduzir radicalmente a ingestão de carboidratos, especialmente os de índice
glicêmico alto. A dieta voltou a ganhar popularidade em fins dos anos 1990
junto com o aumento exponencial de casos de obesidade e comorbidades associadas.
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