SECA NO NORDESTE


Estou beirando os 64 anos de vida e estou cansado, literalmente cansado, de ouvir e ver notícias tristes sobre a seca que ocorre historicamente no nordeste brasileiro. Desde criança ficava enternecido com o sofrimento daquele povo e pensava que o atraso social e econômico que ali ocorria era causado pela...seca. Mas, não!, hoje é sabido. Esse atraso também pode ocorrer pela seca, mas, esta, ocorre e fustiga a vida local pelo descaso útil do sistema, pela ladroagem dos políticos e, indubitavelmente, pelo cabresto que o povo aceita e que o leva a eleger os mesmos verborrágicos, incapazes e ladrões de sempre.
Sugiro a leitura abaixo, extensa, mas necessária para a sensibilização, dos quatro textos. No primeiro deles, há a manifestação do poeta nordestino, também voz do povo, e, nos três outros, notícias recentes sobre o problema. No terceiro deles, inclusive, é criticada a demora na transposição do rio São Francisco, sobre cuja obra sou contra. Ali, então, está evidenciada a responsabilidade dos três últimos governos, envolvidos na ideia. No último, é possível perceber como o problema é da seca, sim, mas é causado pela falta de iniciativas tecnológicas e práticas dos homens, em razão da irresponsabilidade deles, diminui a qualidade de vida na região.
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O SERTÃO CHORA NO INVERNO DOS LADRÕES

                                    Miguezim de Princesa

A seca que abate a gente

tira a comida da mesa,
o sertanejo, humilhado,
não esconde sua tristeza:
finca a enxada no chão
e, naquele poeirão,
sobe um mundo de incerteza.

O sertanejo resiste,
forte como um pau-pereira!
Clamoroso é ao que se assiste
nesta nação brasileira:
onde uns têm tudo farto,
mulheres morrem de parto
nos braços de uma parteira.

Na seca a politicagem
dos coronéis faz parada:
homens aqui são tratados
como se fossem boiada.
Triste sertão de "caboclo",
onde um voto vale pouco,
onde a vida vale nada.

Passa a seca, vem a chuva
e nada de melhorar,
porque o governo nega
semente pra semear
e o latifundiário,
pra aumentar o calvário,
nega terra pra plantar.

Desrespeita-se a velhice,
abandona-se a infância,
as escolas desmoronam
por incúria ou traficância,
do saber poucos se apossam
e as criancinhas engrossam
o exército da ignorância.

Terra que produz de tudo
- do feijão ao babaçu -,
teu povo é escravizado
no açoite do couro cru:
come restos de ração,
bebe a lama do porão,
não tem roupa - anda nu.

Semblantes desfigurados,
corpos esqueléticos nus,
enquanto nutrem a esperança
num milagre de Jesus,
disputam pelas estradas
brutos já mortos, ossadas,
com bandos de urubus.

Asfora falou um dia
dos seios sem leite, murchos,
das veias brancas, sem sangue,
que nem algodão - capuchos -,
enquanto reina a alarvia
de uma elite que um dia
terá de perder os luxos.
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Alimentada pela escassez, "indústria da seca" fatura com a estiagem no Nordeste

Carlos Madeiro
Do UOL, em Tacaratu (PE)

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·         A seca no Nordeste é sempre sinal de sofrimento para o sertanejo. Mas a falta de chuva também movimenta o meio político e o comércio das cidades atingidas pela estiagem. A chamada “indústria da seca” fatura alto com a falta de alimentos para os animais e de água para os moradores.
O exemplo mais conhecido no sertão – e relatado por diversos moradores ao UOL –  é o uso político na distribuição dos carros-pipa, marca registrada do assistencialismo simples. Segundo os relatos, alguns políticos visitam as comunidades e se apresentam como “responsáveis” pelo envio da água. Os moradores também reclamam da alta nos preços de serviços e alimentos para os animais.
“A prefeitura nos ajuda muito, nos mandando água por carros-pipa. Às vezes demora, mas sempre vem”, conta a agricultora Maria Gildaci, 66, de Tacaratu (PE), sempre citando que o prefeito é "quem manda" o carro para a sobrevivência dela e da família, que vive em uma pequena casa no sítio Espinheiro. 
Falas como a Gildaci, agradecendo os políticos, são comuns, mas a prática está sendo combatida por organizações do semiárido. “Água é um direito, não é dada de favor. Agricultores relatam com frequência que vereadores se apresentam trazendo carros-pipa e que prefeitos estão se utilizando disso para as eleições. Estamos fazendo levantamentos e vamos tentar identificar onde isso está ocorrendo para tomarmos providências”, afirma o coordenador da ASA (Articulação do Semiárido), Naidson Batista.
Para Batista, o uso político da água é histórico no Nordeste, mas vem perdendo força nos últimos anos. “A indústria da seca, na história brasileira, é um instrumento de alguns, em detrimento de outros, para aumento de poder econômico, político ou social de determinado grupos. Embora ela venha perdendo força, não seria possível erradicar uma prática de 400 anos em apenas 10”, afirma.
Segundo o coordenador, os investimentos cobrados, como poços, barragens e cisternas, não foram feitos a contento ao longo dos anos, o que facilitou a política assistencialista. "Isso faz parte da indústria da seca, pois deixa o sertanejo vulnerável, à espera sempre de ações emergenciais."
O diretor do Polo Sindical do Médio São Francisco da Fetape (Federação dos Trabalhadores em Agricultura de Pernambuco), Jorge de Melo, também relata que políticos e fazendeiros ainda se aproveitam da seca para lucrar. “É só começar a escassez de alimentos para ter gente aumentando o preço das coisas. É o que chamam da lei da oferta e procura. Além disso, há um claro uso político, que vem sendo combatido e está enfraquecendo, mas ainda existe no sertão”, diz.
Para tentar reduzir o desvio político da água, o governo de Pernambuco anunciou, na última quarta-feira (16), que os carros-pipa contratados pelo Estado serão equipados com GPS e terão fiscalização dos conselhos de desenvolvimento dos municípios –que ficarão responsáveis por enviar relatórios mensais sobre o cumprimento dos cronogramas.

Ganho econômico

Além do uso político, muitos setores da economia também faturam com a venda de produtos. Um dos exemplos é a palma (espécie de cacto que serve de alimento para o gado). Segundo os moradores, o preço da tarefa de palma (equivalente a uma área plantada de 3.053 m²), que antes da estiagem ficava em torno de R$ 1.200, hoje chega a custar até R$ 2.500 em algumas localidades de Alagoas e Sergipe.
“Quem tem sua palma plantada para os seus animais não quer vender. Agora a seca é boa para aqueles que plantam a palma como investimento e estão vendendo mais caro e lucrando muito”, citou o produtor Vilibaldo Pina de Albuquerque, de Batalha (AL).
O carro-pipa também é um negócio rentável. Os preços cobrados pelos “pipeiros” no sertão inflacionaram com a seca. “Existe, e muito, a indústria da seca. Um exemplo: antes, a prefeitura contratava um carro-pipa por R$ 100 para lavar o matadouro. Hoje, para o sujeito trazer a mesma quantidade de água ele obra R$ 200. E olhe que o preço do combustível não subiu e ele pega água no mesmo lugar”, afirma o secretário de Infraestrutura de Batalha (AL), Abelardo Rodrigues de Melo.
Em Sergipe, os investidores estão comprando carros-pipa para ganhar dinheiro. “Hoje, quem tem um dinheiro sobrando está comprando um carro-pipa para distribuir água. Demanda é o que não falta. Aqui estamos precisando de mais, mas não há”, diz o coordenador da Defesa Civil de Poço Redondo (SE), José Carlos Aragão. "E o carro-pipa não é a solução, e só uma política emergencial. Hoje você leva a água, amanhã já precisa de novo. É um investimento de curta duração."
Na cidade sergipana –a mais afetada do Estado, com 15 mil pessoas atingidas pela estiagem--, o movimento de carros-pipa é intenso e atua em diversos setores da economia. Na oficina de Antônio Rodrigues, cresceu a procura por consertos dos caminhões. “Hoje 30% do que faturo é com esses carros. Contratei até uma pessoa para me ajudar, porque a procura é grande e tem caminhão aqui todo dia. Queria não ter mais esse serviço, que aqui chovesse e o povo parasse de sofrer. Mas estou trabalhando dignamente.”

Melhores condições

Para o economista Cícero Péricles, apesar da “indústria da seca” ainda existir, as condições de enfrentamento do sertanejo à seca atual são melhores do que aquelas enfrentadas na última grande estiagem, em 1998.
“Há mais de uma década a política de água obteve ganhos consideráveis pela entrada das cisternas e barragens subterrâneas nos espaços da agricultura familiar, reforçando os antigos instrumentos, como os poços artesianos, tubulares, barreiros, açudes e adutoras. A presença dos órgãos públicos mudou da intervenção exclusivamente assistencialista e emergencial para instituições públicas, com maior capilaridade, municipalizadas, que fazem a cobertura permanente com os programas sociais. A ampliação da Previdência Social no campo, assim como de programas de transferências de renda, a exemplo do Bolsa família, reduziram em muito a pobreza absoluta no meio rural”, afirma o economista.
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A Transposição e a Seca

IHU

“A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas”.
O comentário é de Roberto Malvezzi em artigo publicado pelo sítio São Franscisco Vivo, 16-05-2012.

Eis o artigo.

Pode parecer uma atitude menor de nossa parte reiterar críticas à Transposição nesse momento de seca, afinal, o sofrimento das pessoas e dos animais é infinitamente mais relevante que nossas divergências sobre determinadas obras.

Entretanto, é exatamente em função desse sofrimento, e da busca incessante para encontrar caminhos de solução, que esse debate mais uma vez se coloca na ordem do dia.

Ninguém acaba com a seca. Ela é um fenômeno natural e normal da região semiárida. Portanto, essas matérias sensacionalistas que gostam de falar de “terra esturricada, mata morta, animais morrendo”, revelam ignorância a respeito da região. Ela é assim e assim será. Por isso os índios já chamavam essa mata de “caatinga”, que quer dizer exatamente “mata branca”. Nada está morto, ao contrário, a caatinga hiberna, adormece para enfrentar um período sem chuva. Com as primeiras chuvas tudo volta à vida. Apenas o ser humano e os animais, trazidos de fora, não hibernam. Esses precisam comer e beber, enquanto a natureza se defenda por conta própria.

Mas, se a natureza não muda – a não ser por uma profunda mudança no clima global -, a infraestrutura para adequar o ser humano a essa realidade precisa ser mudada. Essa é a única saída inteligente. Costumamos repetir que os povos do gelo aprenderam a viver com o gelo, os povos do deserto aprenderam a viver no deserto, e que nós já deveríamos ter aprendido a conviver com o semiárido. Essa cultura inovadora está em construção, mas sofre resistências terríveis de quem aprendeu a 
ganhar poder e riqueza às custas da miséria do povo.

Para quem se lembra, o grande argumento governamental – de marketing – para bancar a Transposição era a proposta de abastecer 12 milhões de pessoas com água potável. Para tal, cunhou-se a divisão do semiárido brasileiro entre “Nordeste Setentrional” e o resto do “Nordeste”. Assim, induzia os incautos a pensarem que o semiárido está restrito ao Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ainda mais, governo e parte da mídia, por desconhecimento ou interesses escusos, afirmavam que a Transposição iria levar água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.

Essa seca matou o argumento oficial. A seca começou em território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil
, ensino 
primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição, mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, por quase uma década diretor do DNOCS, costuma dizer que as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do Ceará. Para se ter uma idéia mais precisa, dos 36 bilhões de metros cúbicos de água que podem ser estocados no semiárido, 28 bilhões estão no Ceará. A Bahia possui capacidade para estocar apenas um bilhão de metros cúbicos.

A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas.

Para completar, o próprio Dr. Bonfim afirma que precisamos fazer a distribuição da água estocada nos açudes. Afinal, segundo informações recentes do governo cearense, os açudes da região estão em média com 70% de sua capacidade abastecida. Portanto, não falta água, falta distribuição. Para ele, temos apenas uma rede de cinco mil km de adutoras no semiárido, quando precisaríamos de 25 mil km para democratizar a água para o meio urbano. Segundo a Agência Nacional de Águas, 1700 municípios do Nordeste precisam de adutoras ou serviços de água para não entrarem em colapso hídrico até 2025.

Já expusemos à exaustão que essa seca, terrível em termos de diminuição das chuvas, mas prevista no clico das secas, ao menos não fará vítimas humanas na extensão daquela de 1982. A perda de safra e animais ainda é inevitável.

Continuaremos defendendo uma proposta sistêmica para todo semiárido, sem exclusões. O caminho é a convivência com esse ambiente, através de uma imensa malha de pequenas obras – se não fossem as cisternas para beber e produzir nesse momento, ainda que seja como depósito de água de pipas, o povo estaria bebendo lama de barreiros -, da agroecologia adaptada, da criação de animais resistentes ao clima, da apicultura, da garantia da terra aos agricultores, assim por diante. Para o meio urbano, a democratização da água através das adutoras, priorizando o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.

Temos todos os meios nas mãos. Faltam estadistas que conduzam e aprofundem a revolução na relação com o semiárido. Quando assim for, secas serão apenas fenômenos naturais, não mais tragédias sociais.
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Municípios vítimas da seca lideram ranking de piores índices de desenvolvimento humano

Carlos Madeiro
Do UOL, em Tacaratu (PE
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Atingidos pela maior seca das últimas décadas, municípios do sertão nordestino lideram os piores índices de desenvolvimento humano e renda do país. Com poucas exceções --de algumas cidades banhadas pelo rio São Francisco e que recebem royalties do governo federal pelo uso da água--, a pobreza e a falta de oportunidade são marcas registradas da região. O Nordeste já tem mais de 910 municípios em emergência.
De acordo com o último Atlas do Desenvolvimento Humano, feito pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), em 2000, das quatro cidades com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, três estão na lista de municípios em emergência pela seca e convivem com as estiagens. A cidade com menor IDH do país é Manari (PE), com índice de 0,467 –o país teve média de 0,649 no mesmo período. Outras duas cidades nordestinas, Traipu (AL) e Guaribas (PI), também estão no quarteto das piores em desenvolvimento humano –com 0,479 cada uma. Completa o ranking a cidade de Jordão, no Acre, com 0,475 (veja aqui a lista completa).O IDH varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento humano) e engloba três aspectos: conhecimento (medido por indicadores de educação), saúde (medida pela longevidade) e padrão de vida digno (medido pela renda).
A situação também é ruim quando se considera o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de algumas cidades nordestinas. Em Tacaratu (PE), o índice não passa de R$ 3.183, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2009 –neste ano, a média do país foi R$ 16.917.
 “Vendi os oito bodes que tinha para comprar comida, há pouco mais de um mês, mas já acabou o dinheiro. Vendi muito barato”, contou a moradora Rosana Inácia dos Santos, 42, durante visita do UOL à cidade do sertão pernambucano. Rosana faz redes para complementar a renda e garantir o sustento. “Mas só me pagam R$ 1,00 por cada varanda [de rede] que faço. Tem que trabalhar muito, o mês todo, para conseguir uns R$ 70.”
Em Santa Brígida (BA), a renda per capita não ultrapassa os R$ 3.382. “Tem muita gente indo para Paulo Afonso [cidade vizinha e referência na região do médio São Francisco], ou Salvador, ou outra cidade grande. Outra parte está indo para o Pará, onde estão sendo realizadas obras. A situação é complicada aqui por conta da falta de chuva e de perspectiva. A situação é ainda mais difícil para os jovens”, disse o secretário municipal de Infraestrutura, Alfredo Ribeiro Neto.
Apesar de não se ouvir falar mais em fome, a palavra “necessidade” ainda é pronunciada por muitos sertanejos. “Meu vai pra rua [cidade] todo dia tentar arrumar trabalho, para não roubar o que é dos outros. O dinheirinho que ganho [proveniente do Bolsa Família] dá só para o sustento, pois agora tenho que comprar água para mim e para meus animais. Tenho comido todo dia, mas passo necessidade, não vou mentir. Tem dias em que não tem a mistura [carne ou similar que acompanha o tradicional arroz e feijão]”, diz a moradora da zona rural de Glória (BA), Maria São Pedro. A cidade também possui um dos menores PIB per capita do país, de R$ 3.437.

Análise

Segundo o doutor em economia popular e professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Cícero Péricles Carvalho, a seca é um elemento com forte peso na economia dos municípios, o que traz consigo pobreza às prefeituras e populações.
“As chuvas irregulares afetam o solo sertanejo, que é menos produtivo que os solos da zona da mata e do agreste. O déficit hídrico inviabiliza muitas culturas que somente produzem com a irrigação. A pecuária extensiva, o método ainda mais utilizado na área sertaneja, é muito vulnerável nos períodos de estiagens prolongadas. Essa pobreza no campo reflete-se nas localidades --pequenas e médias-- onde vive a maior parte da população da região e, claro, faz baixar o IDH no seu componente renda”, explicou. 
Segundo Carvalho, a maioria da população dessas cidades depende da transferência de renda dos programas sociais para sobreviver. “Atualmente, a renda sem produção --que chega pelos cartões da Previdência Social e do Bolsa Família-- é mais significativa que a produzida na agricultura, pecuária e nas atividades de artesanato e indústria familiar. Nas pequenas localidades, os serviços e o comércio dependem dessas transferências, assim como as prefeituras que sobrevivem graças ao FPM [Fundo de Participação dos Municípios], transferências voluntárias, convênios e outros recursos públicos.”
Apesar de concordar que a seca é um instrumento que aumenta a pobreza, o professor de sociologia da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Paulo Decio de Arruda Mello, diz que não há, necessariamente, uma relação direta entre a miséria dos municípios e as estiagens. “Não é uma coisa automática. Podem existir locais com produção e desempenho econômicos elevados, mas que sejam atingidos pela seca. O importante é garantir a sustentabilidade dessas áreas, com a atuação na área ambiental.”
Para o sociólogo, o sertão do Nordeste acabou sendo alvo de políticas assistencialistas ao longo de décadas, o que impediu o desenvolvimento sustentável. “A verdade é que os governos não investiram como deveriam em obras estruturantes no semiárido brasileiro. Geralmente nessas áreas que se concentram agricultura familiar, que não são commodities ou exportadores. São áreas ocupadas por economias agrícolas de pouco valor agregado, que acabam relegadas a um segundo plano. A tendência é investir mais em setores mais dinâmicos”, analisa. 



FALTA DE VONTADE?


Os brasileiros reclamamos da corrupção, dos desmandos fisiológicos dos políticos, do patrimonialismo governamental, do messianismo de alguns líderes, enfim, mostramos não estar satisfeitos com muitas coisas que ocorrem por aqui. Como somos eleitores, numa sociedade simplória, não sabemos pressionar nossos eleitos para que atuem e se manifestem de forma condizente com a situação de calamidade das Instituições Nacionais. 
Vivenciamos há poucos anos o famigerado MENSALÃO e, agora, com relações inequívocas àquele triste episódio, comandado por quadrilha especializada, enfrentamos o caso CACHOEIRA.
Pessoalmente, devo reconhecer que a imprensa tem um papel relevante ao desvendar esses e outros casos, deixando a presidente a reboque da mídia, ao tomar decisões extirpadoras dos nomes envolvidos, pautada por jornais e revistas, mas não posso deixar de criticar essa mesma imprensa denunciante que, no auge do processo investigador, emite capas de revistas semanais com frivolidades como "pílulas de beleza", "comparativo estético entre gordos e magros" e "como desenvolver trabalhos manuais", dando um quê de desimportância a fatos relevantes para a sociedade brasileira.
Fico, então, pensando se não nos julgam idiotas!




ASSIMETRIAS GOVERNAMENTAIS


Os paroleiros oficiais se esforçaram na explicação no inexplicável, mas caíram no ridículo, pois para cada argumento exposto por eles  há o contraditório irretorquível. A simetria dos posicionamentos pessoais ou oficiais é que dá credibilidade às pessoas e às instituições. Sem isto, esses dirigentes, eleitos por um povo crédulo e ordeiro, posam de falastrões, balabregas, dissimulados e canalhas para a História.
Abaixo um texto densamente inquisidor e demonstrativo das incoerências que ocorrem nas ações dos nossos governantes, publicado pelo Instituto Millenium.
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Por que a presidente circula em carrão importado?
Autor: Carlos Alberto Sardenberg

  

Por que não um modelo com mais conteúdo nacional, movido a etanol?
A presidente Dilma acredita que, com o aumento “extraordinário” de importação de carros, está em curso “uma tentativa de canibalização” do mercado brasileiro.
Não explicou o que entende por “canibalização”, mas ela mesma dá um exemplo de como e por que ocorrem as importações. A presidente circula em um Omega blindado, produzido pela General Motors na Austrália e importado pela GM brasileira.
Também se incluem na frota presidencial carros Ford Fusion, fabricados no México e importados pela mesma montadora. Entre os Fords, aliás, há um híbrido – movido a dois motores, um convencional, a gasolina, e outro elétrico. Trata-se da aposta da companhia para a era dos veículos mais amigáveis com o meio ambiente.
Daí, duas perguntas: 1) por que o Ômega? E, 2) por que não um veículo movido a etanol, a aposta ambiental brasileira?
Para a primeira questão, explica o Gabinete de Segurança Institucional (GSI): “(esse carro) atende, em melhores condições, os requisitos técnicos estabelecidos para garantir a segurança presidencial”. Acrescenta: “Tais requisitos não são preenchidos por nenhum produto de fabricação nacional.”
Ora, por que as montadoras aqui instaladas – que formam a indústria nacional protegida pelas medidas do governo – não fabricam esses carros de maior qualidade e conteúdo tecnológico?
Elas produzem aqui os modelos populares, básicos e alguns médios. Na Argentina, os médios, já de maior valor agregado. Os carrões são fabricados em diversos outros países, desenvolvidos, como Austrália e Alemanha, e mesmo emergentes, como o México, por exemplo, de onde podem ser importados para o Brasil livres de impostos, conforme o acordo firmado entre os dois países há dez anos.
A indústria local continua, pois, superprotegida. E o consumidor paga a conta.
Esse foi o arranjo que as multinacionais organizaram para sua produção global. Vai daí que as grandes importadoras de carros (e peças) são também as grandes produtoras nacionais.
Estariam essas montadoras canibalizando seu próprio mercado interno? Não faria lógica, não é mesmo? Elas importam os carros que não querem ou não conseguem produzir aqui com qualidade e preço internacional. Resumindo, a Ford mexicana é mais eficiente que a brasileira. Idem para a GM australiana em relação à local.
Cresceu no último ano a importação de carros chineses e coreanos de marcas sem fábricas no Brasil. Esses veículos impuseram forte concorrência em algumas faixas ocupadas pelas montadoras locais. Mas o volume dessas importações nem chega a arranhar o mercado brasileiro – 3,5 milhões de veículos/ano, o quarto ou quinto no mundo – muito menos canibalizar.
Do ponto de vista macro, não há como atender um mercado de 3,5 milhões preferencialmente com importações. As montadoras precisam se estabelecer e produzir aqui, o que estão fazendo. A questão é: o que vão fabricar? A que preço?
O regime automotivo anunciado nesta terça pela presidente exige que os carros aqui produzidos tenham mais conteúdo nacional, que as empresas gastem mais com engenharia e pesquisa, mas não exige que se fabriquem aqui os “carrões”. As montadoras (e o governo) sabem que, nas condições estruturais da economia brasileira, não haveria como cumprir essa regra.
A indústria local continua, pois, superprotegida. E o consumidor paga a conta. O imposto bem mais elevado cobrado sobre chineses e coreanos eleva seus preços e alivia a concorrência que faziam com básicos nacionais. As quotas sobre os importados do México reduzem a oferta e, pois, aumentam os preços.
Resultado: o carro local, que já é mais caro do que em qualquer outro lugar do mundo, tende a ficar mais caro ainda. E continuamos a importar os carrões, inclusive os coreanos, também mais caros.
Assim, quando a Presidência renovar sua frota de importados, também pagará mais caro – a menos, claro, que as montadoras façam algum tipo de gentileza, o que, aliás, não seria ético.
Mas, se o espírito é genuinamente nacionalista, se estamos sendo atacados por práticas predatórias estrangeiras, como Dilma e Mantega repetem todos os dias, por que a Presidência não nacionaliza sua frota? O último pacote reforçou a regra pela qual o governo, nas suas compras, deve dar preferência ao nacional mesmo quando este for até 25% mais caro que o importado.
Logo, vendam os Ômegas e Fusions e comprem os modelos com mais conteúdo nacional, todos movidos a etanol.
Não é provocação. Trata-se apenas de ilustrar o equívoco da política industrial. Suponha que o governo nacionalize mesmo toda sua frota, o que aconteceria? As autoridades, incluindo a presidente, circulariam em carros, digamos, mais modestos e menos seguros, e a indústria nacional continuaria produzindo… as mesmas carroças de sempre, quer dizer, os tais carros sem “os requisitos técnicos estabelecidos para garantir a segurança presidencial”. E, acrescentaríamos, sem o conforto que merecem as autoridades.


DEMÓSTENES, O GREGO


Em tempos de pessoas dissimuladas, nada mais adequado do que resgatar fatos históricos para estabelecer comparativos e ver como os comportamentos humanos se repetem, embora separados por milênios. Enquanto mantemos a esperança de que a humanidade aprenda com seus erros e defeitos, estabelecendo avanços na escada do aperfeiçoamento, muitas vezes vemos a retrocessão comportamental e, aí, então, começamos tudo novamente. É este o momento que vivenciamos.

O artigo abaixo, publicado pelo Instituto Humanitas UNISINOS, é pertinente por registrar este dilema que fustiga o processo evolutivo do Homem.

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Demóstenes.

Artigo de Roberto Romano

 

Hérmias foi um político afortunado, mas caído em desgraça por trair o rei da Pérsia em favor de Felipe II da Macedônia, pai de Alexandre Magno. Demóstenes, inimigo de Felipe e do soberano persa, aproveitou a deixa e, no parlamento de Atenas, denunciou as vilanias de Hérmias. Escutemos o discurso do bravo Demóstenes: "O agente e cúmplice de Filipe (...), durante a ação que Filipe prepara contra o Grande Rei (persa), foi finalmente preso. Assim, o Grande Rei virá a conhecer toda a trama e não através de nossas acusações, que poderiam parecer geradas pelos nossos interesses particulares, mas diretamente através do principal artífice executor" (Demóstenes, Quarta Filípica, 10).


A prisão de Hérmias ocorreu na luta pelo controle de Bizâncio. Ele foi torturado segundo as técnicas habituais. Impressiona, no discurso do insigne Demóstenes, o silêncio sobre o jeito como o soberano persa encontrou a "verdade". Como diz Luciano Canfora, o retor grego "tinha plena consciência dos 'métodos' com que o rei da Pérsia arrancava a verdade de suas vítimas". Demóstenes sabia ser valente nas bravatas, pisoteando a desgraça de um adversário fraco (Um Ofício Perigoso, Editora Perspectiva).

O mais vil em Demóstenes não é a sua bravata. Ele sabia de antemão, como indica ainda Luciano Canfora, o conteúdo das confissões que seriam arrancadas de Hérmias, pois tinha espiões entre os inimigos. O pior fato, calado pelo político na sua arenga aos parlamentares, é que ele mesmo, o bravo perseguidor de corruptos, era um corrompido: seu nome estava no livro-caixa do "Grande Rei". O fato foi descoberto quando Alexandre, sucessor de Felipe, abriu os arquivos persas após sua vitória. Canfora indica o passo de Plutarco (Vida de Demóstenes, 20), mas não cita o que diz o filósofo sobre o nosso herói de reputação ilibada.

Escutemos: "Demóstenes era homem em quem não se poderia muito confiar no campo das armas, nem era ele muito prevenido contra a corrupção dos presentes e doações; pois, embora fosse impossível que Felipe o conquistasse, ele, no entanto, se deixava comprar a preço do ouro e da prata que vinham de Susa e de Ectabane. Disposto a louvar os belos e gloriosos feitos de seus velhos ancestrais, ele não seguia ou imitava seus exemplos". Susa, Ectabane e Babilônia eram cidades nucleares da Pérsia antiga... Plutarco, mestre da ética ocidental, com poucos vocábulos diz tudo sobre o duplo lado de um parlamentar oficialmente impoluto.

Uma prática nefanda, sempre em voga na vida política desde os tempos gregos, é a técnica do desmascaramento alheio para preservar a própria face. A máscara, que todo ser humano usa para guardar os próprios segredos, serve como arma de proteção e ataque. Todo indivíduo maneja a própria máscara e, "como ator, nela se transforma" (Elias Canetti, O Personagem e a Máscara). Quem pretende desmascarar os semelhantes deles retira a defesa e o possível ataque no mundo social. Desmascarar é cobrir o rosto com uma outra máscara, a de assassino da vida moral alheia. O pior inimigo de qualquer sociedade é o desmascarador, o Demóstenes que lateja em todo poderoso.

Raros parlamentares, na História ocidental, podem estar seguros de que o livro-caixa, espelho que revela o seu verdadeiro semblante, jamais virá à luz diurna. Douto e ardiloso, Bismarck, o chanceler de ferro: "Ah, se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas... e as leis!"

O desmascarador pode ser movido por vários motivos: o ressentimento, a inveja, o ódio sectário, a concorrência infeliz, as desilusões financeiras, amorosas, etc. Não raro, ele é movido por algo que, em outro tratado de Plutarco, se designa como kakourgia, o erotismo de ver o mal que se abate sobre os demais. Na língua alemã existe o termo Schadenfreude, alegria com a tristeza do próximo.

Quando se diz que alguém finge ser honrado como os varões de Plutarco, não se tem ideia exata do pretendido por ele em suas biografias de indivíduos ilustres. Cada herói grego tem ali o contraponto de uma personalidade romana. Tal forma estilística serve para analisar os personagens em perspectiva, comparando virtudes e defeitos dos retratados. Não existe grego ou romano absolutamente puro. Fino observador ético, Plutarco mostra os erros dos generais, políticos, pensadores, sobretudo o seu excesso de virtude transformado em vício. O conceito filosófico para designar tal inchaço é hybris, orgulho sem medida, usado nas tragédias atenienses. Na Ética de Spinoza, o mesmo conceito recebe um nome exato, existimatio: a ideia de si mesmo que tem o soberbo, julgando estar acima dos demais. O soberbo imagina ser lícito desprezar, caçoar, humilhar os fracos e "inferiores". O desmascarador é atacado pela hybris (na religião cristã, o pai da mentira, Lúcifer, é soberbo) e se compraz em sua almejada preeminência sobre os semelhantes.

Ainda Spinoza, no Tratado Político, aponta os intelectuais como ícones da soberba. "Os filósofos concebem as afecções que lutam em nós como vícios nos quais os homens caem por sua falta. Por tal motivo eles se habituaram a ridicularizar e deplorar tais afecções e, mesmo, as detestar se desejam parecer mais imbuídos de moral. Acreditam agir divinamente, elevados ao cume da sabedoria ao elogiar, entusiastas, uma natureza humana inexistente, invectivando em discursos a que existe na realidade". Seguidor de Maquiavel, ele arremata dizendo que os políticos não possuem tal soberba, embora vivam construindo armadilhas para os seus iguais e para os governados. Quando um político assume a máscara do moralista para destruir os seus pares, trata-se de astúcia imprudente. Pois a pedra colocada por ele na trilha dos outros, com muita probabilidade, o fará tropeçar. Afinal, todo livro-caixa oculto, cedo ou tarde, pode ser aberto.


"BABY BOOMER", COM ORGULHO!

  ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Sim, ...