REPÚBLICA DA TENTAÇÃO

Primeiramente, trago um texto de Roberto Romano, escrito para o Instituto Millenium, motivado pelo livro de Jose Nêumanne Pinto sobre Lulla. Logo depois do texto, situo um novo endereço de página onde há uma entrevista deste mesmo escritor sobre o mesmo assunto.
Em livro que o jornalista escreveu recentemente, ele demonstra, apropriadamente, o porquê de as denúncias de corrupção nunca colarem e Lulla sempre se sair bem, diante de todas as situações, nas quais outros naufragariam. Vale a pena acompanhar a entrevista com toda a atenção, apesar de ocupar mais de 20 minutos. Como ele afirma durante a entrevista,  Lulla espelha, com perfeição, o retrato do povinho brasileiro, acostumado à malandragem, ao oportunismo, à corrupção e sempre disposto a tirar vantagem. Sempre que escrevo o nome LULLA, faço-o com a grafia duplicada da letra, pois quero representar com isto a condição de gêmeo político de COLLOR, este  o maior representante, junto com o primeiro, da mentira, da desfaçatez, da enganação do eleitor e da corrupção. Apesar disto, neste último item, COLLOR tem expressão ínfima perante LULLA e sua turma que refundaram essa forma de crime, como poderá ser visto na entrevista.
A seguir, então, o texto e a entevista.
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Nêumanne e os termidorianos
Roberto Romano (Texto publicado em 27/08/2011 no sítio do Instituto Millenium)

O livro de José Nêumanne Pinto “O que Sei de Lula” ajuda a reflexão ética e política. As suas páginas ultrapassam a figura do suposto pai da Pátria. Elas narram, em surdina, o golpe político encenado pelos que se abrigam no Partido dos Trabalhadores e em agremiações similares. Nêumanne traça um retrato fiel do proprietário no condomínio petista. Os fatos brotam diante de nossos olhos e têm como base a experiência pessoal do autor e documentos ou testemunhos de pessoas que seguiram a carreira do líder. O seu relato segue o preceito de Tucídides e Tácito: nada adiantar sem provas e, sempre, manter a isenção de ânimo.
O livro narra as agruras, as idiossincrasias, as matreirices do personagem que, ainda hoje, governa o Brasil. A cada instante fica bem claro que a cadeira da Presidência da República é ocupada por certa personalidade vicária, à espera de um retorno triunfal, em 2014, do verdadeiro dono. Tudo indica a prática de um império de tipo cesarista: populismo, propaganda, cargos e recursos públicos em favor de um homem. Temos aí a face visível da tragédia. A escondida indica o oportunismo das esquerdas, que, para chegarem ao poder, jogaram às urtigas ideologias, programas, posturas éticas.
Na história política moderna, este não é o primeiro golpe da esquerda para garantir aos seus líderes as benesses palacianas. Um intelectual insuspeito, porque fiel à ideologia, Alain Badiou prova que o Termidor, quando acabou a Revolução Francesa, se deveu aos jacobinos. “Os termidorianos históricos não são aristocratas, restauradores, ou mesmo girondinos. São as pessoas da maioria robespierrista na Convenção” (1). Os partidários do Incorruptível – apelido de Robespierre – aboliram as teses revolucionárias. “Meditar sobre a corrupção”, adianta Badiou, “com certeza não é inútil hoje. (…) Sylvain Lazarus mostrou que “corrupção” designa inicialmente a precariedade política, ligada ao seu princípio real subjetivo (a virtude, os princípios). E depois, como resultado, vemos a corrupção material. Um termidoriano, em sua essência política, é um corrompido. O que significa: um aproveitador da precariedade das convicções (e das vontades). Aliás, os termidorianos históricos são, o dossiê é claro, corrompidos no sentido usual”. Primeiro os valores éticos são alardeados, depois eles se transformam, na metamorfose ambulante, em “bravatas”.
Após anos proclamando a virtude, a facção jacobina decidiu melhorar sua vida rifando os antigos ideais? Negativo. A corrupção não caiu nas hostes da esquerda de repente. A historiografia da Revolução Francesa evidencia, com documentos e relatos de vida, a maneira como líderes “puros” e “inflexíveis”, que usavam a guilhotina contra adversários, se foram apropriando desde cedo da riqueza pública em proveito pessoal. Quem deseja se informar leia o dossiê, publicado por Michel Benoit, 1793, a “República da Tentação, um Caso de Corrupção na Primeira República” (2). O autor narra a odisseia de Claude Bazire e seus pares, todos da ala radical esquerdista. Um caso basta: em 1792 foi roubado o armário com joias da antiga Coroa francesa. “O ministro Roland, ao informar a Assembleia sobre o roubo, tinha apontado com o dedo os verdadeiros responsáveis: a Comuna Insurrecional e o Comitê de Vigilância, do qual Bazire e Chabot eram integrantes, mas ele não denunciou os verdadeiros culpados, por insuficiência de provas…” (3). As estripulias dos “puros” aumentaram com a impunidade, até que eles foram condenados por corrupção.
O exemplo francês teve antecedentes de corrupção e voracidade de poder na Revolução Puritana da Inglaterra, no século 17. Os radicais exigiam que os governantes e juízes prestassem contas à cidadania dos recursos humanos e materiais sob sua responsabilidade. Falamos da famosa accountability. No entanto, com o avanço do movimento, a morte do rei, os cargos de mando serviram como aperitivo saboroso para os que se designavam santos incorruptíveis. John Milton, o poeta revolucionário, bem antes que morresse a República ditatorial inaugurada por Cromwell, desencantou-se com os líderes corrompidos. E veio a trama do monumental poema O Paraíso Perdido. Os comandantes revolucionários são retratados como anjos caídos. Em vez de libertar os ingleses, eles, radicais, fizeram o contrário de Moisés, pois instalaram um pandemônio de servidão como se levassem o povo eleito de volta ao Egito… Maiores informações podem ser lidas no insuspeito historiador, porque marxista, Christopher Hill (4).
Quem se corrompe e renega ideais costuma apelar para o realismo político. Mas o cacoete maquiavélico é confissão de algo sinistro: a hipocrisia disfarçava, sob os rostos imaculados e as falas virtuosas dos supostos jacobinos, o vulgar oportunismo. A traição dos militantes e líderes da esquerda ao seu discurso anterior não muda o fato brutal, a ganância pelo poder a qualquer custo. Sem a corrupção ética da esquerda, o sr. da Silva não teria a força que lhe garantiu o Planalto duas vezes e, mesmo, o conduzirá à Presidência em 2014. Lúcido Elias Canetti: “Nunca vi um homem vituperando contra o poder sem o secreto desejo de possuí-lo”. Os hipócritas jamais perdoarão a José Nêumanne Pinto o seu ato, corajoso ao extremo, de rasgar a máscara da virtude ostentada no passado por quem, hoje, elogia a desfaçatez como artifício político. Ler as páginas desse livro é um exercício de lucidez histórica.
(1) “O que é um termidoriano?”, no livro editado por C. Kintzler A República e o Terror (Paris, Kimé, 1995).
(2) Paris, L”Armançon Ed., 2008.
(3) Benoit, página 61.
(4) “Milton e a Revolução Inglesa” (Penguin, 1979).

Sugiro acessar aqui, para assistir à entrevista com o autor do livro:

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