EDUCAÇÃO, NOVOS FUNDAMENTOS

Raramente li um texto tão instigante e preocupante quanto este que obtive na rede. E erudito, também! Escrito há mais de 170 anos, por um dos grandes pensadores da História, para uma época em que afloravam os conflitos e os questionamentos culturais e intelectuais de outros grandes pensadores, na vivência do contexto da Revolução Industrial com todas suas implicações sobre a vida emergida da Renascença  e, antes dela, da Idade Média,  mostra o dilema da reconstrução intelectual frente a novos conceitos e visões da sociedade. Percebe-se a preocupação de Schopenhauer com os novos impulsos humanos, baseados na rapidez da evolução, que gera a superficialidade de pensamento e a fraqueza dos princípios da transmissão de conhecimentos. 
Isto, naquela época! E hoje, a quantas andamos? 
Será que não vale a pena apostar numa profunda remodelação da Educação, deixando de lado a mesquinhez dos interesses político-partidários e adotar um outro eixo educativo que melhore a condição do instrutor e, deste, para o aprendiz, de forma a que ganhemos novamente consistência no conhecimento?  Será que os fundamentos propostos ontem, não seriam os mesmos necessários hoje?
Como diz Shopenhauer, CONHECIMENTO, não apenas informação. 

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Sobre a erudição e os eruditos
Arthur Schopenhauer (1788-1860), do livro A Arte de Escrever (Porto Alegre: L&PM, 2012).

Quando observamos a quantidade e a variedade dos estabelecimentos de ensino e de aprendizado, assim como o grande número de alunos e professores, é possível acreditar que a espécie humana dá muita importância à instrução e à verdade. Entretanto, nesse caso, as aparências também enganam. Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes.

A cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração: pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado. É com esse objetivo que tal geração frequenta a universidade e se aferra aos livros, sempre aos mais recentes, os de sua época e próprios para sua idade. Só o que é breve e novo! Assim como é nova a geração, que logo passa a emitir seus juízos.

Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma. No entanto, é essa maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica.

Diante da imponente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto! Até mesmo quando se relata, a respeito de Plínio, o Velho, que ele lia sem parar ou mandava que lessem para ele, seja à mesa, em viagens ou no banheiro, sinto a necessidade de me perguntar se o homem tinha tanta falta de pensamentos próprios que era preciso um afluxo contínuo de pensamentos alheios, como é preciso dar a quem sofre de tuberculose um caldo para manter sua vida. E nem a sua credulidade sem critérios, nem o seu estilo de coletânea, extremamente repugnante, difícil de entender e sem desenvolvimento contribuem para me dar um alto conceito do pensamento próprio desse escritor.

Assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. Com isso, quando expõe alguma ideia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento. É isso, e não a aridez do assunto, que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante. Pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; assim como um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido.

Para a imensa maioria dos eruditos, sua ciência é um meio e não um fim. Desse modo, nunca chegarão a realizar nada de grandioso, porque para tanto seria preciso que tivessem o saber como meta, e que todo o resto, mesmo sua própria existência, fosse apenas um meio. Pois tudo o que se realiza em função de outra coisa é feito apenas de maneira parcial, e a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas foram produzidas em função de si mesmas e não como meios para fins ulteriores. Da mesma maneira, só chegará a elaborar novas e grandes concepções fundamentais aquele que tenha suas próprias ideias como objetivo direto de seus estudos, sem se importar com as ideias dos outros.

Entretanto os eruditos, em sua maioria, estudam exclusivamente com o objetivo de um dia poderem ensinar e escrever. Assim, sua cabeça é semelhante a um estômago e a um intestino dos quais a comida sai sem ser digerida. Justamente por isso, seu ensino e seus escritos têm pouca utilidade. Não é possível alimentar os outros com restos não digeridos, mas só com o leite que se formou a partir do próprio sangue.

A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios. Da mesma maneira, a erudição consiste num adorno com uma grande quantidade de pensamentos alheios, que evidentemente, em comparação com os fios provenientes do fundo e do solo mais próprios, não assentam de modo tão natural, nem se aplicam a todos os casos ou se adaptam de modo tão apropriado a todos os objetivos, nem se enraízam com firmeza, tampouco são substituídos de imediato, depois de utilizados, por outros pensamentos provenientes da mesma fonte.

Diletantes, diletantes! Assim os que exercem uma ciência ou uma arte por amor a ela, pelo seu deleite, são chamados com desprezo por aqueles que se consagram a tais coisas com vistas ao que ganham, porque seu objeto dileto é o dinheiro que têm a receber. Esse desdém se baseia na sua convicção desprezível de que ninguém se dedicaria seriamente a um assunto se não fosse impelido pela necessidade, pela fome ou por uma avidez semelhante. O público possui o mesmo espírito e, por conseguinte, a mesma opinião: daí provém seu respeito habitual pelas “pessoas da área” e sua desconfiança em relação aos diletantes. Na verdade, para o diletante, ao contrário, o assunto é o fim, e para o homem da área como tal, apenas um meio. No entanto, só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe dele com amor. É sempre de tais pessoas, e não dos assalariados, que vêm as grandes descobertas.

O grande público culto busca viver bem e se distrair, por isso deixa de lado o que não é romance, comédia ou poesia. Para, excepcionalmente, chegar a ler algo com o objetivo de se instruir, o público aguarda antes uma carta de recomendação com o selo daqueles que mais entendem do assunto, declarando que de fato se encontra ali um ensinamento válido. E os que mais entendem do assunto, supõe o público, são as pessoas da área. Ele confunde, assim, os que vivem de uma matéria com os que vivem para uma matéria, embora essas duas atividades raramente sejam exercidas pelos mesmos homens. Como Diderot já disse, em O sobrinho de Rameau, a pessoa que ensina a ciência não é a mesma que entende dela e a realiza com seriedade, pois a esta não sobra tempo para ensinar.

Em todo caso, o erudito alemão também é pobre demais para ser honesto e honrado. Por isso, as atividades de torcer, enroscar, acomodar-se e renegar suas convicções, ensinar e escrever coisas em que na verdade não acredita, rastejar, adular, tomar partidos e fazer camaradagens, levar em consideração ministros, gente importante, colegas, estudantes, livreiros, críticos, em resumo, qualquer coisa é melhor do que dizer a verdade e contribuir para o trabalho dos outros – são esses o seu procedimento e o seu método. Desse modo ele se torna, na maioria das vezes, um velhaco cheio de preocupações. Em consequência disso, na literatura alemã em geral e especialmente na filosofia, a deslealdade também se tornou tão predominante, que é de se esperar a chegada a um ponto no qual, sendo incapaz de enganar qualquer pessoa, ela não tenha mais nenhum efeito.

De resto, na república erudita ocorre o mesmo que nas outras repúblicas: todos amam um homem despretensioso que segue seu caminho com tranquilidade e não pretende ser mais esperto do que os outros. Eles se unem contra as cabeças excêntricas que oferecem perigo, tendo a seu lado a maioria (e que maioria!). Na república dos eruditos as coisas se passam, em geral, do mesmo modo que na república do México, onde cada um pensa somente nos seus benefícios próprios, procurando reconhecimento e poder para si, sem nenhuma consideração pelo bem comum, que com isso acaba sendo arruinado. Do mesmo modo, na república dos eruditos, cada um procura promover a si próprio para conquistar algum reconhecimento, e a única coisa com que todos estão de acordo é em não deixar que desponte uma cabeça realmente eminente, quando ela tende a se destacar, pois tal coisa representaria um perigo para todos ao mesmo tempo. Com isso, o modo como o todo da ciência é conduzido fica fácil de prever.

Entre os professores e os eruditos independentes existe, desde muito tempo atrás, um certo antagonismo, que talvez possa ser esclarecido pela comparação com aquele que existe entre os cães e os lobos. Os professores têm, pela posição que ocupam, grandes vantagens relativas ao reconhecimento por parte de seus contemporâneos. Em contrapartida, os eruditos independentes têm, pela posição que ocupam, grandes vantagens relativas ao reconhecimento por parte da posteridade, porque esse segundo tipo de reconhecimento exige, entre outras coisas muito mais raras, também um certo ócio e uma certa independência. Como demora muito para que a humanidade chegue a descobrir a quem ela deve conceder sua atenção, o professor e o erudito independente podem realizar seu trabalho paralelamente. De um modo geral, a forragem da cocheira dos professores é a mais apropriada para esses ruminantes. Em contrapartida, aqueles que recebem o seu alimento das mãos da natureza preferem o ar livre.

A maior parte de todo o saber humano, em cada um dos seus gêneros, existe apenas no papel, nos livros, nessa memória de papel da humanidade. Apenas uma pequena parte está realmente viva, a cada momento dado, em algumas cabeças. Trata-se de uma consequência sobretudo da brevidade e da incerteza da vida, mas também da indolência e da busca de prazer por parte dos homens. Cada geração que passa rapidamente alcança, de todo o saber humano, somente aquilo de que ela precisa. Em seguida desaparece. Segue-se, cheia de esperanças, uma nova geração que não sabe nada e tem de aprender tudo desde o início; de novo ela apanha aquilo que consegue ou aquilo de que pode precisar em sua curta viagem, depois desaparece igualmente. Assim, que desgraça seria para o saber humano se não houvesse a escrita e a imprensa! As bibliotecas são a única memória permanente e segura da espécie humana, cujos membros particulares só possuem uma memória muito limitada e imperfeita.

O saber humano se espalha para todos os lados, a perder de vista, de modo que nenhum indivíduo pode saber sequer a milésima parte daquilo que é digno de ser sabido. Sendo assim, as ciências adquiriram uma tal amplitude em suas dimensões, que alguém com a pretensão de realizar algum empreendimento científico deve se dedicar apenas a um campo muito específico, sem dar importância a todo o resto. Nesse caso, ele de fato se encontrará acima do vulgo em seu campo, no entanto será como qualquer pessoa em todos os outros. Além disso, torna-se cada vez mais comum hoje em dia o descuido com as línguas antigas, cujo aprendizado parcial de nada serve, contribuindo para a decadência geral da cultura humana. Com isso, frequentemente veremos eruditos que, fora de seu campo específico, são verdadeiras bestas.

Em geral, um erudito tão exclusivo de uma área é análogo ao operário que, ao longo de sua vida, não faz nada além de mover determinada alavanca, gancho ou manivela, em determinado instrumento ou máquina, de modo a conquistar um inacreditável virtuosismo nessa atividade. Também é possível comparar o especialista com um homem que mora em sua casa própria, mas nunca sai dela. Na casa, ele conhece tudo com exatidão, cada degrau, cada canto e cada viga, como, por exemplo, o Quasímodo de Victor Hugo conhece a catedral de Notre-Dame, mas fora desse lugar tudo lhe é estranho e desconhecido. Em contrapartida, a verdadeira formação para a humanidade exige universalidade e uma visão geral; portanto, para um erudito no sentido mais elevado, algo como um conhecimento enciclopédico da história. Mas quem quer se tornar um filósofo de verdade precisa reunir em sua cabeça as extremidades mais afastadas da vontade humana. Pois onde mais elas poderiam ser reunidas?

Espíritos de primeira categoria nunca se tornarão especialistas eruditos. Para eles, como tais, a totalidade da existência é que se impõe como problema, e é sobre ela que cada um deles comunicará à humanidade novas soluções, de uma forma ou de outra. Pois só pode merecer o nome de gênio alguém que assume como o tema de suas realizações a totalidade, aquilo que é grandioso, as coisas essenciais e gerais, e não alguém que dedica os esforços de sua vida a esclarecer qualquer relação específica de objetos entre si.

A abolição do latim como língua geral da erudição e, em contrapartida, a introdução do espírito pequeno-burguês nas literaturas nacionais foram um verdadeiro infortúnio para as ciências na Europa. Em primeiro lugar, porque só por meio da língua latina havia um público geral de eruditos europeus, ao qual cada livro publicado era dirigido diretamente. Agora o número de cabeças que realmente pensam e são capazes de julgar é tão pequeno em toda a Europa que se enfraquece infinitamente a sua atuação quando o alcance de suas ideias é dividido e compartimentado por fronteiras linguísticas.

As versões feitas por aprendizes literários, às quais os editores dão preferência, são um péssimo substituto para uma língua erudita geral. Por isso a filosofia de Kant, após um curto período de brilho, atolou-se no pântano da capacidade alemã de julgar, enquanto os fogos-fátuos da pseudociência de Fichte, Schelling e finalmente de Hegel desfrutam, sobre esse pântano, de sua vida fugaz. Por isso a doutrina das cores de Goethe não encontrou aprovação. Por isso não me deram atenção. Por isso a nação inglesa, tão intelectual e capaz de julgar, ainda agora é degradada pela beataria e pela mais vergonhosa tutela clerical. Por isso, falta à física da França o apoio e o controle de uma metafísica digna e suficiente. E diversos outros exemplos poderiam ser mencionados.

Além do mais, a essa grande desvantagem está ligada uma segunda, ainda maior: o fim do aprendizado das línguas antigas. Basta notar o descuido com elas na França e mesmo na Alemanha. Já na década de 1830 a 1840, o Corpus juris foi traduzido para o alemão, o que constitui um símbolo inegável da penetração da ignorância na base de toda a erudição, isto é, na língua latina, portanto um símbolo da barbárie. Agora o processo chegou tão longe, que autores gregos, ou mesmo latinos, são publicados com notas em alemão, o que não passa de uma baixeza e de uma infâmia.

O verdadeiro motivo disso (seja qual for a desculpa dos editores) é que o responsável pela publicação não sabe mais escrever em latim, e a amável juventude o acompanha com prazer no caminho da preguiça, ignorância e barbárie. Eu tinha a expectativa de ver esse procedimento ser repreendido como merecia nas revistas literárias, mas me surpreendi ao ver que ele foi recebido sem censura alguma, como se fosse perfeitamente aceitável. Isso mostra que os críticos também são uns ignorantes. Assim, de modo geral, a mais despudorada infâmia sente-se inteiramente em casa na literatura alemã.

Considerando uma vulgaridade especial, que agora se insinua como uma prática cada dia mais habitual, preciso censurar ainda o fato de que, nos livros científicos e em jornais propriamente eruditos, até mesmo nos que são publicados por academias, passagens de autores gregos e latinos são traduzidas para o alemão. Que desgraça! Os senhores escrevem para sapateiros e alfaiates? Acho que sim, e isso para “comercializar” bastante. Então permitam-me observar respeitosamente que os senhores são, em todos sentidos, sujeitos vulgares. Tenham mais honra e deixem os ignorantes sentirem sua inferioridade, em vez de fazer cortesias às suas carteiras.

Se chegamos a tal ponto, então adeus humanidade, gosto nobre e sentido elevado! A barbárie retornou, apesar das ferrovias, da eletricidade e dos balões voando pelos ares. Finalmente perdemos, com isso, uma vantagem de que todos os nossos antepassados tiraram proveito. Ou seja, não é só a antiguidade romana que nos abre as portas para o latim, mas também a Idade Média inteira, em todos os países europeus, assim como do século passado. Desse modo, por exemplo, Scotus Erigenes no século IX, John Salisbury no XII, Raimundo Lullus no XIII, junto com centenas de outros autores, dirigem-se a mim diretamente na língua que consideravam natural e própria, sempre que pensavam em assuntos científicos. Por isso, ainda hoje eles se encontram muito próximos de mim: estou em contato direto com eles e verdadeiramente os conheço.

Contudo, como seria se cada um deles tivesse escrito na língua de seu país, seguindo o estágio em que ela se encontrava na sua época? Seria impossível para mim entender sequer a metade dos seus textos, e um contato espiritual com tais autores se tornaria impossível. Eu os veria como silhuetas no horizonte distante, ou então pelo telescópio de uma tradução. Foi para evitar isso que, como declara expressamente, Bacon de Veralam traduziu ele mesmo seus ensaios para o latim, com o título de Sermones Fideles.

Deve ser mencionado aqui, só de passagem, o fato de que o patriotismo, quando tem a pretensão de se fazer valer no reino das ciências, não passa de um acompanhante indecente, do qual é preciso se livrar. Quando se trata de questões puras e gerais da humanidade e quando a verdade, a clareza e a beleza devem ser os únicos critérios, o que pode ser mais impertinente do que a tentativa de pôr na balança a preferência pela nação à qual certa pessoa pertence e, em nome desse privilégio, ou cometer uma violência contra a verdade, ou uma injustiça contra os grandes espíritos de nações estrangeiras para destacar espíritos inferiores da própria nação? No entanto, encontramos exemplos dessa vulgaridade todos os dias, entre os escritores de todas as nações europeias. Esse traço foi satirizado por Iriarte na trigésima terceira de suas ótimas fábulas literárias.

A melhora da qualidade dos estudantes, às custas de sua quantidade já exagerada, deveria ser determinada por lei: Nenhum deles teria permissão para frequentar a universidade antes de completar vinte anos, idade em que passaria por um examen rigorosum nas duas línguas antigas antes de fazer a matrícula. Com isso, todavia, o estudante seria liberado do serviço militar e obteria suas primeiras doctarum praemia frontium [recompensas das frentes doutas]. Um estudante tem muita coisa para aprender, por isso não pode estragar um ano ou mais de sua vida com o manuseio de armas, um trabalho tão heterogêneo em relação ao seu. Sem contar que essa atividade arruína o respeito que todo iletrado, seja ele quem for, do primeiro ao último, deve ao erudito. Por meio da isenção natural do serviço militar para a classe erudita, os exércitos não seriam prejudicados; diminuiria apenas o número de maus médicos, maus advogados e juízes, professores escolares ignorantes e charlatães de todo tipo. Pois é certo que cada momento da vida de soldado exerce efeito desmoralizante sobre o futuro erudito.

Deveria ser determinado por lei que todos os estudantes universitários, no primeiro ano, fizessem exclusivamente os cursos da faculdade de filosofia, e antes do segundo ano não tivessem permissão para assistir aos das três faculdades superiores. Em seguida, os teólogos teriam de dedicar dois anos a esses cursos, os juristas, três, os médicos, quatro. Em contrapartida, nos ginásios, o ensino poderia ser limitado a línguas antigas, história, matemática e alemão, com um estudo especialmente aprofundado das línguas antigas. Em todo caso, como o talento para a matemática é algo muito especial e próprio, que não corre paralelamente às outras capacidades mentais, nem tem nada em comum com elas, deveria valer para a aula de matemática uma classificação específica dos alunos. Desse modo, alguém que frequentasse nas outras matérias a primeira turma poderia fazer parte da terceira no curso de matemática, sem nenhum prejuízo. Assim cada um poderia aprender de maneira proveitosa, segundo a medida de suas capacidades.

Como os professores se preocupam mais com a quantidade dos estudantes do que com sua qualidade, é certo que eles não apoiarão tais propostas, e o mesmo vale para a seguinte: as promoções a professor [Promotionen] deveriam ser feitas gratuitamente, para que a dignidade de doutor, desacreditada pelo afã de lucro dos professores, voltasse a ser uma honra. Para isso, os doutores deveriam ser dispensados dos exames estatais.

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O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...