A banalização do
termo “genocida” é um ultraje às vítimas
Por MÁRIO ROSA, Poder360
Este artigo, antes de
tudo, é um tributo à memória de seres humanos que foram vítimas de um crime denominado
e definido minuciosamente pela Organização das Nações Unidas.
Um crime contra a
humanidade. Um crime hediondo, cujos perpetradores e seus regimes asquerosos
não são nada menos do que monstros. Genocidas que massacraram milhões de
pessoas ao longo da história. Este texto é para nos lembrarmos deles e de todo
o seu martírio. Pessoas como Anne Frank, a judia vítima do holocausto nazista;
o avô de Sosso Amiraliam, um dos 1,5 milhão de massacrados no genocídio
armênio; Bobk Tamapa Biktopibha, uma das quatro milhões vítimas dizimadas no
Holodomor, sob o jugo de Stalin.
Virou modinha agora no
Brasil chamar os inimigos, sobretudo de direita, de “genocida”. Mas o que está
faltando mesmo é respeito! Não respeito aos atacados. Respeito aos milhões e
milhões que padeceram diante dessas brutalidades, ao longo da História.
O substantivo
“genocídio” e do adjetivo “genocida” não podem ser utilizados como uma mera
ênfase retórica para criticar políticos ou correntes que esses ou aqueles
deploram. Genocidas são monstros e genocídios são monstruosidades, crimes
contra a humanidade, qualificados de forma bem categórica pela ONU.
Qualquer um tem o
direito de odiar um político, de detestar um líder, de desejar a ele que tenha
os piores infortúnios, de querer se livrar dele, de não querer vê-lo de jeito
nenhum, de sentir azia só de imaginar a sua imagem, de trabalhar noite e dia
para que seu governo acabe, de protestar, de vaiar, de falar mal dele ou dela.
Isso tudo é do jogo democrático. Mas utilizar a palavra “genocida” não é algo
que menospreza o alvo da ofensa. Menospreza as vítimas dessa selvageria,
menospreza a magnitude dessa barbaridade, menospreza a dimensão maligna desse
crime e, pior de tudo, suaviza, atenua, anistia historicamente os monstros que
praticaram esses crimes contra a humanidade.
Sim, porque quando o
crítico enfurecido chama o ex-presidente Trump de “genocida”, por tabela, ele
está dizendo que Adolf Hitler e o nazismo são uma espécie de Trump. Ele está
dizendo para as novas gerações que o presidente americano que reconheceu
Jerusalém como capital de Israel e que não entrou em nenhuma guerra durante seu
mandato é “igual” a Hitler, Hitler que criou uma máquina de extermínio de mais
de seis milhões de judeus, homossexuais, ciganos, negros, “comunistas” e eslavos,
sistematicamente assassinados em campos de concentração.
É preciso –urgentemente– dar o nome às coisas como elas são: não! Hitler
não foi uma espécie de Trump. Hitler não foi
uma espécie de Bolsonaro. Hitler não foi um presidente, por mais que alguém que
odeie Trump, que presidiu uma democracia, por mais que alguém odeie Bolsonaro.
Hitler e o nazismo foram
uma besta fera descomunal, uma monstruosidade, uma aberrarão, criminosos contra
a humanidade. E quando se iguala ele a políticos convencionais, por menos que
se goste deles, o que se está fazendo é uma redenção de Hitler, do Nazismo e
uma afronta aos seis milhões de inocentes que foram eliminados por um regime
desumano.
“Em 1946, a Assembleia
da ONU definiu Genocídio como sendo ‘a recusa do direito à existência de
inteiros grupos humanos (…) um delito do direito dos povos, em contraste com o
espírito e os objetivos das Nações Unidas, delito que o mundo civil condena’, e
determinou um projeto de Convenção para tratar do assunto. O projeto foi
aprovado pela Assembleia Geral, em 09 de dezembro de 1948, e definiu o crime de
Genocídio em seu artigo 2º da seguinte forma:
Artigo II – Na presente
Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com
a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial
ou religioso, enquanto tal:
(a) assassinato de
membros do grupo;
b) dano grave à
integridade física ou mental de membros do grupo;
c) sujeição intencional
do grupo a condições de vida pensadas para provocar sua destruição física total
ou parcial;
(d medidas destinadas a
impedir os nascimentos no seio do grupo;
(e) transferência à
força de crianças do grupo para outro grupo.”
Por favor, você pode
odiar o presidente Bolsonaro, pode achar que ele deve ser derrubado, você pode
não suportar ver a cara dele no noticiário, pode sentir as piores sensações só
de ouvir a voz dele no ambiente onde estiver. Mas… genocida? Nem a mais
elástica interpretação do tipo criminal, definido pela ONU, pode ser
remotamente aplicada a qualquer coisa que o presidente da República jamais terá
feito.
Você pode ter horror a
ele e estar fulo da vida com a pandemia? Todo o direito! Mas culpá-lo por todas
as mortes? Não é justo, assim como o Brasil experimentou surtos de dengue e de
influenza na era Lula e Lula nunca foi nem poderá ser chamado de “genocida”. E
assim como também o rei Felipe não pode ser chamado de “genocida” porque a
Bélgica é o país com o maior número de mortes por milhão de habitantes, neste
momento.
Atenção, pelo amor de
Deus: genocida não é palavrão para xingar os outros! Genocida é um monstro
muito específico, é um psicopata fora do normal, fora de série, um assassino
industrial, um inimigo da humanidade, passível de ser condenado pelas Nações
Unidas. Muito cuidado com essa palavra. Não por causa do alvo que você pretende
atingir com ela. Mas pelas vítimas que foram dizimadas por esses criminosos.
Elas merecem, no mínimo, que a memória delas seja lembrada com a devida
reverência e a monstruosidade dos perpetradores das barbaridades que cometeram
não sejam banalizadas e verdadeiramente atenuadas, diminuídas, como se
“genocidas” fossem apenas políticos detestáveis por alguns. Não, genocidas são
monstros.
Genocidas pertencem a
uma categoria execrável de seres que ultrapassaram todos os limites. E quando
os comparamos mesmo a pessoas que alguns odeiam, o que estamos fazendo é
redimindo os genocidas e desprezando aqueles e aquelas que foram brutalizados
por eles. Xinguem, critiquem, odeiem quem vocês quiserem.
Mas alto lá com o uso da
palavra “genocida”. As vítimas dessas atrocidades e suas famílias, pelo menos,
merecem um mínimo de consideração.
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