Aspectos sobre a vida e acerca dos fundamentos humanísticos. Ênfase à explanação e à discussão das ideias, na busca do conhecimento. Relevo ao humanismo, base necessária para nossa época.
A MEDIOCRIDADE QUE NOS ENVOLVE
A frase abaixo extraí da coluna do João Luiz Mauad, mas é como se eu a houvesse falado.
“O objetivo da vida não é estar do lado da maioria, mas escapar das fileiras dos insanos”. Marcus Aurelius
Sobre
isto, ainda, José Ingenieros, em seu antológico livro "O Homem
Medíocre", escreve que os homens medíocres são rotineiros, honestos,
mansos; pensam com a cabeça dos outros, partilham da hipocrisia moral
alheia e ajustam seu caráter às domesticidades convencionais. Assim, a
mediocridade é mais contagiosa que o talento e os rotineiros raciocinam
com a lógica dos outros, tornando-se dóceis à pressão do conjunto,
maleáveis sob o peso da opinião pública que os aplaina, sendo reduzidos a
sombras inúteis e vivendo do critério alheio.
Creio ser um bom tema para pensarmos no final de semana.
O HORIZONTE E NÃO APENAS O PONTO
Concordo com tudo o
Kanitz escreve no texto abaixo, mas tanto ele, assim como os demais
analistas, têm focado apenas em Dilma as críticas, o quê está errado. A
visão do problema deve, sempre, ser estendido ao PT como um todo e,
especialmente, a LULLA que domina completamente a seita, tanto que se
ele faltar, acaba o petismo, pois não alguém com carisma e força para
levar adiante as falácias ditas diuturnamente pelos asseclas que o
compõem. Dilma é uma coitada, empoderada artificialmente para um momento
da vida partidária e nacional, cometendo, sim, os desmandos e arrotando
os seus azedumes próprios da prepotência que lhe acomete, mas apenas
uma peça desajustada na engrenagem do PT.
Se
apedrejá-la pensamos resolver, então o façamos, sem esquecer,
entretanto, de voltar os olhos para o núcleo incompetente, enganoso e
criminoso de onde ela provém.
______________________________ ______________________________ __
A+ADMINISTRAÇÃOPOLÍTICA— 11 March 2015
30 1 22 0 0
Dilma já brigou com praticamente todo mundo, uma constante na sua vida
Nossa constituição foi elaborada por advogados legalistas, não por engenheiros, contadores, administradores e auditores.
E
de forma legalista decidiram que um Presidente só pode ser deposto se
fizer algo contra a lei, não por incapacidade objetiva de governar.
Numa
empresa, ao contrário, uma assembleia extraordinária de acionistas já
teria sido convocada e a Dilma demitida, por falta de condições
objetivas de liderar a empresa, apesar de ela ter sido eleita pelo
Conselho de Administração.
Na
democracia inglesa, também existe o recurso do Voto de Confiança, ou
Voto de Desconfiança, onde a qualquer momento os representantes do povo
podem destituir uma Dilma, por ela ter perdido a confiança de 80% dos
brasileiros segundo pesquisas atuais, o que não é impeachment por alguma
irregularidade.
É uma simples constatação de perda de condições objetivas de liderar uma nação, e o perigo que esta situação pode causar.
Vejamos as condições objetivas da Dilma de governar.
Dilma, como alertei em 2011 http://blog.kanitz.com. br/mcgregor-ultrapassada/ usa
a teoria administrativa ultrapassada chamada Teoria X, um estilo
briguento de conseguir as coisas. Ninguém a obedece porque tem valores
alinhados, e sim porque temem o gênio dela.
Dilma já brigou com praticamente todo mundo, uma constante na sua vida por sinal.
Brigou
com seu marido, de quem se separou, e que poderia agora lhe dar suporte
emocional e carinho, acalmar esta pilha de nervos que ela demonstra a
cada discurso.
Brigou com a mãe, a quem nunca mencionou em nenhum de seus discursos, que mostra outro problema pessoal.
Brigou com seu meio irmão, que ela inclusive enganou quanto à divisão da herança do paihttp://www.novinite.com/ view_news.php?id=120755.
Brigou com seu mentor Brizola, traindo o PDT, e se juntou ao PT que a odeia.
Brigou com seu eleitor Lula, a quem disse “não lhe devo mais nada”, e que está agora tramando contra a sua “mal” criada.
Brigou com seu Ministro Guido Mantega, que não fala mais com ela.
Brigou
com Henrique Meirelles, o mentor da política econômica de Lula, e que
deveria ter sido o seu Ministro da Fazenda e a Dilma não quis saber, e
deu no que deu.
Brigou com a Marta Suplicy, que só fala mal da Dilma, de uma forma que só uma mulher sabe fazer.
Brigou com a Globo, a emissora que sempre é chapa branca, pode?
Brigou com o líder do Congresso, Eduardo Cunha, que quer um impeachment a todo custo.
Brigou com seu vice, Michel Temer, e o Partido que a apoia.
Brigou com alas inteiras de seu Partido dos “Trabalhadores”, achando que o Partido agora é dela.
Dá para brigar com ainda mais pessoas do que isto?
Como a personalidade da Dilma:
Brigou com o Líder do Senado, Renan Calheiros.
Brigou com as empresas do Setor Elétrico.
Brigou com as empresas do Setor de Educação.
Brigou com o setor de Álcool, hoje quebrado.
Brigou com o setor Agrícola.
Brigou com os caminhoneiros de todo o Brasil.
Brigou com o Ministério Público, justo quem.
Brigou com todo o sistema capitalista, que seu Marxismo século XIX odeia.
Brigou com a classe média, que agora externa sua insatisfação sempre que há oportunidade.
Dilma
tem um sério problema pessoal, não resolvido pelo jeito, que lhe tirou
as condições objetivas de ser a Presidenta do Brasil.
Sua única alternativa é brigar consigo mesmo, ou seja, renunciando.
Mas
como ela acha que seria uma derrota do feminismo, eu temo que ela vá
até o fim. Autocrítica ela não tem. Que economista tem por sinal, eles
sempre estão certos, nunca erram.
Faltou-lhe
bom senso, carisma, honestidade, humildade, vamos ser sinceros,
faltou-lhe capacidade de liderança, que ela nunca teve.
Em
nome de seu pai, em nome do país que abriu as portas para um refugiado
búlgaro, em nome de um povo fraterno e solidário que permitiu a seu pai e
a você vida nova, não destrua ainda mais o país que recebeu a sua
família de refugiados.
Você já se revelou uma persona non grata com
a classe dominante que permitiu a Família Rusev paz e tranquilidade, ao
pegar em armas, assaltar bancos e joalheiros brasileiros, querendo
derrubar aqueles que deram à sua família guarida.
Caso
V.Exma. decida pedir desculpas a todos que a elegeram, no seu discurso
cite pela primeira vez a sua mãe, o seu pai, o seu irmão, e agradeça os
quatrocentões brasileiros e a elite dominante que abriu as portas para
emigrantes como a sua família.
Não destrua com suas constantes brigas o país que lhe acolheu.
Perceba
que você perdeu sua capacidade de liderança, e mais, que você nunca
deveria ter aceitado aquele convite do Lula, você colocou a sua ambição
acima da sua capacidade de cumprir o prometido.
Pense, se isto é possível.
O FILHO DE DEUS (NOVAMENTE)
Em
2009, produzi os textos abaixo, relativos ao lançamento do filme sobre
LULLA e pago com dinheiro da ... Odebrecht, claro! Mas, além de dar
saliência a quem escreve o texto, cujo perfil está ao final, fiz questão
de salientar o texto em vermelho para, novamente, SALIENTAR o espectro
psicológico e comportamental de quem era o Presidente da República
brasileira e ainda é o fator dominante do desgoverno petista e
organizador profícuo, para o submundo, não é mesmo?!, da corrupção que
se instalou institucionalmente, segundo o operador dela, Barusco, o
cínico. Nesse espectro está caracterizada a imoralidade do instintivo
comportamento animalesco de LULLA, persistente até hoje, segundo se sabe
por aí. Sim, LULLA, aquele que em outros tempos, rogava aos dirigentes
do seu sindicato que lhe indicassem "alguma viuvinha carente" de algum
sindicalista morto.
Faço
isto pelo dever que todos temos em manter vivas essas informações, sem
deixar no esquecimento fatos degradantes de figuras humanas sem caráter,
embora poderosas.
______________________________ ________________
(produzido em dezembro de 2009)
Sugiro a leitura do texto de César que
relata aspectos do seu aprisionamento político. Peço a especial atenção ao
trecho intermediário, na cor vermelha, a do PT, que eviscera o real perfil do
nosso presidente. Conhecendo este texto, mais o que sabemos da vida dele, por
palavras mal pronunciadas, aqui e ali, por escritos da imprensa, por imagens
que vazam na internete, consolida-se o que sabemos ser a necessidade de
"limpar" esse histórico com, por exemplo, um filme comprado, pela
participação de empresas públicas e privadas, mas favorecidas em generosos
contratos, no financiamento da produção filmográfica.
Enfim, o "pão e o circo" estão
aí, numa reprodução milenar, para o obscurecimento da visão crítica do
populacho.
______________________________ ___________________________
ANÁLISE
Os filhos do Brasil
Os filhos do Brasil
CÉSAR BENJAMIN
ESPECIAL PARA A FOLHA
A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.
Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma togatroncha de senador romano.
Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".
Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.
Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.
Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.
Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.
Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.
Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.
Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas noTalavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.
Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.
Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.
Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.
Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.
ESPECIAL PARA A FOLHA
A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.
Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma togatroncha de senador romano.
Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".
Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.
Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.
Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.
Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.
Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.
Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.
Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas noTalavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.
Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.
Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.
Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.
Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.
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São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossacampanha.
Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.
Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.
Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza ( segurança de Lula) e
outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome
também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não
é Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?"
"Alguns anos...", desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula
continuou: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta".
Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos.
Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.
O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.
São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossacampanha.
Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.
Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.
Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (
Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos.
Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.
O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.
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Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.
Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.
Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.
A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.
O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.
Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.
CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.
Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.
Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.
Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.
A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.
O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.
Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.
CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.
MODO PETISTA DE OPERAR
Goste-se,
ou não, de Maia, eis aqui um depoimento dele, escrito no seu blog e,
por isto mesmo confiável, pois ele não mentiria publicamente e desta
forma sobre um fato já esquecido. O relato corrobora o modo de operar do
petismo: atentados, assassinatos, dossiês de desconstrução pessoal dos
adversários, compra de consciências (mensalão, petrolão, eletrolão, etc)
e a mentira generalizada, nos moldes "gobbelianos".
Benhur
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LAVA-JATO: AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA!
1. Em março de 2005, o prefeito Cesar Maia foi chamado com urgência ao gabinete de um ministro de Lula que o conhecia há muitos anos. O ministro pediu que ele passasse para a sala ao lado, que um assessor seu lhe daria uma informação importante. O assessor, com muita objetividade, disse que estaria havendo uma reunião no Palácio do Planalto coordenada pelo ministro José Dirceu.
2. Participavam dessa reunião: Lula e os ministros José Dirceu, Palocci (Fazenda) e Humberto Costa (Saúde). Dirceu, municiado por pesquisa do IBOPE, mostraria que a vitória, no primeiro turno, de Cesar Maia em 2004 havia lhe dado exposição nacional. E que o PFL tinha aproveitado para apresentá-lo nos comerciais do partido na TV, em fevereiro.
3. A pesquisa para presidente no ano seguinte (2006) mostrava Lula na frente, mas Cesar Maia já vinha abrindo em segundo lugar, ultrapassando Alckmin e Garotinho. Era necessário interromper essa ascensão. Para isso, Dirceu apresentou um decreto para Lula assinar, fazendo uma intervenção na Saúde no Rio, incluindo hospitais municipais. E que a imprensa já estava sendo mobilizada.
4. O prefeito Cesar Maia retornou imediatamente ao Rio e se dirigiu ao Palácio da Cidade. Ao chegar, a TV Globo já o esperava na base da escadaria e perguntava sobre o decreto de intervenção que sairia no dia seguinte. No sistema de Saúde do Rio, o único que funcionava e dava sustentação aos demais (estadual e federal) era o da prefeitura.
5. Foi feita a intervenção com toda a coreografia e fogos de artifício. Uma intervenção tão absurda que a prefeitura e o PFL recorreram ao STF contra tamanha arbitrariedade, caracterizando o ato como inconstitucional. O procurador geral do município, Julio Horta, e o ex-ministro do STF Paulo Brossard ofereceram os argumentos. O STF decidiu por 11 x 0 contra o decreto de Lula. E a intervenção nos hospitais municipais foi cancelada.
6. Ao ler nos sites e jornais da noite desta sexta (06) e em toda a imprensa no dia seguinte (07) na lista do Lava-Jato os nomes de José Dirceu, Antonio Palocci e Humberto Costa, e o de Lula que tinha conhecimento da sórdida operação, o ex-prefeito Cesar Maia reagiu de bate-pronto: Aqui se Faz, Aqui se Paga.
1. Em março de 2005, o prefeito Cesar Maia foi chamado com urgência ao gabinete de um ministro de Lula que o conhecia há muitos anos. O ministro pediu que ele passasse para a sala ao lado, que um assessor seu lhe daria uma informação importante. O assessor, com muita objetividade, disse que estaria havendo uma reunião no Palácio do Planalto coordenada pelo ministro José Dirceu.
2. Participavam dessa reunião: Lula e os ministros José Dirceu, Palocci (Fazenda) e Humberto Costa (Saúde). Dirceu, municiado por pesquisa do IBOPE, mostraria que a vitória, no primeiro turno, de Cesar Maia em 2004 havia lhe dado exposição nacional. E que o PFL tinha aproveitado para apresentá-lo nos comerciais do partido na TV, em fevereiro.
3. A pesquisa para presidente no ano seguinte (2006) mostrava Lula na frente, mas Cesar Maia já vinha abrindo em segundo lugar, ultrapassando Alckmin e Garotinho. Era necessário interromper essa ascensão. Para isso, Dirceu apresentou um decreto para Lula assinar, fazendo uma intervenção na Saúde no Rio, incluindo hospitais municipais. E que a imprensa já estava sendo mobilizada.
4. O prefeito Cesar Maia retornou imediatamente ao Rio e se dirigiu ao Palácio da Cidade. Ao chegar, a TV Globo já o esperava na base da escadaria e perguntava sobre o decreto de intervenção que sairia no dia seguinte. No sistema de Saúde do Rio, o único que funcionava e dava sustentação aos demais (estadual e federal) era o da prefeitura.
5. Foi feita a intervenção com toda a coreografia e fogos de artifício. Uma intervenção tão absurda que a prefeitura e o PFL recorreram ao STF contra tamanha arbitrariedade, caracterizando o ato como inconstitucional. O procurador geral do município, Julio Horta, e o ex-ministro do STF Paulo Brossard ofereceram os argumentos. O STF decidiu por 11 x 0 contra o decreto de Lula. E a intervenção nos hospitais municipais foi cancelada.
6. Ao ler nos sites e jornais da noite desta sexta (06) e em toda a imprensa no dia seguinte (07) na lista do Lava-Jato os nomes de José Dirceu, Antonio Palocci e Humberto Costa, e o de Lula que tinha conhecimento da sórdida operação, o ex-prefeito Cesar Maia reagiu de bate-pronto: Aqui se Faz, Aqui se Paga.
O TEMPO QUE ENCURTOU
É!
Foi-se o tempo, e a escrita do Prata mostra isso que todos sentimos.
Não porque sejamos velhos, pois também os jovens sentem essa rapidez dos
ponteiros. São os modos de vida que levamos, dando mais atenção à
superfície e menos, muito menos!, à profundidade, aos conteúdos e
conceitos e ao sentido daquilo que vivemos.
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Uma crônica sobre o tempo
Crônica de Antonio Prata publicada na revista Wish e traduzida pela Folha.__________
O bem mais valioso
de nossa época não é o diamante, o petróleo ou a fórmula da Coca-cola: é
o tempo. Obedecendo à lei da oferta e da procura, quanto mais escasso
ele fica, mais caro nos é. A seca temporal é geral e irrestrita, tão
democrática quanto a calvície, a saudade e a morte: eu não tenho tempo,
você não tem tempo, o Eike Batista não tem tempo, o cara que está
vendendo bala no farol, em agônica marcha atlética para recolher os
saquinhos dos retrovisores, antes que abra o sinal, também não tem. Como
vocês devem saber, o principal sintoma desta doença crônica – sem
trocadilho – é a ansiedade. Toda manhã, flagro-me aflito, escovando os
dentes com pressa. Vejo-me batendo os pés no hall, enquanto o
elevador não chega. Até o segundo que o cursor do celular leva para
piscar, num SMS, permitindo-me digitar outra letra da mesma tecla,
deixa-me exasperado.
Antigamente, não era assim.
Na minha infância, os dias tinham 30 horas, alguns chegando mesmo a 40,
se bem me lembro. Não, não é que eu faça hoje mais coisas do que antes.
Já pensei nisso, mas veja só quantas obrigações eu tinha no passado:
cinco horas na escola, lição de casa, inglês, bateria, natação, jantar
com os pais, toda noite, sem contar os séculos ao vivo ou ao telefone
tentando convencer alguma menina a beijar-me na boca. E, mesmo assim,
ainda sobravam infinitos latifúndios improdutivos, impossíveis de se
ocupar, por mais que assistisse televisão, tirasse cochilos vespertinos,
lesse livros, fosse às casas dos amigos jogar videogame, falar mal dos
outros ou simplesmente juntar nossos tédios, olhar as paredes e escutar o
tic-tac dos relógios. Das duas, uma: ou as horas eram mais abundantes
do que hoje, ou, então, tinham uma incrível capacidade regenerativa, que
perderam: a cada duas ou três horas mortas, uma nova hora nascia,
fresquinha, como as células de uma pele jovem.
Acho que foi lá pelo ano 2000 que
e o dia começou a encolher, chegando a essas míseras 24 horas – com
sensação térmica de 16. Talvez tenha sido esse o verdadeiro bug
do milênio: na virada de noventa e nove para o zero zero, todos os
ponteiros, vendo-se livres do velho milênio e admirando o vazio que se
abria adiante, como um retão num circuito de fórmula um, resolveram
meter os pés no acelerador, de modo que acabamos assim, espremidos entre
prazeres e obrigações, aflitos, escovando os dentes com pressa, andando
em círculos no hall do elevador. Há quem diga que a culpa é da
melhora das comunicações e, consequentemente, do envio de dados. Com a
informação viajando tão rápido, desaprendemos a arte da espera.
Antigamente, aguardar era normal. Estávamos sempre esperando alguma
coisa chegar. Uma carta, pelo correio. Um disco, do exterior. Uma foto,
um texto ou um documento, via portador. Esses hiatos eram tidos como
normais, uma brecha saudável, pausa para o cigarro ou o café, a prosa, a
leitura de uma revista, o devaneio, a conversa na janela, a morte
da bezerra. Hoje, não. Tá tudo aqui, e, se não está, nos afligimos.
Queremos o pássaro na mão e os dois voando.
Enquanto não descobrimos
a cura para este mal, a única saída é aprender a lidar com ele. Há que
cercar com muros altos certas horas do relógio, para que nada as possa
roubar de nós. Fazer diques de pedra em torno da hora de ficar com nosso
amor, da hora de trabalhar no projeto pessoal, da hora do esporte, de
ler um livro, encontrar um amigo. Mesmo assim, vira e mexe, vêm as
obrigações, como um tsunami, ou os eventos sociais, como meteoros, e
derrubam as barragens. Não há nada a fazer, senão reconstruir os muros,
ainda mais fortes do que antes. Você sente a mesma coisa, ou sou só eu?
Talvez seja só eu. Quem sabe, numa manhã de terça-feira, lá por 1998, eu
tenha perdido a hora, para nunca mais voltar a encontrar? Ficarei
assim, 30 minutos atrás do resto do mundo, tentando alcançá-lo,
ininterruptamente, como quem corre atrás de um trem, até o fim dos
tempos.
"COMPLEXO INDUSTRIAL DA CENSURA"
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A nossa vida é plena de fatos ininteligíveis, quando pensamos gentil e ingenuamente sobre eles. Mas, como devemos, sempre, saber sobre a e...
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Quando falamos de Democracia, sempre inflectimos nosso pensamento para a liberdade total, o campo onde ocorrem os debates e as boas ideias...
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O texto abaixo foi extraído do saite da SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS ESPÍRITAS, www.sbee.org.br , e por pensá-lo adequado ao momento, l...