É!
Foi-se o tempo, e a escrita do Prata mostra isso que todos sentimos.
Não porque sejamos velhos, pois também os jovens sentem essa rapidez dos
ponteiros. São os modos de vida que levamos, dando mais atenção à
superfície e menos, muito menos!, à profundidade, aos conteúdos e
conceitos e ao sentido daquilo que vivemos.
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Uma crônica sobre o tempo
Crônica de Antonio Prata publicada na revista Wish e traduzida pela Folha.__________
O bem mais valioso
de nossa época não é o diamante, o petróleo ou a fórmula da Coca-cola: é
o tempo. Obedecendo à lei da oferta e da procura, quanto mais escasso
ele fica, mais caro nos é. A seca temporal é geral e irrestrita, tão
democrática quanto a calvície, a saudade e a morte: eu não tenho tempo,
você não tem tempo, o Eike Batista não tem tempo, o cara que está
vendendo bala no farol, em agônica marcha atlética para recolher os
saquinhos dos retrovisores, antes que abra o sinal, também não tem. Como
vocês devem saber, o principal sintoma desta doença crônica – sem
trocadilho – é a ansiedade. Toda manhã, flagro-me aflito, escovando os
dentes com pressa. Vejo-me batendo os pés no hall, enquanto o
elevador não chega. Até o segundo que o cursor do celular leva para
piscar, num SMS, permitindo-me digitar outra letra da mesma tecla,
deixa-me exasperado.
Antigamente, não era assim.
Na minha infância, os dias tinham 30 horas, alguns chegando mesmo a 40,
se bem me lembro. Não, não é que eu faça hoje mais coisas do que antes.
Já pensei nisso, mas veja só quantas obrigações eu tinha no passado:
cinco horas na escola, lição de casa, inglês, bateria, natação, jantar
com os pais, toda noite, sem contar os séculos ao vivo ou ao telefone
tentando convencer alguma menina a beijar-me na boca. E, mesmo assim,
ainda sobravam infinitos latifúndios improdutivos, impossíveis de se
ocupar, por mais que assistisse televisão, tirasse cochilos vespertinos,
lesse livros, fosse às casas dos amigos jogar videogame, falar mal dos
outros ou simplesmente juntar nossos tédios, olhar as paredes e escutar o
tic-tac dos relógios. Das duas, uma: ou as horas eram mais abundantes
do que hoje, ou, então, tinham uma incrível capacidade regenerativa, que
perderam: a cada duas ou três horas mortas, uma nova hora nascia,
fresquinha, como as células de uma pele jovem.
Acho que foi lá pelo ano 2000 que
e o dia começou a encolher, chegando a essas míseras 24 horas – com
sensação térmica de 16. Talvez tenha sido esse o verdadeiro bug
do milênio: na virada de noventa e nove para o zero zero, todos os
ponteiros, vendo-se livres do velho milênio e admirando o vazio que se
abria adiante, como um retão num circuito de fórmula um, resolveram
meter os pés no acelerador, de modo que acabamos assim, espremidos entre
prazeres e obrigações, aflitos, escovando os dentes com pressa, andando
em círculos no hall do elevador. Há quem diga que a culpa é da
melhora das comunicações e, consequentemente, do envio de dados. Com a
informação viajando tão rápido, desaprendemos a arte da espera.
Antigamente, aguardar era normal. Estávamos sempre esperando alguma
coisa chegar. Uma carta, pelo correio. Um disco, do exterior. Uma foto,
um texto ou um documento, via portador. Esses hiatos eram tidos como
normais, uma brecha saudável, pausa para o cigarro ou o café, a prosa, a
leitura de uma revista, o devaneio, a conversa na janela, a morte
da bezerra. Hoje, não. Tá tudo aqui, e, se não está, nos afligimos.
Queremos o pássaro na mão e os dois voando.
Enquanto não descobrimos
a cura para este mal, a única saída é aprender a lidar com ele. Há que
cercar com muros altos certas horas do relógio, para que nada as possa
roubar de nós. Fazer diques de pedra em torno da hora de ficar com nosso
amor, da hora de trabalhar no projeto pessoal, da hora do esporte, de
ler um livro, encontrar um amigo. Mesmo assim, vira e mexe, vêm as
obrigações, como um tsunami, ou os eventos sociais, como meteoros, e
derrubam as barragens. Não há nada a fazer, senão reconstruir os muros,
ainda mais fortes do que antes. Você sente a mesma coisa, ou sou só eu?
Talvez seja só eu. Quem sabe, numa manhã de terça-feira, lá por 1998, eu
tenha perdido a hora, para nunca mais voltar a encontrar? Ficarei
assim, 30 minutos atrás do resto do mundo, tentando alcançá-lo,
ininterruptamente, como quem corre atrás de um trem, até o fim dos
tempos.
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