ENTRE O ESPIRITUAL E O MATERIAL

Valorizei o texto abaixo por ser a concepção de um físico, formação que, normalmente, descrê de temas espirituais, embora numa linha de estudo muito próxima das questões transcendentais. O artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo e é de autoria de Marcelo Gleiser, brasileiro e professor de física teórica, nos Estados Unidos.

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Entre o espiritual e o material


O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção




EXISTIMOS NESSA FRONTEIRA, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual. Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.
Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto.
Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o senso do "eu".
Infelizmente, vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e, com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes crises sociais que podem terminar em atrocidades.
Vivemos numa época onde o materialismo acentuado -do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do agora antes do legado-, está por causar consequências sérias.
Lembro-me das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas": "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso".
Ele continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem.
Mas agora, que massas de pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente vazio".
O ponto é claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso, sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero, eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é mais importante do que o que você quer".
Claro, progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos.
Quando nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir -autocentrado- e esquecemos da comunidade.
A diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em 1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global.
Isso me deixa otimista.
Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta.
Olhamos para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em 1990.
O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.

ASPECTOS DA ESPIRITUALIDADE

Extraí do Instituto Humanitas Unisinos esta análise de uma das tendências espirituais do momento. O assunto é pertinente pois está contextualizado nas dúvidas do homem moderno, frente às questões transcedentais que influem sobre sua fé ou em relação à sua descrença.

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O Espiritismo. Um "neocristianismo"?

“O imaginário espírita-mediúnico da comunicação e a influência (benéfica ou maléfica) dos espíritos dos mortos por sobre a vida cotidiana, a crença na reencarnação e na relação determinante entre um ‘plano espiritual’ e a vida e o destino das pessoas está disseminada na população brasileira, inclusive nos adeptos das religiões majoritárias (em alguns casos em conflito com suas doutrinas) ou em indivíduos que não pertencem a um credo, se dizendo ‘espiritualistas’”. A observação é do antropólogo Marcelo Ayres Camurça, que concedeu por e-mail a entrevista que segue à IHU On-Line.

Segundo ele, o imaginário espírita promove um “encantamento do mundo” “onde seres espirituais e planos espirituais convivem e envolvem a dinâmica terrena, para em seguida operar um ‘desencantamento’ ou ‘desobrenaturalização’ desta realidade espiritual, ordenando-a a partir das ‘leis’ e padrões ético-morais, onde um ‘espírito’ é um indivíduo ‘encarnado’ ou ‘desencarnado’ que vive sua existência ora no plano material, ora no plano espiritual em direção ao seu aperfeiçoamento”.

E conclui: “onde outras religiões veem fatalidade e mistério, o espiritismo modernamente busca, na sua ontologia, nexos causais, ética e merecimento”.

Marcelo Ayres Camurça é antropólogo e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual o lugar do espiritismo dentro do campo religioso brasileiro hoje?

Marcelo Camurça - Segundo as estatísticas do último Censo de 2000, o espiritismo figura como a terceira religião brasileira (e o quarto agrupamento em termos de crença) atrás dos católicos com 73,8%, dos evangélicos com 15,45% e dos “sem religião” com 7,3%. Situando-se bem mais abaixo desta faixa mais representativa das adesões religiosas, ele conta com 2,3 milhões de adeptos, representando 1,4% da população. No entanto, sua influência e seu prestígio no universo de crenças e práticas religiosas dos brasileiros ultrapassam de longe sua presença numérica. O imaginário espírita-mediúnico da comunicação e a influência (benéfica ou maléfica) dos espíritos dos mortos por sobre a vida cotidiana, a crença na reencarnação e na relação determinante entre um “plano espiritual” e a vida e o destino das pessoas está disseminada na população brasileira, inclusive nos adeptos das religiões majoritárias (em alguns casos em conflito com suas doutrinas) ou em indivíduos que não pertencem a um credo, se dizendo “espiritualistas”. A frequência de indivíduos aos centros espíritas, em busca de aconselhamento e tratamento espiritual, ultrapassa em muito o número daqueles que declaram formalmente professar a doutrina espírita.

IHU On-Line - Como o espiritismo se situa dentro da perspectiva de religião e modernidade?

Marcelo Camurça - O espiritismo surge no século XIX em meio a correntes, como os esoterismos e a Teosofia, que buscavam conciliar religiosidade e cientificismo. Visava coletar provas científicas e racionais para a vida além da morte física. Sua cosmologia e sua teodiceia - o sentido da vida, do ser e do sofrimento - estão marcadas pelo evolucionismo científico, o darwinismo, e por “leis deterministas” como a da ação-reação, pelas quais o espírito imperfeito evoluiria para condições morais superiores.

É interessante notar como a revelação espírita (segundo a doutrina, a 3ª, depois da mosaica e da crística) é manifestada por um método científico e indutivo. Kardec, o codificador da doutrina (um pedagogo de formação), prepara um questionário de mil e dezoito perguntas aplicadas aos “espíritos” por intermédio de diversos médiuns e através de testes de acerto-erro, de provas e contraprovas, chegando-se às respostas verdadeiras e sábias dos espíritos superiores que vão compor o pilar da doutrina, o Livro dos Espíritos. O imaginário espírita promove um “encantamento do mundo” onde seres espirituais e planos espirituais convivem e envolvem a dinâmica terrena, para em seguida operar um “desencantamento” ou “desobrenaturalização” desta realidade espiritual, ordenando-a a partir das “leis” e padrões ético-morais, onde um “espírito” é um indivíduo “encarnado” ou “desencarnado” que vive sua existência ora no plano material, ora no plano espiritual em direção ao seu aperfeiçoamento.

Por isso, concordo com Anthony D’Andrea quando classifica o espiritismo como um “reencantamento racionalizado”. O espiritismo traz também outra característica da modernidade, que é a iniciativa do sujeito, o chamado individualismo moderno, pois através da noção de livre arbítrio o indivíduo encarnado no seu mundo terreno “de expiação e provas”, apesar do determinismo de sua “programação espiritual”, pode, através de suas ações, retardar ou avançar seu “progresso espiritual”. Enfim, onde outras religiões veem fatalidade e mistério, o espiritismo modernamente busca, na sua ontologia, nexos causais, ética e merecimento.

IHU On-Line - Qual a diferença entre catolicismo e espiritismo quando o assunto é caridade? O que motiva a ação social de católicos e de espíritas?

Marcelo Camurça - A caridade enquanto prática religiosa disseminada pelo catolicismo desde a Idade Média foi assumida como aspecto crucial da doutrina espírita com a consigna criada porKardec: “fora da caridade não há salvação!” Numa concepção da caridade enquanto desprendimento, doação de si para o outro desvalido, penso haver uma afinidade entre catolicismo e espiritismo, assim como uma distinção em relação à ideia protestante da crítica às “boas obras”, e da necessidade da “justificação pela fé” e do seguimento do “reto caminho” como uma via de salvação mais individualizante. Ainda nesta questão da doação ou autoaperfeiçoamento, no caso do espiritismo, penso haver uma conciliação entre a instância individual de autoaprimoramento e uma relação de doação para com os necessitados, pois, ao praticar a caridade (material ou moral), o espírita, mais que ajudando o outro, está somando bônus para seu próprio processo evolutivo.

IHU On-Line - O que fundamenta o espiritismo como uma religião cristã?

Marcelo Camurça - Essa é uma boa pergunta, que permite dirimir uma falsa ideia propalada por um certo “senso comum douto” que afasta o espiritismo de uma matriz cristã, apesar dele, à sua maneira, é certo, se reivindicar como tal, tendo inclusive entre suas obras doutrinárias um “Evangelho segundo o Espiritismo”.

Esta confusão, penso, deve-se ao fato do espiritismo enquanto “religião mediúnica” ser associado àquelas de matriz africana, ou por ter a ideia da reencarnação de origem hindu-budista entre suas crenças centrais, ou ainda pela acusação vinda da Igreja Católica no século XIX de que a “comunicação com os mortos” era prática de quiromancia, logo contrária à doutrina cristã. No entanto, no que tange à questão ético-moral, a doutrina espírita se baseia totalmente no Evangelho, e seus adeptos possuem uma “cultura do Evangelho” semelhante a dos protestantes, citando passagens e trechos deste nos seus estudos, aconselhamentos espirituais, assim como tomando-os como orientação para sua vida.

Para o espiritismo, Jesus Cristo é um “espírito superior”, o “governador” do planeta Terra, responsável pela evolução dos seres que por essa instância passam em direção a outros mundos espirituais mais evoluídos, e muitos dos seus “milagres” teriam uma explicação científica na chave dos padrões energéticos, vibratórios e mediúnicos. Por isso, seguindo a linha de Wulfhorst eDahmman e seu conceito de “movimentos neorreligiosos” como de “caráter reinterpretativo, inovador, completivo e atualizante da religião clássica”, classifico o espiritismo como um “Neocristianismo” pela sua capacidade de ressignificar um “veterocristianismo” (católico, ortodoxo, protestante), introduzindo nele conteúdos do léxico cientificista e evolucionista (energias, padrões vibratórios; a “alma” como “perispírito” etc.).

É sobre a religião cristã pré-existente que o espiritismo vai empreender sua reinterpretação, compreendendo-se como uma revelação que esclarece o cerne da mensagem do Cristo, o que o estágio anterior não era capaz de fazer. Através desse movimento reinterpretrativo, a história sagrada e as figuras santas do catolicismo, como São Luís, Santo Agostinho, etc., ou, no caso do Brasil, o padre Manuel da Nóbrega, são reapropriados pelo espiritismo como “espíritos mentores” que se manifestam do plano espiritual revelando a cosmologia evolucionista da doutrina espírita.

IHU On-Line - Como entender o dilema entre carma e terapia dentro do espiritismo?

Marcelo Camurça - Esta questão foi desenvolvida de uma forma mais completa por mim num artigo que intitulei Entre o cármico e o terapêutico: dilema intrínseco ao Espiritismo, onde aponto, dentro das concepções espíritas, uma tensão entre o lugar da doença como questão inexoravelmente moral subordinada à lei de causa-efeito (popularmente conhecida como carma), mas também o papel ativo de uma terapia objetiva no diagnóstico, tratamento e possível cura.

Penso que isto se deriva do perfil espírita da “cientifização do espiritual”, calcado em uma articulação bem engendrada entre “progresso moral” (dimensão filosófico-religiosa) e a realidade das “energias, fluidos e faixas vibratórias” (dimensão científica). Ou seja, a dimensão subjetiva, moral e psicológica do indivíduo está intrinsecamente ligada a faixas energéticas e vibratórias. Por isso, em caso de doença, o espiritismo atua nesta questão tanto por passes, tratamentos e operações espirituais, intervindo no fluido espiritual para reequilibrar as energias deste indivíduo, quanto pelo ensinamento moral e o “atendimento fraterno”, conscientizando este indivíduo que sua doença está ligada a sua evolução espiritual resultado de atos praticados em “encarnações” anteriores.

A contradição

Mas o problema é encontrarmos uma contradição (e não articulação) entre estas duas instâncias. E aí vem a pergunta: até que ponto o recurso às curas mediúnicas não comprometeria as responsabilidades ou obrigações no cumprimento das dívidas cármicas? Ou seja, se o carma foi programado espiritualmente, qual a finalidade da cura? Isto pode ser ilustrado por uma anedota que ouvi no meio espírita, que dizia que o polêmico médium Arigó disse a Chico Xavier que o seu espírito mentor, o Dr. Fritz, poderia curá-lo de sua doença no olho, ao que Chico respondeu que esta era uma doença cármica, a qual, necessariamente, reapareceria em outro lugar, e que ele já estava acostumado com ela e não ia querer uma doença nova. Acho que neste dilema explica-se a clivagem que sempre dividiu o movimento espírita entre aqueles chamados “científicos”, que atuariam em experimentos paracientíficos do inefável, buscando alargar a ciência materialista para uma ciência espiritual, no caso uma “medicina da alma” e aqueles chamados “religiosos”, que, através de uma hermenêutica do Evangelho e da codificação kardequiana, explicariam o infortúnio dos indivíduos e os exortariam à conduta moral elevada e à prática do bem como instrumento de evolução espiritual.

IHU On-Line - Quais as principais reflexões que podemos fazer ao contrapor os conceitos de ressurreição católica e reencarnação espírita?

Marcelo Camurça - Considero que as concepções da ressurreição católica e da reencarnação espírita estão balizadas pelas noções de Graça - a primeira - e Evolução - a segunda. Neste sentido, a configuração católica se expressa no que chamo de “religião de salvação”, regida pelo primado da “graça” e “misericórdia divina” como esferas constitutivas do processo de “salvação” do homem. A configuração espírita, por sua vez, se expressa no que denomino de “religião de aperfeiçoamento”, onde prevalece a iniciativa do ser em sucessiva evolução e autoaprendizado na direção da plena realização no “amor de Deus”.

Embora ambas as configurações contemplem na sua cosmologia teleológica as dimensões do “amor e da misericórdia” do Criador na remissão e no resgate de suas criaturas, aliada à liberdade de escolha entre o bem e o mal, a configuração da “salvação” enfatiza a iniciativa divina na redenção da falibilidade dos seres e a do “aperfeiçoamento” acentua a iniciativa dos seres, balizada pela lei de Deus, no seu processo de caminho de integração no divino. Portanto, as duas formas ou instrumentais com que as realidades humanas “agarram” o sentido último (o modelo da “salvação” e da “evolução”) diferem entre si enquanto modalidades, manifestações de se acercar do transcendente, cada uma com suas argumentações, coerência interna e questões de plausibilidade.

Na modalidade católica temos um percurso salvífico condensado e na espírita, dilatado, que, a despeito de suas diferenças profundas no terreno das coerências e plausibilidades (e seria ingenuidade passar por cima destas diferenças, que merecem, ao invés disto, serem tomadas para um plano de diálogo), desembocam na mesma “realidade última”.

IHU On-Line - Qual a influência do espiritismo para as religiões e doutrinas da chamada nova era?

Marcelo Camurça - Espiritismo e nova era possuem a mesma referência histórica de origem, marcados pela onda do “novo espiritualismo” do fim do século XIX, onde proliferaram também aTeosofia, os ocultismos e a Rosa Cruz. Enquanto religiosidades com grande penetração nas camadas letradas da população, a nova era recebe do espiritismo a postura de racionalizar a magia, assim como o caráter individualista moderno da noção de livre arbítrio, que na nova era é exponenciado ao milésimo grau de autonomia, onde não existe nenhuma amarra para a criatividade individual. Como demonstra seu lema: no blame, no shame!.

No espiritismo as restrições ético-morais da doutrina codificada impõem limites às demandas por sucesso e fruição que são vinculadas, na nova era, às possibilidades ilimitadas do poder da mente e não, como na doutrina espírita, ao grau de merecimento subordinado às exigências de evolução moral. Na medida em que se expande, o espiritismo sofre um processo de fragmentação, liberando dos seus efetivos grupos sincrético-esotéricos, grupos paracientíficos, etc. Na verdade, cresce numa franja do espiritismo um número de simpatizantes de práticas new age: uso de cristais, tarô, reiki, etc., o que levou Anthony D’Andrea a ver um processo de “novaerização” do espiritismo ou de “pós-espiritismo”.

A mediunidade é reinterpretada como channeling (canalização), comunicação com o plano espiritual, mas também com universos intergalácticos, o carma é atenuado como influência tendencial, a razão é substituída pela intuição. Para determinadas camadas dos extratos médios brasileiros, o espiritismo não responde mais às suas demandas existenciais, onde o “interior” do indivíduo se transforma no locus supremo da verdade, alcançado pela meditação, técnicas de introspecção, bebidas sagradas, etc. A forte aderência do espiritismo à sua doutrina codificada implica numa falta de flexibilidade quanto às demandas diversificadas por novidades espirituais/existenciais destes grupos

A POLÍTICA DAS MANADAS


José Ingenieros no seu livro "O Homem Medíocre", no capítulo VII, em que fala da Mediocridade, relata:



"...
Quando as misérias morais assolam um país, a culpa é de todos os que, por falta de cultura e de ideal, não souberam amá-lo como pátria: de todos os que viveram nela, sem trabalhar para ela.
...]
A degeneração dos sistema parlamentar é, em nossa época a causa profunda dessa contaminação.
...
Antes, presumia-se que, para governar, se requeria certa ciência e a arte a aplicar.
...
A política se degrada, , converte-se em profissão. Nos povos sem ideais, os espíritos subalternos medram em torpes intrigas de antecâmara. Na maré baixa, aparece o desprezível e se engenham os traficantes. Toda excelência desaparece eclipsada pela domesticidade. Instaura-se uma moral hostil à firmeza e propícia à relaxação. O governo passa às mãos de gentalha que abocanha o orçamento.
...
Os palacianos se encontram com os malandrins. O funâmbulos e os saltimbancos progridem. Onde todos lucram, ninguém pensa: ninguém sonha onde todos tragam. O que antes era signo de infâmia ou covardia, torna-se título de astúcia; o que outrora matava, agora vivifica, como se houvesse uma aclimatação ao ridículo; as sombras envilecidas se levantam e parecem homens; a improbidade se pavoneia e se ostenta, ao invés de ter vergonha e pudor. O que nas pátrias se cobria de opróbrio, nos países cobre-se de honrarias.
As jornadas eleitorais se convertem em grosseiras negociatas de mercenários, ou em pugilatos de aventureiros. A sua justificação está a cargo de inocentes eleitores que vão à paródia como a uma festa.
..."

Meu comentário:
Ingenieros escreveu sobre a Moral, na primeira metade do século passado. Este texto, extraído do seu livro mencionado e tão atual que parece ter sido escrito para o momento que vivenciamos.

O PODER E A VERDADE

No movimento de manter a continuidade do Poder de comando de um Estado, os governantes tendem à utilização de métodos muito conhecidos, criticados e renovados, campanha após campanha eleitoral, sem que eles próprios se envergonhem desses procedimentos escusos e, mais grave, sem que os eleitores percebam o engodo em que são envolvidos pelo palavreado sem sentido, no contexto de estratégias intencionalmente enganosas. Essa prática é perniciosa ao longo do tempo, pois esgarça a cidadania ao invés de fortalecê-la, desacredita aqueles que se habilitam a reivindicar o voto do eleitor e reduz o valor do humanismo no âmbito nacional e na relação entre os povos, pois os fundamentos éticos e morais deixam de ter importância.

Karl Jaspers, filósofo alemão da primeira metade do século passado, em seu livro "Introdução ao Pensamento Filosófico", fala que "Até agora, a insinceridade, a desonestidade e a mentira têm sido meios de utilização normal em política. A desonestidade, entretanto, só pode ser vantajosa por breves instantes e a expensas do futuro. A longo alcance, ela se faz inconveniente para a própria vida. A verdade é mais viável que a mentira. Estados construídos sobre a mentira decaem por adotarem procedimentos que se alimentam da tradição de mentir".

Por tudo isso, reproduzo abaixo artigo de Contardo Calligaris, focado, e adequado, ao momento político brasileiro:

Para que serve a psicanálise?


A quem luta para se manter adulto, o paternalismo dá calafrios, ou mesmo vontade de sair atirando



A ASSOCIAÇÃO Internacional de Psicanálise (IPA) foi fundada em 1910. Presente em 33 países, com mais de 12 mil membros, ela festeja seu centésimo aniversário. Aos colegas da IPA (embora eu tenha me formado numa de suas dissidências), meus sinceros parabéns.

A festa é uma boa ocasião para perguntar: para que serve, hoje, a psicanálise? A campanha eleitoral em curso me ajuda a escolher uma resposta.

Repetidamente, o presidente Lula e Dilma Rousseff se apresentam como pai e mãe dos brasileiros. Em 17/8, Lula declarou: "A palavra não é governar, a palavra é cuidar: quero ganhar as eleições para cuidar do meu povo, como a mãe cuida de seu filho".

No dia seguinte, Marina Silva comentou: "Querem infantilizar o Brasil com essa história de pai e mãe". Várias vozes (por exemplo, o editorial da Folha de 19/8) manifestaram um mal-estar; Gilberto Dimenstein resumiu perfeitamente: "Trazer a lógica familiar para a política significa colocar a criança recebendo a proteção de um pai em vez de um governante atendendo a um cidadão que paga imposto".

Entendo que um presidente ou uma candidata se apresentem como pai ou mãe do povo. Embora haja precedentes péssimos (de Vargas a Stálin, ao ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il), estou mais que disposto a acreditar que Lula e Dilma se expressem dessa forma com as melhores intenções.

O que me choca é que eleitores possam ser seduzidos pela ideia de serem cuidados como crianças e preferi-la à de serem governados como adultos.

Se o governo for paternal ou maternal, o que o cidadão espera nunca será exigível, mas sempre outorgado como um presente concedido por generosidade amorosa; o vínculo entre cidadão e governo se parecerá com o tragipastelão afetivo da vida de família: dívidas impagáveis, culpas, ciúme passional etc. Alguém gosta disso?

Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância. Ao longo da cura, espera-se que essa descoberta nos liberte e nos permita, por exemplo, renunciar à tutela dos pais e ao prazer (duvidoso) de encarnarmos para sempre a criança "maravilhosa" com a qual eles sonhavam e talvez ainda sonhem.

Tornar-se adulto (por uma psicanálise ou não) é um processo árduo e sempre inacabado. Por isso mesmo, a quem luta para se manter adulto, qualquer paternalismo dá calafrios -ou vontade de sair atirando, como Roberto Zucco.

Roberto Succo (com "s"), veneziano, em 1981, matou a mãe e o pai; logo, fugiu do manicômio onde fora internado e, durante anos, matou, estuprou e sequestrou pela Europa afora. Em 1989, Bernard-Marie Koltès inspirou-se na história de Succo para escrever "Roberto Zucco", peça admiravelmente encenada, hoje, em São Paulo, na praça Roosevelt, pelos Satyros.

Na peça, Zucco perpetra realmente aqueles crimes que todos perpetramos simbolicamente, para nos tornarmos adultos: "matar" o pai, a mãe e, dentro de nós, a criança que devemos deixar de ser.

O diretor da peça, Rodolfo García Vázquez, disse que Zucco é um Hamlet moderno. Claro, para Hamlet, como para Zucco, o parricídio é uma espécie de provação no caminho que leva à "maioridade". Além disso, pai, padrasto e mãe de Hamlet eram reis, e o pai de Succo era policial. Para ambos, o Estado se confundia com a família.

Se o Estado é um pai ou uma mãe para mim, eu não tenho deveres, só dívidas amorosas, e, se esse Estado me desrespeita, é que ele me rejeita, que ele trai meu amor. Por esse caminho, amado ou traído pelo Estado, nunca me considerarei como um entre outros (o que é uma condição básica da vida em sociedade), mas sempre como a menina dos olhos do poder.

Agora, se eu me sentir traído, não me contentarei em mudar meu voto, mas procurarei vingança no corpo a corpo, quem sabe arma na mão; pois essa é a linguagem da paixão e de suas decepções. O paternalismo, em suma, semeia violência.

Enfim, se é verdade que muitos prefeririam ser objeto de cuidados maternos ou paternos a serem "friamente" governados, pois bem, nesse caso, a psicanálise ainda tem várias boas décadas de utilidade pública entre nós.

É uma boa notícia para a psicanálise. Não é uma boa notícia para o mundo fora dos consultórios.



Meu comentário:

Por ser oportuno, retorno a Karl Jaspers: "Num povo livre, a opinião pública é o fórum da política. O grau de informação de que a opinião pública disponha é o critério de liberdade desse povo. O que determina o destino de todos, deve, por exigência da liberdade política, passar-se em público. A reflexão deve ser pública e preparada em público a decisão. A concordância brotará dessa base e não de confiança cega. .......Numa nação livre, o êxito do homem político depende do povo. Surge a partir de pequenos grupos profissionais, dos grupos de vizinhança, de grupos de livre debate político. Junto a esses grupos deve o político provar que é digno de confiança, que será orientador competente e capaz. Os políticos iniciam sua ascensão a partir desses grupos e não pelo recurso a uma burocracia partidária que elege, a priori, políticos profissionais. ..... Um povo livre sabe que é responsável pelos atos de seu governo. Pertencer a uma nação livre torna livre o homem e torna-o cidadão. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas."

É isso, pois! Nós somos a Nação e não podemos admitir "pai" de um lado e "mãe" de outro. Nós somos os que definem quem nos governa, e temos o direito e a obrigação de cobrar a correção, mas queremos e não podemos nos curvar a quem nos afaga. Enquanto isso, sonhemos com as propostas de Platão que, dentre elas, sobressai a que diz que "os senhores perfeitos deveriam ser chamados a governar".

SEXUALIZAÇÃO PRECOCE INSTITUCIONALIZADA?

Sharon Slater é uma ativista originária dos Estados Unidos, mas com atuação no mundo todo, centrada nas questões da família e que trabalha em estreita vinculação com os programas relativos da ONU. Sua preocupação maior é a qualidade da formação das crianças de hoje, jovens e adultos de amanhã, situados num contexto de liberação sexual, de atuação descuidada e de doenças consequentes, especialmente a SIDA. Vinculada à Family Watch International, luta por estabelecer um ambiente de boa formação para o amadurecimento do jovem.
Procurei situá-la e contextualizá-la rapidamente, para possibilitar o entendimento do porquê do seu pronunciamento indicado abaixo. O tema é para boa discussão num ambiente sério e maduro, pois é preocupante como os entornos da maturação pessoal vêm sendo tratados no mundo.


SHARON SLATER | 22 ABRIL 2010

Usando conceitos como "educação sexual abrangente", a ONU quer desestruturar a família. Leia o discurso de Sharon Slater, presidente da Family Watch International, proferido no encontro da Comissão de População de Desenvolvimento da ONU, no dia 15 de abril.

Sr. Presidente, Ilustres Delegados, gostaria de chamar a vossa atenção para alguns assuntos sérios relacionados com as deliberações que ocorrem na Comissão sobre População e Desenvolvimento. Para colocar isto em um contexto, preciso falar sobre o que aconteceu em deliberações da CPD no ano passado. No ano passado, no final das deliberações, uma frase foi proposta para o projeto de resolução do CPD convidando os governos a fornecerem "educação abrangente sobre sexualidade humana".

Nós estávamos muito preocupados porque este era um novo termo indefinido e um afastamento da linguagem tradicional da "educação sexual" utilizada nos últimos documentos de consenso da ONU. Nossas preocupações foram confirmadas, quando apenas alguns meses depois, a UNESCO, em colaboração com a UNICEF, o FNUAP, OMS e ONUSIDA, lançou uma cópia de esboço de seu novo Diretrizes Internacionais sobre Educação Sexual Abrangente.

Estas diretrizes extremamente controversas foram criadas para levar a educação sexual para todo o mundo e promover um tema de prazer sexual que temos encontrado em um número de guias de educação sexual publicados pela ONU. Estas Diretrizes da UNESCO originais sugerem ensinar crianças de cinco anos que eles podem tocar partes de seu corpo para obter prazer sexual e ensinar a crianças de nove anos a definição e função do orgasmo, e encorajar educadores sexuais a ensinar às crianças que "Tanto homens como mulheres podem dar e receber prazer sexual com um parceiro do... mesmo sexo".

Desde então, a UNESCO revisou suas diretrizes de sexualidade originais, moderando-as um pouco. No entanto, ao ler sua versão original, vocês podem ver que cinco agências da ONU estavam originalmente planejando promovê-las às crianças sob à guisa de "educação abrangente sobre a sexualidade humana", antes de um certo número de Estados Membros da ONU reclamar.

Em 2002, na Cúpula Mundial para as Crianças, nós expusemos um manual publicado pela ONU para crianças, distribuído no México, que tinha uma página sobre como obter prazer sexual, incluindo com uma pessoa do mesmo sexo, com um animal, com um objeto inanimado ou com uma pessoa sem o seu consentimento.

E se vocês não estão preocupados ainda, deixe-me dizer a vocês o que aconteceu na 54º sessão da Comissão sobre o Status da Mulher deste ano. Em um evento paralelo colocado pela Girl Scouts em parceria com a UNICEF, eu peguei este livreto, publicado pela International Planned Parenthood Federation, que é dirigido para jovens e que afirmam ensinar-lhes sobre os seus "direitos sexuais e reprodutivos". O livreto afirma que estes "direitos" são reconhecidos pelo mundo como "direitos humanos". Afirma que o livreto está "aqui para apoiar o seu prazer sexual". Ele diz que jovens podem fazer sexo em várias maneiras demasiadas gráficas para repetir em um fórum como este. É todo sobre prazer sexual através da masturbação, com pessoas do mesmo sexo e até mesmo embriagados com álcool.

Mas pior que isso, este livreto diz realmente a jovens infectados pelo HIV que leis que os obrigam a revelar o seu status com seus parceiros sexuais violam seus direitos humanos.

Isso não deve ser tolerado na ONU ou em qualquer outro lugar! Agora não. Nem nunca mais.

Em dezembro do ano passado, minha família adotou três irmãos órfãos com SIDA em Moçambique. Ambos seus pais tinham morrido de SIDA. Eu cuidei de seu irmão mais velho, enquanto ele sofria de uma forma horrível durante os últimos estágios da AIDS. Mesmo assim, materiais estão sendo distribuídos na ONU, incentivando os mesmos comportamentos que colocam o HIV pandêmico.

É ultrajante que este livreto "Saudável, Feliz e Hot" também foi distribuído para os jovens que participaram do evento paralelo à Organização das Nações Unidas, patrocinado por aqueles que a criaram.

É revoltante que as agências da ONU estão a promover programas de educação sexual que encorajam jovens a engajar prematuramente na atividade sexual para obter prazer sexual, mas é inconcebível que jovens infectados pelo HIV estão sendo incentivados a ter relações sexuais com qualquer um que eles quiserem, do jeito que quiserem, sem revelar o seu status.

O que estamos fazendo aqui?

Por que é que o projeto de documento a ser negociado agora tem inúmeras referências à sexualidade e direitos sexuais?

Por que é que os países em desenvolvimento estão sendo pressionados agora pelas nações desenvolvidas no mesmo documento a ser negociado nesta conferência para aceitar este tipo de "educação abrangente da sexualidade humana", que irá sexualizar prematuramente suas crianças e colocá-las em risco de morte, entre outras coisas, tudo sob o disfarce de educação sobre o HIV/AIDS e do empoderamento de mulheres e meninas?

Por que é que o mundo desenvolvido está tentando importar suas ideologias sexuais radicais sob a bandeira enganosa de "direitos sexuais" ou "saúde e direitos sexuais" ou "informações relativas à saúde sexual e direitos" ou "serviços e informações sobre saúde e direitos reprodutivos" ou qualquer uma das muitas e múltiplas referências carregadas no documento em um esforço deliberado para pressionar os países a aceitarem estas referências, às vezes até tarde da noite, sem interpretação em sua própria línguagem?

Por que é que a comunidade internacional não está respeitando os direitos soberanos e valores culturais e religiosos preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e inúmeros outros documentos consensuais das Nações Unidas, para manter seus valores que sustentam a instituição da família?

Como é que a ONU se extraviou de sua finalidade original, e agora as deliberações em conferências como esta são obcecadas com discussões sobre sexualidade e direitos sexuais, questões que deveriam ser deixadas para as nações decidirem por si?

Por que é que a questão do aborto, também disfarçada sob vários termos eufemísticos, está sendo forçada nas nações em desenvolvimento contra a sua vontade? Como é que o termo "saúde reprodutiva" ou "serviços de saúde reprodutiva" ou "direitos reprodutivos" está sendo usado agora pelos governos com grandes bolsos para promover a legalização do aborto nos países que se opõem ao aborto, porque eles acreditam que este está tomando as vida de um ser humano?

Palavras relacionadas à reprodução e à saúde reprodutiva significam reprodução, ou seja, ter filhos, mas o termo tem sido deliberadamente manipulado por relatórios obscuros apresentados à ONU, materiais criados por agências da ONU e ONGs de mentalidade abortista (muitas que têm a lucrar com o aborto) e os governos de mente abortista que procuram reinterpretar ou desvirtuar qualquer linguagem relacionada à saúde reprodutiva para agora incluir o aborto, embora muitos dos Estados Membros da ONU negociando os documentos que contêm tais termos rejeitaram a inclusão do aborto como parte da saúde reprodutiva, quando estes documentos foram negociados.

Esta manipulação de agências da ONU, negociações da ONU e documentos finais, comitês da ONU interpretando os tratados das Nações Unidas, e linguagem comum nos documentos anteriores das Nações Unidas para promover direitos sexuais radicais e aborto contra a vontade ou, por vezes, sem o conhecimento ou compreensão completa ou consentimento dos estados membros da ONU, não devem ser tolerados e têm que parar.

Essa manipulação do sistema das Nações Unidas por indivíduos e organizações promovendo sua própria agenda sexual e não a agenda coletiva e unificada de todos os estados membros da ONU deve cessar. Toda essa investida por direitos sexuais mina a instituição da família, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos claramente declara ser "o núcleo natural e fundamental da sociedade" que é "intitulada à proteção pela sociedade e pelo Estado".

Apelamos aos Estados-Membros das Nações Unidas, agências da ONU, ONGs e todas as entidades dentro do sistema das Nações Unidas a respeitar os direitos, valores culturais e religiosos de todos os Estados Membros da ONU em seu trabalho nas Nações Unidas e cessar a promoção do aborto e dos direitos sexuais através das Nações Unidas.

Obrigada.

ENGANAÇÕES QUE NOS SÃO IMPOSTAS

O desabafo de quem imagino ser um taxista carioca, manifesta a indignação de todos os brasileiros, cansados da enganação e de falsas promessas, estas, sempre em momentos de campanhas políticas. O problema é que nós somos os culpados pois os colocamos nos cargos, eleição após eleição, mesmo que sejamos constantemente ludibriados.
Sugiro, então, assistir o vídeo indicado abaixo:

DESCASO COM A VIDA

A termos como parâmetro esse descaso na relação entre o grave acidente da costa dos Estados Unidos e o planejamento de novas prospecções semelhantes, pela mesma empresa, em outros locais do planeta, só nos cabe ver que vivemos num mundo irreal e num momento de faz-de-conta. Nada está definitivamente resolvido no primeiro caso e nem sequer o mundo conhece as causas reais do acidente, mas já se focam novas explorações. Sugiro a leitura da reportagem abaixo:


Apesar de vazamento nos EUA, BP planeja iniciar prospecção em águas profundas na Líbia

do UOL Notícias -25/07/2010
Financial Times

Guy Dinmore e Eleonora de Sabata
Em Roma (Itália)
George El Khouri Andolfato

A British Petroleum (BP) começará daqui semanas a perfurar em águas profundas, além da costa da Líbia, apesar das preocupações em torno do retrospecto ambiental e de segurança do grupo britânico após o desastre de vazamento de petróleo no Golfo do México.

Cresce o escrutínio da aquisição pela BP de direitos a um grande campo de petróleo e gás além da costa africana há três anos, um assunto que ofuscou a visita de David Cameron, o primeiro-ministro britânico, a Washington nesta semana.

A 1.700 metros abaixo do nível do mar no Golfo de Sirte, na Líbia, o poço exploratório será 200 metros mais profundo do que o poço Macondo no Golfo do México, que provocou o pior desastre de vazamento de petróleo em alto-mar dos Estados Unidos, quando a plataforma Deepwater Horizon explodiu em 20 de abril, matando 11 pessoas.

“A perfuração iniciará em semanas”, confirmou a BP.

Tony Hayward, o presidente-executivo da BP, assinou um acordo de exploração de US$ 900 milhões com a Líbia em 2007, o chamando de o maior acordo individual da BP. A empresa revelou desde então que fez lobby junto ao governo britânico naquele ano, em prol de um acordo de transferência de prisioneiros entre o Reino Unido e a Líbia.

Hayward está considerando um pedido para aparecer perante o comitê de relações exteriores do Senado americano na quinta-feira, para responder perguntas sobre a soltura de Abdel Basset al Megrahi, o responsável pelo atentado a bomba de Lockerbie, libertado no ano passado pelas autoridades escocesas por motivos humanitários.

A BP disse que “não esteve envolvida em qualquer discussão com o governo britânico ou com o governo escocês a respeito da soltura de Al Megrahi”.

O local onde a BP perfurará seu primeiro poço exploratório fica dentro da “Linha da Morte” proclamada por Muammar Gaddafi nos anos 80, quando reivindicou os direitos totais da Líbia sobre o Golfo de Sirte. É a área para a qual, em 1986, Ronald Reagan, o então presidente dos Estados Unidos, enviou forças navais para desafiar as reivindicações do líder líbio, afundando dois navios da Líbia e matando mais de 30 líbios.

Nenhum governo contestou os direitos minerais da Líbia na área, do tamanho da Bélgica, que a BP está explorando, mas ambientalistas estão consternados pela perfuração ter início antes da conclusão das investigações do desastre da empresa no Golfo do México.

A BP disse que procederá com “grande cautela”, acrescentando que fará uso das lições aprendidas com as investigações da Deepwater Horizon em todas as suas operações em alto-mar.

A imposição por Barack Obama de uma moratória na prospecção em águas profundas no Golfo do México aumentou a importância de nova exploração no Mediterrâneo.

A Diamond Offshore, uma perfuradora americana em águas profundas, está deslocando uma plataforma do Golfo do México para o Egito, enquanto a APX da Austrália começou a perfurar na semana passada, entre a Tunísia e a Itália. A Shell planeja começar a explorar em breve, além da costa oeste da Sicília.

A Itália acelerou seus procedimentos e concedeu 21 novas licenças de exploração. Novos limites impostos à prospecção próxima da costa, em resposta ao vazamento no Golfo do México, se aplicarão apenas a futuras operações e pouco afetam as áreas mais promissoras além da costa da Sicília.

Com governos sem dinheiro cortejando o fundo soberano alimentado pelo petróleo da Líbia, países como Itália, Grécia e Malta –todos dentro de um raio de 500 km do Golfo de Sirte– evitaram comentar os planos da Líbia.

Mas ambientalistas e políticos expressaram preocupações. Uma proposta de Günther Oettinger, o comissário europeu de energia, de uma moratória na prospecção em águas profundas nas águas da União Europeia, não obteve resposta dos países mediterrâneos.

“Você não para de voar por causa de um acidente aéreo”, disse Shokri Ghanem, o presidente da empresa estatal de petróleo da Líbia.

Antonio D’Alì, presidente da comissão ambiental do Senado italiano, disse estar “muito preocupado” com os planos da BP. Ele pediu por uma abordagem unida por parte dos governos, não decisões baseadas em interesses nacionais.

“O problema não é a BP ou a Líbia. O mar não tem fronteiras e quando acidentes acontecem, em águas nacionais ou internacionais, os efeitos são sentidos em todo o Mediterrâneo”, disse D’Ali.

“Considerando que ele é um dos mares mais poluídos de petróleo do mundo, o impacto de um grande vazamento de petróleo poderia ser irreversível.”

O Golfo de Sirte é área de reprodução do ameaçado atum-rabilho, enquanto as raras tartarugas-comuns fazem ninhos nas costas da Líbia. Mas um desastre poderia ter um impacto muito mais amplo.

Nadia Pinardi, da Rede de Oceanografia Operacional Mediterrânea, disse: “Grande parte do efeito seria sentido nas profundezas ao redor do golfo à medida que, com o tempo, o petróleo se transforma em bolas de alcatrão e afundam. Mas as correntes na área são muito complexas”.

As águas fluem principalmente para o leste, na direção do Egito, mas os ventos e remoinhos poderiam levar a mancha de óleo para o norte, para importantes áreas de pesca de anchova, atum e peixe-espada.

Ezio Amato, ex-presidente da unidade de resposta a poluição por petróleo da Organização Marítima Internacional, disse que o Mediterrâneo já sofreu o equivalente a um desastre da Deepwater Horizon por ano, decorrente de milhares de pequenos vazamentos.

Mais de 1 milhão de toneladas de petróleo são transportadas diariamente pelo mar, um quarto do tráfego de transporte de petróleo do mundo. Descargas são ilegais, mas uma corrente de petróleo e derivados de petróleo –estimada em 150 mil a 600 mil toneladas por ano– escapa dos navios, refinarias, portos e oleodutos para o mar.

Uma área rica em biodiversidade marinha, o Mediterrâneo é extremamente sensível à poluição. Quase um lago, suas águas levam até 90 anos para se misturarem ao Atlântico pelo Estreito de Gibraltar.

Os efeitos da poluição por petróleo são sentidos em toda a cadeia alimentar. Baleias e golfinhos apresentavam altas concentrações de compostos derivados de petróleo em sua gordura dois anos após a explosão do petroleiro Haven, além da costa da Itália em 1991, despejando 140 mil toneladas de petróleo. Peixes pegos próximos do naufrágio, uma década depois, apresentavam um número significativo de tumores no fígado.

O poço mais profundo no Mediterrâneo, a 2.400 metros, se encontra em águas egípcias. Seu Ministério do Petróleo está sob ataque por ter revelado um vazamento de uma plataforma, que poluiu 160 quilômetros da costa do Mar Vermelho no mês passado, apenas após a informação ter chegado à mídia.

Apesar da Líbia não ser conhecida por sua liberdade de imprensa, o retrospecto de transparência da BP tem sido atacado nos Estados Unidos. O deputado Ed Markey disse que não se pode confiar na BP e que ela “perdeu toda sua credibilidade”.

No caso de um desastre além da costa da Líbia, a BP disse contar com “planos de contingência detalhados e múltipla resposta preparada”.

O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...