CARGA TRIBUTÁRIA

Trago o texto abaixo, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, no momento que em o Governo quer, mas esconde na sua retórica mal-intencionada, a criação de novo imposto para suprir o que já deveria estar suprido, só não o estando porque a administração nacional é perdulária e gerencialmente incapaz.  Pelo texto podemos ver, e sentir como contribuintes, o quanto nos é suprimido diretamente dos nossos ganhos. Já, o indiretamente, necessitaria de um exaustivo cálculo para podermos definir o quanto pagamos de planos de saúde, de conservação de automóveis, estragados em estradas ruins, de pedágios que não deveriam ser pagos, de assistência voluntária a entidades carentes, pois o Governo não as assume, e muitos outros itens. Por outro lado, e para não dar consistência aos possíveis argumentos dos que venham a dizer que, pelo menos, o Brasil ainda é o décimo quarto, é bom lembrar que a lista abaixo mostra  13 países maiores arrecadantes que o nosso, mas situados num patamar muito superior de boa oferta de serviços públicos. Já, o nosso, sabemos por ver todo o dia no noticiário, as péssimas condições de atendimento à saúde, a segurança deteriorada, os serviços públicos em geral de má qualidade, enfim, dados que não correspondem ao que nos é tributado.
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BRASIL SOBE NO RANKING MUNDIAL DOS PAÍSES COM MAIOR CARGA TRIBUTÁRIA

BRASIL SUBIU 4 POSIÇÕES NO RANKING MUNDIAL DOS PAÍSES COM MAIOR CARGA TRIBUTÁRIA EM 2009, SEGUNDO DADOS DIVULGADOS EM 15/12/2010 PELA OCDE

A OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico — divulgou ontem, 15/12/2010, os dados de 2009 sobre a arrecadação tributária em comparação ao PIB, a chamada Carga Tributária, dos países que dela fazem parte.
Em geral, houve uma queda na carga tributária da maioria dos países listados, em comparação com os dados de 2008, em razão do declínio da atividade econômica e do corte de tributos, motivados pela recessão que seguiu a crise econômica mundial iniciada em 2008. Os países com maior queda em sua carga tributária foram: Chile (de 22,5% em 2008 para 18,2% em 2009), México (de 21% em 2008 para 17,5% em 2009) e
Grécia (de 32,6% em 2008 para 29,4% em 2009).
Alguns poucos países ainda registraram um aumento na carga tributária de 2009 em comparação com a de 2008, dentre eles Luxemburgo (de 35,5% em 2008 para 37,5% em 2009), Suíça (de 29,1% em 2008 para 30,3% em 2009) e Eslovênia (de 37,2% em 2008 para 37,9% em 2009). Como se percebe, a elevação na carga tributária desses poucos países — em média de 0,5% — foi bem menos expressiva do que a queda no percentual de carga tributária dos demais países — média de 1,9%.
Caso o Brasil integrasse o rol de membros da OCDE (composto atualmente de 33 países), estaria ocupando o 14º lugar no ranking geral dos países com o maior percentual de carga tributária (34,5%, segundo dados divulgados pelo IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), apenas “perdendo” para os seguintes países:

1     DINAMARCA               48,20
2     SUÉCIA                          46,40
3     ITÁLIA                            43,50
4     BÉLGICA                        43,20
5     FINLÂNDIA                   43,10
6     ÁUSTRIA                       42,80
7     FRANÇA                        41,90
8     NORUEGA                    41,00
9     HUNGRIA                     39,10
10   ESLOVÊNIA                  37,90
11   LUXEMBURGO           37,50
12   ALEMANHA                 37,00
13   REPÚBLICA TCHECA 34,80
14   BRASIL                          34,50

Comparando tais dados com os divulgados pela OCDE em 2008, quando o Brasil, caso dela fizesse parte, estaria ocupando a 18ª posição (com uma carga tributária de 34,7%, segundo dados do IBPT), percebe-se que o Brasil subiu 4 posições, chegando bem próximo de integrar a lista dos “TOP 10” dentre os países com as maiores cargas tributárias do mundo.
Surpreende o fato de o Brasil somente “perder” para países europeus, altamente desenvolvidos, como é o caso dos países da Escandinávia (Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia), que, ao contrário do Brasil, prestam serviços públicos de qualidade, garantindo à sua população saúde, segurança, educação, previdência social, boas estradas, reembolso de medicamentos, auxílio moradia etc. Ou seja, além do que os habitantes desses países têm que destinar aos seus respectivos governos, por meio do pagamento de tributos, não precisam recorrer ao setor privado, despendendo ainda outra parcela significativa de seus rendimentos, para custear tais serviços essenciais.
Essa é a grande distinção entre tais países europeus e o Brasil, onde, além de ser necessário trabalhar quase 150 dias (ou 5 meses) do ano somente para custear a cobrança de tributos por parte do governo, o brasileiro ainda tem que trabalhar outros
quase 5 meses somente para pagar, ao setor privado da economia, os serviços públicos
essenciais que o governos deveria garantir-lhe, pois é essencialmente para isto que os tributos são pagos.
É importante esclarecer, nesse sentido, que o principal motivo dessa grande distorção entre os países europeus com carga tributária elevada e o Brasil — também com carga tributária muito elevada — não é o número de habitantes, nem a extensão geográfica ou qualquer outro motivo nesse sentido que se queira dar (que nada dizem respeito ao cálculo da carga tributária, que é feito proporcionalmente ao tamanho físico e econômico do país, pois justamente é a divisão do total arrecadado em tributos pelo PIB do país). Mas sim, e primordialmente, a quantidade do desvio do dinheiro público e a má gestão da máquina pública que levam, ainda, a uma outra conseqüência nefasta: a sonegação tributária!
Aí é que se encontra o “rombo” brasileiro, o que causa grande revolta na população. O brasileiro, em geral, não é contra o pagamento de tributos, até mesmo porque tem consciência de sua importância para custear a máquina pública. O que lhe angustia e lhe causa revolta é saber que paga — e paga muito — ao governo e não tem um retorno minimamente satisfatório.
Além disso, também causa revolta saber que o brasileiro tem que pagar mais tributos do que os habitantes do Reino Unido, do Canadá, da Espanha e dos Estados Unidos, somente para citar alguns outros importantes países desenvolvidos.
Mais revolta ainda, causa saber que, dentre os países em estágio de desenvolvimento equivalente ao brasileiro, o Brasil lidera, disparado, o ranking em carga tributária:

BRASIL    34,50
2  CORÉIA        25,60
3  TURQUIA    24,60
4  RÚSSIA*      23,00
5  CHINA*       20,00
6  CHILE           18,20
7  MÉXICO       17,50
8  ÍNDIA*         12,10
* Cf. estudo elaborado pelo escritório Machado-Meyer, intitulado “"Tax Burden in the World - A Comparative Brazil X BRICs", obtido em http://www.indiabrazilchamber.org/en/?p=2094, acesso em 16/12/2010.

Enfim, basta agora parar para refletir até onde se espera que o Brasil chegue com essa sua elevada carga tributária. E olha que não falta muito para se inserir dentre os “TOP 10” do mundo!
Espera-se sinceramente que esse não seja o objetivo do novo governo em 2011... pelo menos não sem que haja uma mudança significativa na taxa de retorno de serviços públicos à população brasileira.
Se é para o Brasil ser comparado aos países europeus, que não seja apenas no percentual elevado de sua carga tributária, mas sim e primordialmente, na qualidade de serviços públicos prestados à população!

LETÍCIA MARY FERNANDES DO AMARAL
Advogada e Vice-Presidente do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

HIDRELÉTRICAS, ENERGIA LIMPA?

A reportagem que obtive no Instituto Humanitas Unisinos, coincide com meu ponto de vista, acerca de um dos aspectos incidentes sobre a construção de hidrelétricas. Há algumas décadas, esse passou a ser, e ainda é, um grande negócio para as construtoras e para os governos. Para aqueles, pela obviedade do ganho financeiro fácil, para estes últimos, pela facilidade em resolver problemas imediatos do país. Já as questões inerentes, ambientais e humanas, não têm a importância necessária na análise.
Apesar de alguns pesquisadores já haverem trazido à luz temas como este, das emissões dos reservatórios, o estudo indicado abaixo, parece-me, é bastante consistente para se contrapor ao entendimento cômodo de setores da administração pública a quem não intreressa o debate em torno do assunto. Sugiro a leitura a seguir.

Os pesquisadores Salvador Pueyo e Philip M. Fearnside, do IC3 e do Inpa, respectivamente, garantem que as pesquisas anteriores sobre este tema subestimavam “quase 80% das emissões”.
A emissão de gases que contribuem para o “efeito estufa” de hidrelétricas é quatro vezes maior do que se pensava, segundo um estudo do Instituto Catalão de Ciências do Clima (IC3) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Brasil.  Este estudo põe em dúvida a reputação de “energia limpa”, que se ostentava para a energia hidrelétrica e indica que estas centrais produzem emissões de partículas de metano na atmosfera, um gás que contribui mais para o aquecimento global da Terra que o dióxido de carbono (CO2).

De acordo com o IC3, as condições ambientais que são criadas no entorno de reservatórios hidrelétricos, especialmente em climas tropicais, faz com que a matéria orgânica em decomposição não gere CO2, mas o gás metano, que contribui mais para o “efeito estufa” que dióxido de carbono.  Os pesquisadores Salvador Pueyo e Philip M. Fearnside, do IC3 e do Inpa, respectivamente, garantem que as pesquisas anteriores sobre este tema subestimavam “quase 80% das emissões” e nota que essas centrais hidrelétricas são “fábricas de metano”, com um nível semelhante de emissões de centrais termoelétricas.

Este estudo aparece em um momento de grande controvérsia em vários países sul-americanos onde está se impulsionando a construção de hidrelétricas que ameaçam inundar grandes áreas da floresta amazônica e destruir o habitat de tribos indígenas.  Um dos projetos mais polêmicos é a construção da usina de Belo Monte, na Amazônia brasileira, que deverá ser a terceira maior do mundo.

De acordo com Pueyo: “Este trabalho deixa sem base qualquer tentaiva de justificar a destruição das florestas e a invasão de terras indígenas para levar adiante uma suposta” energia limpa “para freiar as alterações climáticas”.

Leia o estudo na íntegra.





Meu comentário:
É necessário repensar essa pretensa melhor matriz energética brasileira, baseada em hidrelétricas, deixando de lado outras fontes tão eficientes e, estas sim, menos poluentes e impactantes no meio. Este meio, entendido não apenas o  físico e o biótico, mas, fundamentalmente, o social, quando ocorre o desalojamento de populações e a desagregação consequente dessas comunidades, deve passar a merecer atenção mais acurada. Uma construção desse tipo não pode mais ser vista de per si, mas no contexto nacional e as implicações que as rupturas ambientais particularizadas podem gerar no todo.




REPÚBLICA DA TENTAÇÃO

Primeiramente, trago um texto de Roberto Romano, escrito para o Instituto Millenium, motivado pelo livro de Jose Nêumanne Pinto sobre Lulla. Logo depois do texto, situo um novo endereço de página onde há uma entrevista deste mesmo escritor sobre o mesmo assunto.
Em livro que o jornalista escreveu recentemente, ele demonstra, apropriadamente, o porquê de as denúncias de corrupção nunca colarem e Lulla sempre se sair bem, diante de todas as situações, nas quais outros naufragariam. Vale a pena acompanhar a entrevista com toda a atenção, apesar de ocupar mais de 20 minutos. Como ele afirma durante a entrevista,  Lulla espelha, com perfeição, o retrato do povinho brasileiro, acostumado à malandragem, ao oportunismo, à corrupção e sempre disposto a tirar vantagem. Sempre que escrevo o nome LULLA, faço-o com a grafia duplicada da letra, pois quero representar com isto a condição de gêmeo político de COLLOR, este  o maior representante, junto com o primeiro, da mentira, da desfaçatez, da enganação do eleitor e da corrupção. Apesar disto, neste último item, COLLOR tem expressão ínfima perante LULLA e sua turma que refundaram essa forma de crime, como poderá ser visto na entrevista.
A seguir, então, o texto e a entevista.
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Nêumanne e os termidorianos
Roberto Romano (Texto publicado em 27/08/2011 no sítio do Instituto Millenium)

O livro de José Nêumanne Pinto “O que Sei de Lula” ajuda a reflexão ética e política. As suas páginas ultrapassam a figura do suposto pai da Pátria. Elas narram, em surdina, o golpe político encenado pelos que se abrigam no Partido dos Trabalhadores e em agremiações similares. Nêumanne traça um retrato fiel do proprietário no condomínio petista. Os fatos brotam diante de nossos olhos e têm como base a experiência pessoal do autor e documentos ou testemunhos de pessoas que seguiram a carreira do líder. O seu relato segue o preceito de Tucídides e Tácito: nada adiantar sem provas e, sempre, manter a isenção de ânimo.
O livro narra as agruras, as idiossincrasias, as matreirices do personagem que, ainda hoje, governa o Brasil. A cada instante fica bem claro que a cadeira da Presidência da República é ocupada por certa personalidade vicária, à espera de um retorno triunfal, em 2014, do verdadeiro dono. Tudo indica a prática de um império de tipo cesarista: populismo, propaganda, cargos e recursos públicos em favor de um homem. Temos aí a face visível da tragédia. A escondida indica o oportunismo das esquerdas, que, para chegarem ao poder, jogaram às urtigas ideologias, programas, posturas éticas.
Na história política moderna, este não é o primeiro golpe da esquerda para garantir aos seus líderes as benesses palacianas. Um intelectual insuspeito, porque fiel à ideologia, Alain Badiou prova que o Termidor, quando acabou a Revolução Francesa, se deveu aos jacobinos. “Os termidorianos históricos não são aristocratas, restauradores, ou mesmo girondinos. São as pessoas da maioria robespierrista na Convenção” (1). Os partidários do Incorruptível – apelido de Robespierre – aboliram as teses revolucionárias. “Meditar sobre a corrupção”, adianta Badiou, “com certeza não é inútil hoje. (…) Sylvain Lazarus mostrou que “corrupção” designa inicialmente a precariedade política, ligada ao seu princípio real subjetivo (a virtude, os princípios). E depois, como resultado, vemos a corrupção material. Um termidoriano, em sua essência política, é um corrompido. O que significa: um aproveitador da precariedade das convicções (e das vontades). Aliás, os termidorianos históricos são, o dossiê é claro, corrompidos no sentido usual”. Primeiro os valores éticos são alardeados, depois eles se transformam, na metamorfose ambulante, em “bravatas”.
Após anos proclamando a virtude, a facção jacobina decidiu melhorar sua vida rifando os antigos ideais? Negativo. A corrupção não caiu nas hostes da esquerda de repente. A historiografia da Revolução Francesa evidencia, com documentos e relatos de vida, a maneira como líderes “puros” e “inflexíveis”, que usavam a guilhotina contra adversários, se foram apropriando desde cedo da riqueza pública em proveito pessoal. Quem deseja se informar leia o dossiê, publicado por Michel Benoit, 1793, a “República da Tentação, um Caso de Corrupção na Primeira República” (2). O autor narra a odisseia de Claude Bazire e seus pares, todos da ala radical esquerdista. Um caso basta: em 1792 foi roubado o armário com joias da antiga Coroa francesa. “O ministro Roland, ao informar a Assembleia sobre o roubo, tinha apontado com o dedo os verdadeiros responsáveis: a Comuna Insurrecional e o Comitê de Vigilância, do qual Bazire e Chabot eram integrantes, mas ele não denunciou os verdadeiros culpados, por insuficiência de provas…” (3). As estripulias dos “puros” aumentaram com a impunidade, até que eles foram condenados por corrupção.
O exemplo francês teve antecedentes de corrupção e voracidade de poder na Revolução Puritana da Inglaterra, no século 17. Os radicais exigiam que os governantes e juízes prestassem contas à cidadania dos recursos humanos e materiais sob sua responsabilidade. Falamos da famosa accountability. No entanto, com o avanço do movimento, a morte do rei, os cargos de mando serviram como aperitivo saboroso para os que se designavam santos incorruptíveis. John Milton, o poeta revolucionário, bem antes que morresse a República ditatorial inaugurada por Cromwell, desencantou-se com os líderes corrompidos. E veio a trama do monumental poema O Paraíso Perdido. Os comandantes revolucionários são retratados como anjos caídos. Em vez de libertar os ingleses, eles, radicais, fizeram o contrário de Moisés, pois instalaram um pandemônio de servidão como se levassem o povo eleito de volta ao Egito… Maiores informações podem ser lidas no insuspeito historiador, porque marxista, Christopher Hill (4).
Quem se corrompe e renega ideais costuma apelar para o realismo político. Mas o cacoete maquiavélico é confissão de algo sinistro: a hipocrisia disfarçava, sob os rostos imaculados e as falas virtuosas dos supostos jacobinos, o vulgar oportunismo. A traição dos militantes e líderes da esquerda ao seu discurso anterior não muda o fato brutal, a ganância pelo poder a qualquer custo. Sem a corrupção ética da esquerda, o sr. da Silva não teria a força que lhe garantiu o Planalto duas vezes e, mesmo, o conduzirá à Presidência em 2014. Lúcido Elias Canetti: “Nunca vi um homem vituperando contra o poder sem o secreto desejo de possuí-lo”. Os hipócritas jamais perdoarão a José Nêumanne Pinto o seu ato, corajoso ao extremo, de rasgar a máscara da virtude ostentada no passado por quem, hoje, elogia a desfaçatez como artifício político. Ler as páginas desse livro é um exercício de lucidez histórica.
(1) “O que é um termidoriano?”, no livro editado por C. Kintzler A República e o Terror (Paris, Kimé, 1995).
(2) Paris, L”Armançon Ed., 2008.
(3) Benoit, página 61.
(4) “Milton e a Revolução Inglesa” (Penguin, 1979).

Sugiro acessar aqui, para assistir à entrevista com o autor do livro:

OS VOTOS



O poema abaixo é de Sérgio Jockymann, jornalista, romancista, poeta e dramaturgo gaúcho. Mantinha um comentário na Rádio Guaíba,  logo após o meio-dia, em que analisava e criticava aspectos comportamentais da sociedade.  Com relação ao texto abaixo há uma polêmica entre aqueles que dizem ser dele o escrito, com os defensores de que o conteúdo seria de Vitor Hugo. À época da escrita e da publicação do texto no Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre, em 1978, ele foi consultado sobre essa disputa, tendo confirmado serem suas as ideias ali expostas e as frases escritas. Independentemente da polêmica, eu o cito como autor, dando relevo à excelente mensagem contida. Boa Leitura!
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Os Votos
Sérgio Jockymann.

“Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado.
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.
Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconseqüentes sejam corajosos e fiéis.
E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que algumas vezes você interprele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo para que você não se sinta demasiadamente seguro.
Desejo depois que você seja útil, não insubstituívelmente útil mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante, não com que os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.
E que essa tolerância nem se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.
Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais, e que sendo maduro não insista em rejuvenescer, e que sendo velho não se dedique a desesperar.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.
Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana, mas um dia.
Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes.
E que estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.
E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.
Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um joão-de-barro erguer triunfante seu canto matinal.
Porque assim você se sentirá bom por nada.
Desejo também que você plante uma semente por mais ridículo que seja e acompanhe seu crescimento dia a dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.
Só para que fique claro quem é o dono de quem.
Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.
Mas que essa frugalidade não impeça você de abusar quando o abuso se impuser.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.
Desejo por fim que, sendo mulher, você tenha um bom homem e que sendo homem tenha uma boa mulher.
E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez e novamente de agora até o próximo ano acabar.
E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor pra recomeçar.
E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar”




RECEITA PARA O CAOS


Trago o texto do ex-ministro dos governos militares, ainda voz a ser ouvida no contexto macroeconômico. Faço-o porque coincide com minha opinião acerca das idas e vindas da economia mundial, onde predomina a falta de visão global, num cenário dominado por tendências estabelecidas, estas, por especuladores ou por situações pontuais, criadas aqui e ali para dar vazão a determinados focos de interesse. Aí, então, todos parecem fechar os olhos e os sentidos, caminhando para o desastre estabelecido por espertalhões. Novamente, num círculo vicioso, retomamos o rumo e voltamos a cair no engodo. A crise atual, depois do seu início formal, já dura três anos e parece ter a persistência muito maior. Sugiro, pois, a leitura do texto abaixo:
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RECEITA PARA O CAOS
Antonio Delfim Neto


Houve novidade na última semana? Nenhuma! Talvez apenas a confirmação que a "racionalidade" dos agentes no mercado é a mesma dos carneiros de Panurge, o célebre personagem criado por Rabelais: tendo sido um deles jogado ao mar, foi fielmente seguido pelos outros. O mercado é a "manada". É a "imitação". É o contágio. É a busca da segurança na insegurança: todos seguem todos, supondo que o vizinho sabe o que está fazendo. Aliás, foi aquele o exemplo dado pelo maior matemático do século XIX, Henry Poincaré (1854-1912), para não dar o grau máximo à tese de Louis Bachelier, o criador da economia financeira, cujo elegante modelo supunha que o comportamento dos agentes fosse independente...

O fato lamentável é que o "mercado em geral" deixou de observar o único mercado em que a possibilidade de um "default" dos EUA seria visível: o próprio mercado dos títulos do Tesouro! Como de costume, o Tesouro continuou vendendo semanalmente (até a última semana de julho), cerca de US$ 80 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias, um ano e dois anos (com demanda igual a quatro vezes o total vendido) e com taxa de juros declinante. Esse é o claro fato que nele sempre se considerou um evento de probabilidade nula (ainda que não impossível): os EUA, depois de 250 anos de construção da maior credibilidade do mundo, virem a reconhecer um "default" no cumprimento de obrigações com relação a sua dívida pública.

Não pode haver dúvida. Os EUA estão diante de grave problema: a ocasional disfuncionalidade da sua administração política. O Congresso, dominado por radicalismos, tem dificultado fortemente uma ação adequada do Executivo. A discussão farsesca sobre a ampliação do teto da dívida americana que perturbou todos os mercados (menos o dos próprios títulos da dívida como mostramos acima!) é um sinal daquela disfuncionalidade que aumentou de forma irresponsável a volatilidade de todas as economias do mundo. Ao mesmo tempo, ajudou a ampliar as incertezas sobre a solvência de alguns países da Eurolândia. Infelizmente, esses fazem parte de uma comunidade que, seguramente, não é uma área monetária ótima, não tem mecanismo de controle efetivo sobre as finanças de cada participante e seu Banco Central está mais perplexo e dividido internamente do que o Fed.

Para encurtar uma longa história é preciso reconhecer que a única solução para esses problemas é uma aceleração do crescimento econômico contra o qual, infelizmente, conspiram:

1º) as políticas contracionistas impostas a alguns países; e

2º) a falta de coordenação capaz de impor, pelo ajuste negociado das taxas de câmbio, um reequilíbrio do comércio mundial.

Para o mundo em recessão, a disputa entre as sugestões "neoclássicas" e as "keynesianas" são completamente irrelevantes, uma vez que é visível e palpável o imenso desemprego e a redução do uso do capital físico.

Obviamente o que lhes falta é demanda global, isto é, a soma da demanda privada com a pública. A primeira encolheu diante das amargas consequências da imensa patifaria do sistema financeiro, feita sob os olhos complacentes dos governos que estimularam a destruição da regulação produzida nos anos 30 (criada em resposta às mesmas safadezas feitas pelo mesmo sistema financeiro e repetidas nos anos 90). A causa básica da redução da demanda foi a destruição do "circuito econômico" produzido pelo colapso instantâneo do sistema financeiro, resultado da miopia com que foi tratado o problema do Lehman Brothers.

Não é preciso ser macroeconomista para saber que a única forma de manter a demanda global, em tal circunstância, é ampliar a demanda pública, que é o remédio keynesiano. É preciso insistir que o aumento da demanda pública (pela ampliação do gasto) pode ser eficaz para ampliar o uso dos recursos "desempregados" pela queda da demanda do setor privado se, e unicamente se, estimular um aumento do consumo ou do investimento do próprio setor privado. O problema com um certo keynesianismo é esquecer Keynes. O resultado final do aumento da demanda pública só será funcional se alterar as "expectativas" do consumidor (que vê - no futuro opaco - a possibilidade de encontrar emprego) e recuperar o espírito animal do investidor (que vê - no futuro opaco - o renascimento da demanda).

O famoso "multiplicador" dos gastos públicos depende do "estado de espírito" dos agentes econômicos e só pode ser conhecido "a posteriori". É até possível obter uma ampliação do crescimento com uma redução do gasto público ou dos impostos (multiplicador negativo!) em condições excepcionais de "expectativas". A política funcionou muito mal nos EUA e na Europa porque os governos foram incapazes de cooptar a confiança do setor real das suas economias, aquele que emprega e investe. Protegeram o setor financeiro criador da desgraça (da qual eles mesmos foram coadjuvantes) e foram incapazes de restabelecer a confiança necessária ao pleno funcionamento do "circuito econômico".

É por isso que a receita neoclássica de mais "aperto" fiscal e mais aumento de impostos é um equívoco. Não pode levar a lugar nenhum porque não estimulará o uso dos recursos "desempregados" na aceleração do crescimento, que é a única solução do problema no longo prazo.

Mas e a recomendação da abandalhada S&P?


INCOERÊNCIAS DA REGÊNCIA

Todos os dias somos abordados por representantes, ou por telefonemas, de instituições de caridade que atendem idosos, dependentes químicos, deficientes mentais ou físicos. E, todas essas vezes, colaboramos financeiramente. Todos os dias sabemos de notícias que nos informam que gente do povo está à beira da morte, ou que morreu, aguardando o atendimento precário do sistema de saúde público. Todos os dias vemos e ouvimos o quê os noticiosos nos trazem, dando conta da precariedade das estradas e das conseqüências disso, com acidentes que geram despesas aos motoristas, ferimentos graves nas pessoas e mortes, muitas mortes humanas. Também, quase todos os dias, acompanhamos informes que nos dão conta que o Governo pensa em instituir novo tributo, ou que a arrecadação atingiu recorde. Todos os dias acompanhamos notícias de que os políticos, se é que os podemos denominar assim, já que de Política, a verdadeira, pouco há no Brasil, são favorecidos por novos favores do cargo, ou se valem de subterfúgios para aumentar seu rendimento. Agora, vivemos um tempo em que as Câmaras Municipais tentam aumentar o número dos seus componentes, não por vontade popular, mas pela deles, por interesses eleitorais. E todos nós pagamos os impostos exigidos, pois se não o fizermos somos severamente repreendidos e penalizados pelo Poder Público.
Mas, na contramão da sabedoria, da decência e da moral nacionais, caminhamos para o derrame desses nossos impostos pagos, a serem utilizados, primeiro, em uma ação duvidosa e que só servirá para orgulhar determinada elite recém chegada. Segundo, em sendo aceitável a realização de uma competição que eleve o orgulho nacional, focando no seu principal esporte, que isto fosse realizado de forma mais simples, sem arroubos de grandiosidade chinesa, estadunidense ou russa. E, em terceiro lugar, que isso fosse planejado com boa antecedência, de forma aberta e clara ao povo, e acessível e sujeita aos sistemas controladores populares. Além disso, o ideal era que tudo fosse  desenvolvido sem participação de recursos públicos. Mas, não é assim! Por isso, sugiro a leitura do artigo abaixo.
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Por CARLOS ALBERTO SARDENBERG/Instituto Millenium
Copa do Mundo sai muito caro para o país organizador. A maior parte do dinheiro sai do governo, ou seja, do bolso do contribuinte. Por isso mesmo, a decisão de pleitear a sede da Copa é política e vai além dos órgãos esportivos.
Que vai muito dinheiro público para a Copa de 2014 no Brasil — estamos verificando a cada dia. Também constatamos que foi praticamente inexistente o debate sobre a disposição de realizar (ou não) os jogos. O então presidente Lula carregou a candidatura brasileira como um esforço e, depois, uma conquista pessoal, sem enfrentar resistências. Quem podia ser contra a chance de recuperar o título numa final no Maracanã? Logo, hoje, não se pode reclamar dos custos cada vez mais elevados, não é mesmo? Verdade que algumas autoridades haviam garantido que não haveria doação de dinheiro público para os estádios da Copa. Mas essa tese não resistiria a dois minutos de conversa. Havia o precedente do Pan e, além do mais, autoridades sempre recorrem a um sofisma. Dizem que conceder financiamentos, empréstimos especiais e isenções de impostos não é doar dinheiro, mas fazer investimentos que resultarão em benefícios sociais e fiscais mais à frente.
Essa tese faz sentido. Com ou sem Copa, o país precisa de aeroportos maiores e melhores. A Copa faz dessa necessidade uma urgência. Depois dos jogos, permanecem os equipamentos urbanos à disposição do público. O tal legado.Cabe discussão. Um superaeroporto na cidade de Natal será uma adequada prioridade de gasto público? Um estádio na Zona Leste da cidade de São Paulo, o do Corinthians, é a melhor maneira de desenvolver aquela região? Ou seja, é possível que, por causa da Copa ou a pretexto dela, obras desnecessárias no momento tornem-se prioritárias e urgentes. São aquelas que se transformam em elefantes brancos.Tudo considerado, a verdadeira questão não é saber se e quanto dinheiro público vai para a Copa, mas se a coisa toda está sendo bem ou mal feita. Isso pode e deve ser discutido.
Estamos atrasados, é verdade. Mas vale a pena mesmo, ainda que seja como aprendizado. Não se pode esquecer que ainda temos as Olimpíadas pela frente. Por exemplo, está em tempo de reduzir o número de cidades que receberão jogos. Aquelas que estão muito atrasadas na preparação poderiam simplesmente ser eliminadas. É muito mais econômico concentrar mais jogos em menos estádios. E fazer menos arenas, claro.
A reforma do Maracanã, para ser no mínimo o palco da finalíssima, é muito cara, mas passou assim como absolutamente natural. Caberia um debate sobre o que se poderia fazer com o dinheiro da reforma? Quantas UPPs, por exemplo? E a própria reforma? Não seria mais barato um estádio novo em algum outro lugar ou no lugar do atual? Mas não. Parece que há um consenso nacional: vamos ganhar a Copa no mesmo Maracanã, reformado mas o mesmo de 1950. Se acontecer isso mesmo, será o modo mais caro do mundo de lavar a alma. Se perder…. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin sustentam que a capital paulista não pode ficar sem a abertura da Copa e que isso exige investimentos públicos. Ora, por que não pode? Qual o prejuízo para os paulistanos? Orgulho ferido se a abertura (o jogo da Espanha, atual campeã, contra um time menor) fosse em Belo Horizonte? O outro argumento diz que a realização da abertura traz negócios para a cidade. Mas a que custo?
Tal como está montada a engenharia financeira até o momento, o estádio do Corinthians, para ser também o da abertura, tem dinheiro dos três níveis de governo. O federal, via BNDES, vai emprestar R$ 400 milhões, a juros subsidiados. A prefeitura oferece R$ 420 milhões em incentivos. O prefeito dizia que era apenas isenção para o estádio. Mas não será simples assim. A prefeitura emitirá Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento para o Fundo de Investimento Imobiliário responsável pela construção da arena. O Fundo poderá vender esses certificados para empresas que tenham IPTU e ISS a pagar. Assim, contribuintes que pagariam em dinheiro para a prefeitura vão entregar Certificados comprados do Fundo. A prefeitura deixa de receber os R$ 420 milhões, dinheiro que fica como financiamento para o Fundo aplicar no estádio. E, finalmente, o governo paulista vai colocar algo entre R$ 60 milhões e R$ 70 milhões para instalar na arena corintiana 20 mil lugares provisórios e assim chegar aos 68 mil necessários para um “estádio de abertura de Copa”. Como dizem diretores do Corinthians: o timão precisa de um estádio de 48 mil lugares; se a prefeitura e o governo estadual querem a abertura, têm de pagar por isso.
É mais um dinheiro do contribuinte. Haverá muito mais país afora. E tudo na conta do “agora não tem mais jeito”. Não queriam ganhar a Copa aqui? E o pior de tudo é que o mais importante, a seleção, não vai lá das pernas. Sempre com dinheiro público, há Copas e Olimpíadas benfeitas e outras que deixam um rastro de desperdício.
Ainda daria para salvar as Olimpíadas?

DILEMAS

Eis o dilema das famílias de hoje. Como equilibrar o amor, o afeto, o carinho, sem que estes fatores signifiquem proteção exagerada e conseqüente supressão da personalidade dos filhos? Talvez devêssemos voltar o olhar para a Natureza e visualizar o comportamento animal frente à geração, ao crescimento e à  liberação dos filhotes. Este, é todo um processo maturado naturalmente, envolvendo cuidados básicos e aprendizado para, finalmente, deixá-los circular pela vida, por movimentos próprios, enfrentando os seus riscos particulares. Talvez o que nos falte, então, é isso, um retorno aos processos próximos ao natural. Mas, estamos cada vez mais distantes dessa Natureza e, portanto, será que a sabemos o suficiente? Sugiro, assim, a leitura do texto instigante, abaixo:

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MEU FILHO, VOCÊ NÃO MERECE NADA.
Por ELIANE BRUM (Revista ÉPOCA)
A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada  e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tu
do. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...