CARGA TRIBUTÁRIA (II)

O texto abaixo foi escrito por Carlos Alberto Sardenberg, para o jornal O Globo, de ontem, e, também, foi publicado na  página do Instituto Millenium, hoje. Trago-o à publicação por ter afinidade conceitual com o tema que publiquei hoje, em postagem logo anterior a esta. Ambos os textos se complementam e ajudam à formação de opinião sobre o difícil momento que a sociedade brasileira vive, tendo de um lado uma extorsão fiscal nunca sentida e, por outro, níveis de corrupção, também jamais sentidos pela nacionalidade brasileira. Como resultado, há falta de adequado atendimento às necessidades básicas dos cidadãos.

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Perderam a noção (por Carlos Alberto Sardenberg)


  
A carga tributária brasileira subiu forte em 2010 e aumenta ainda mais neste ano. E parece que não dá para nada. A conversa em Brasília trata da criação de algum novo imposto para, dizem, financiar a expansão de gastos com saúde.
Mas como podem pensar nisso diante da multiplicação dos casos de péssimo uso do dinheiro atual? Não faz muito tempo, este jornal mostrou equipamentos caros encaixotados há meses em hospitais do Rio. No domingo passado, o “Fantástico” mostrou que o Samu, o serviço de emergência do SUS, busca pacientes com ambulâncias caindo aos pedaços, enquanto deixa outras centenas delas, novinhas em folha, paradas nos pátios.
Mais impressionantes ainda são as explicações dadas por autoridades entrevistadas. Uma diz que as ambulâncias chegaram, mas não as equipes para operá-las, muito menos os telefones para atender os chamados de emergência. A questão seguinte é óbvia: como as ambulâncias foram entregues pelo Ministério da Saúde a secretarias estaduais e prefeituras se não havia como operá-las? Ora, isso acontece, mas estamos verificando – tal é o teor das respostas.
Uma secretária simplesmente disse que não sabia o que estava acontecendo. Outras autoridades alegaram problemas com contratação, licitações, atrasos burocráticos – como se não fossem elas as responsáveis pelo bom andamento dos processos.
Na cidade de São Paulo, a prefeitura tem ambulâncias paradas por falta de licenciamento dos veículos no Detran. Desde 2009! E aí? Até o fim do ano, só mais uns três meses, a coisa estará resolvida – foi a resposta.
Nada mais? Ninguém demitido por causa disso? Reparem: não é o carro do prefeito que está parado, são ambulâncias que deveriam estar servindo para salvar vidas. Só faltou dizer que era problema de despachante. Vai ver que é para isso que querem mais dinheiro. Ou que o prefeito Kassab estava muito ocupado com seu novo partido.
Por outro lado, podem reparar: o carro das autoridades está sempre um brinco, com diversos motoristas e seguranças à disposição. Por que não colocam estes para dirigir as ambulâncias ou os veículos da polícia?
Perderam a noção do serviço público. Esqueceram que toda essa máquina está aí exclusivamente para atender os cidadãos, os contribuintes. Se o serviço não é oferecido, a autoridade é sempre culpada.
Aliás, repararam nas frases? “A licitação atrasou.” Como assim? Atrasou sozinha?
Já pensaram a situação numa empresa privada? Os carros de entrega estão parados porque o contrato atrasou.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, logo ele, que vinha tão bem, e sua mãe, a deputada Ana Arraes, gastam R$300 mil de dinheiro público alugando carros de uma empresa que não tinha veículos quando ganhou a primeira licitação e cuja dona é correligionária, filiada ao mesmo partido (PSB) e filha de um antigo funcionário da família. Além disso, essa dona, Renata Ferreira, tem um emprego, nomeada, não concursada, no Ministério de Ciência e Tecnologia, dominado pelo PSB no governo Lula. Além disso, a empresa de Renata usa um aparelho de fax que havia sido dado de presente por Eduardo Campos para o pai e funcionário amigo.
Qual o problema? – foi o resumo da resposta do governador e da deputada, recém-eleita para o Tribunal de Contas da União, justamente o órgão encarregado de fiscalizar o gasto público. Houve licitação, aprovada, e pronto, disseram Campos e Ana Arraes.
O problema é que se trata de dinheiro público, dos outros. Se não tivessem perdido essa noção, o normal seria o governador dizer ao pai da Renata: olha aqui, melhor ela não entrar na licitação dos carros, pode pegar mal se ela ganhar. E o normal seria a Renata e o pai dela tomarem a decisão de não entrar para não criar eventuais embaraços ao governador, patrão, amigo e correligionário.
Em vez disso, o pessoal do poder passou a apresentar um argumento padrão: os empresários da família e do círculo de amigos não podem ser prejudicados só porque um parente/amigo tornou-se a autoridade. E isso justifica a situação dos tais empresários que saíram do zero para o sucesso só depois que o parente/amigo/correligionário chegou ao poder?
Mesmo, porém, no caso de empresas já estabelecidas, seus donos deveriam se abster de participar de negócios públicos comandados por parentes/amigos. O serviço público impõe, sim, limitações. Um juiz não pode sair por aí confraternizando com réus e seus advogados. O governador e o prefeito não podem sair contratando a sua turma. No convívio social, as amizades precisam ser limitadas e, em muitas situações, afastadas. Nenhuma autoridade pode pegar carona no jatinho dos fregueses do governo.
Pode parecer ingênuo. Mas é isso ou achar que tudo isso “não tem nada demais”.
  

CARGA TRIBUTÁRIA

Trago o texto abaixo, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, no momento que em o Governo quer, mas esconde na sua retórica mal-intencionada, a criação de novo imposto para suprir o que já deveria estar suprido, só não o estando porque a administração nacional é perdulária e gerencialmente incapaz.  Pelo texto podemos ver, e sentir como contribuintes, o quanto nos é suprimido diretamente dos nossos ganhos. Já, o indiretamente, necessitaria de um exaustivo cálculo para podermos definir o quanto pagamos de planos de saúde, de conservação de automóveis, estragados em estradas ruins, de pedágios que não deveriam ser pagos, de assistência voluntária a entidades carentes, pois o Governo não as assume, e muitos outros itens. Por outro lado, e para não dar consistência aos possíveis argumentos dos que venham a dizer que, pelo menos, o Brasil ainda é o décimo quarto, é bom lembrar que a lista abaixo mostra  13 países maiores arrecadantes que o nosso, mas situados num patamar muito superior de boa oferta de serviços públicos. Já, o nosso, sabemos por ver todo o dia no noticiário, as péssimas condições de atendimento à saúde, a segurança deteriorada, os serviços públicos em geral de má qualidade, enfim, dados que não correspondem ao que nos é tributado.
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BRASIL SOBE NO RANKING MUNDIAL DOS PAÍSES COM MAIOR CARGA TRIBUTÁRIA

BRASIL SUBIU 4 POSIÇÕES NO RANKING MUNDIAL DOS PAÍSES COM MAIOR CARGA TRIBUTÁRIA EM 2009, SEGUNDO DADOS DIVULGADOS EM 15/12/2010 PELA OCDE

A OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico — divulgou ontem, 15/12/2010, os dados de 2009 sobre a arrecadação tributária em comparação ao PIB, a chamada Carga Tributária, dos países que dela fazem parte.
Em geral, houve uma queda na carga tributária da maioria dos países listados, em comparação com os dados de 2008, em razão do declínio da atividade econômica e do corte de tributos, motivados pela recessão que seguiu a crise econômica mundial iniciada em 2008. Os países com maior queda em sua carga tributária foram: Chile (de 22,5% em 2008 para 18,2% em 2009), México (de 21% em 2008 para 17,5% em 2009) e
Grécia (de 32,6% em 2008 para 29,4% em 2009).
Alguns poucos países ainda registraram um aumento na carga tributária de 2009 em comparação com a de 2008, dentre eles Luxemburgo (de 35,5% em 2008 para 37,5% em 2009), Suíça (de 29,1% em 2008 para 30,3% em 2009) e Eslovênia (de 37,2% em 2008 para 37,9% em 2009). Como se percebe, a elevação na carga tributária desses poucos países — em média de 0,5% — foi bem menos expressiva do que a queda no percentual de carga tributária dos demais países — média de 1,9%.
Caso o Brasil integrasse o rol de membros da OCDE (composto atualmente de 33 países), estaria ocupando o 14º lugar no ranking geral dos países com o maior percentual de carga tributária (34,5%, segundo dados divulgados pelo IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), apenas “perdendo” para os seguintes países:

1     DINAMARCA               48,20
2     SUÉCIA                          46,40
3     ITÁLIA                            43,50
4     BÉLGICA                        43,20
5     FINLÂNDIA                   43,10
6     ÁUSTRIA                       42,80
7     FRANÇA                        41,90
8     NORUEGA                    41,00
9     HUNGRIA                     39,10
10   ESLOVÊNIA                  37,90
11   LUXEMBURGO           37,50
12   ALEMANHA                 37,00
13   REPÚBLICA TCHECA 34,80
14   BRASIL                          34,50

Comparando tais dados com os divulgados pela OCDE em 2008, quando o Brasil, caso dela fizesse parte, estaria ocupando a 18ª posição (com uma carga tributária de 34,7%, segundo dados do IBPT), percebe-se que o Brasil subiu 4 posições, chegando bem próximo de integrar a lista dos “TOP 10” dentre os países com as maiores cargas tributárias do mundo.
Surpreende o fato de o Brasil somente “perder” para países europeus, altamente desenvolvidos, como é o caso dos países da Escandinávia (Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia), que, ao contrário do Brasil, prestam serviços públicos de qualidade, garantindo à sua população saúde, segurança, educação, previdência social, boas estradas, reembolso de medicamentos, auxílio moradia etc. Ou seja, além do que os habitantes desses países têm que destinar aos seus respectivos governos, por meio do pagamento de tributos, não precisam recorrer ao setor privado, despendendo ainda outra parcela significativa de seus rendimentos, para custear tais serviços essenciais.
Essa é a grande distinção entre tais países europeus e o Brasil, onde, além de ser necessário trabalhar quase 150 dias (ou 5 meses) do ano somente para custear a cobrança de tributos por parte do governo, o brasileiro ainda tem que trabalhar outros
quase 5 meses somente para pagar, ao setor privado da economia, os serviços públicos
essenciais que o governos deveria garantir-lhe, pois é essencialmente para isto que os tributos são pagos.
É importante esclarecer, nesse sentido, que o principal motivo dessa grande distorção entre os países europeus com carga tributária elevada e o Brasil — também com carga tributária muito elevada — não é o número de habitantes, nem a extensão geográfica ou qualquer outro motivo nesse sentido que se queira dar (que nada dizem respeito ao cálculo da carga tributária, que é feito proporcionalmente ao tamanho físico e econômico do país, pois justamente é a divisão do total arrecadado em tributos pelo PIB do país). Mas sim, e primordialmente, a quantidade do desvio do dinheiro público e a má gestão da máquina pública que levam, ainda, a uma outra conseqüência nefasta: a sonegação tributária!
Aí é que se encontra o “rombo” brasileiro, o que causa grande revolta na população. O brasileiro, em geral, não é contra o pagamento de tributos, até mesmo porque tem consciência de sua importância para custear a máquina pública. O que lhe angustia e lhe causa revolta é saber que paga — e paga muito — ao governo e não tem um retorno minimamente satisfatório.
Além disso, também causa revolta saber que o brasileiro tem que pagar mais tributos do que os habitantes do Reino Unido, do Canadá, da Espanha e dos Estados Unidos, somente para citar alguns outros importantes países desenvolvidos.
Mais revolta ainda, causa saber que, dentre os países em estágio de desenvolvimento equivalente ao brasileiro, o Brasil lidera, disparado, o ranking em carga tributária:

BRASIL    34,50
2  CORÉIA        25,60
3  TURQUIA    24,60
4  RÚSSIA*      23,00
5  CHINA*       20,00
6  CHILE           18,20
7  MÉXICO       17,50
8  ÍNDIA*         12,10
* Cf. estudo elaborado pelo escritório Machado-Meyer, intitulado “"Tax Burden in the World - A Comparative Brazil X BRICs", obtido em http://www.indiabrazilchamber.org/en/?p=2094, acesso em 16/12/2010.

Enfim, basta agora parar para refletir até onde se espera que o Brasil chegue com essa sua elevada carga tributária. E olha que não falta muito para se inserir dentre os “TOP 10” do mundo!
Espera-se sinceramente que esse não seja o objetivo do novo governo em 2011... pelo menos não sem que haja uma mudança significativa na taxa de retorno de serviços públicos à população brasileira.
Se é para o Brasil ser comparado aos países europeus, que não seja apenas no percentual elevado de sua carga tributária, mas sim e primordialmente, na qualidade de serviços públicos prestados à população!

LETÍCIA MARY FERNANDES DO AMARAL
Advogada e Vice-Presidente do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

HIDRELÉTRICAS, ENERGIA LIMPA?

A reportagem que obtive no Instituto Humanitas Unisinos, coincide com meu ponto de vista, acerca de um dos aspectos incidentes sobre a construção de hidrelétricas. Há algumas décadas, esse passou a ser, e ainda é, um grande negócio para as construtoras e para os governos. Para aqueles, pela obviedade do ganho financeiro fácil, para estes últimos, pela facilidade em resolver problemas imediatos do país. Já as questões inerentes, ambientais e humanas, não têm a importância necessária na análise.
Apesar de alguns pesquisadores já haverem trazido à luz temas como este, das emissões dos reservatórios, o estudo indicado abaixo, parece-me, é bastante consistente para se contrapor ao entendimento cômodo de setores da administração pública a quem não intreressa o debate em torno do assunto. Sugiro a leitura a seguir.

Os pesquisadores Salvador Pueyo e Philip M. Fearnside, do IC3 e do Inpa, respectivamente, garantem que as pesquisas anteriores sobre este tema subestimavam “quase 80% das emissões”.
A emissão de gases que contribuem para o “efeito estufa” de hidrelétricas é quatro vezes maior do que se pensava, segundo um estudo do Instituto Catalão de Ciências do Clima (IC3) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Brasil.  Este estudo põe em dúvida a reputação de “energia limpa”, que se ostentava para a energia hidrelétrica e indica que estas centrais produzem emissões de partículas de metano na atmosfera, um gás que contribui mais para o aquecimento global da Terra que o dióxido de carbono (CO2).

De acordo com o IC3, as condições ambientais que são criadas no entorno de reservatórios hidrelétricos, especialmente em climas tropicais, faz com que a matéria orgânica em decomposição não gere CO2, mas o gás metano, que contribui mais para o “efeito estufa” que dióxido de carbono.  Os pesquisadores Salvador Pueyo e Philip M. Fearnside, do IC3 e do Inpa, respectivamente, garantem que as pesquisas anteriores sobre este tema subestimavam “quase 80% das emissões” e nota que essas centrais hidrelétricas são “fábricas de metano”, com um nível semelhante de emissões de centrais termoelétricas.

Este estudo aparece em um momento de grande controvérsia em vários países sul-americanos onde está se impulsionando a construção de hidrelétricas que ameaçam inundar grandes áreas da floresta amazônica e destruir o habitat de tribos indígenas.  Um dos projetos mais polêmicos é a construção da usina de Belo Monte, na Amazônia brasileira, que deverá ser a terceira maior do mundo.

De acordo com Pueyo: “Este trabalho deixa sem base qualquer tentaiva de justificar a destruição das florestas e a invasão de terras indígenas para levar adiante uma suposta” energia limpa “para freiar as alterações climáticas”.

Leia o estudo na íntegra.





Meu comentário:
É necessário repensar essa pretensa melhor matriz energética brasileira, baseada em hidrelétricas, deixando de lado outras fontes tão eficientes e, estas sim, menos poluentes e impactantes no meio. Este meio, entendido não apenas o  físico e o biótico, mas, fundamentalmente, o social, quando ocorre o desalojamento de populações e a desagregação consequente dessas comunidades, deve passar a merecer atenção mais acurada. Uma construção desse tipo não pode mais ser vista de per si, mas no contexto nacional e as implicações que as rupturas ambientais particularizadas podem gerar no todo.




REPÚBLICA DA TENTAÇÃO

Primeiramente, trago um texto de Roberto Romano, escrito para o Instituto Millenium, motivado pelo livro de Jose Nêumanne Pinto sobre Lulla. Logo depois do texto, situo um novo endereço de página onde há uma entrevista deste mesmo escritor sobre o mesmo assunto.
Em livro que o jornalista escreveu recentemente, ele demonstra, apropriadamente, o porquê de as denúncias de corrupção nunca colarem e Lulla sempre se sair bem, diante de todas as situações, nas quais outros naufragariam. Vale a pena acompanhar a entrevista com toda a atenção, apesar de ocupar mais de 20 minutos. Como ele afirma durante a entrevista,  Lulla espelha, com perfeição, o retrato do povinho brasileiro, acostumado à malandragem, ao oportunismo, à corrupção e sempre disposto a tirar vantagem. Sempre que escrevo o nome LULLA, faço-o com a grafia duplicada da letra, pois quero representar com isto a condição de gêmeo político de COLLOR, este  o maior representante, junto com o primeiro, da mentira, da desfaçatez, da enganação do eleitor e da corrupção. Apesar disto, neste último item, COLLOR tem expressão ínfima perante LULLA e sua turma que refundaram essa forma de crime, como poderá ser visto na entrevista.
A seguir, então, o texto e a entevista.
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Nêumanne e os termidorianos
Roberto Romano (Texto publicado em 27/08/2011 no sítio do Instituto Millenium)

O livro de José Nêumanne Pinto “O que Sei de Lula” ajuda a reflexão ética e política. As suas páginas ultrapassam a figura do suposto pai da Pátria. Elas narram, em surdina, o golpe político encenado pelos que se abrigam no Partido dos Trabalhadores e em agremiações similares. Nêumanne traça um retrato fiel do proprietário no condomínio petista. Os fatos brotam diante de nossos olhos e têm como base a experiência pessoal do autor e documentos ou testemunhos de pessoas que seguiram a carreira do líder. O seu relato segue o preceito de Tucídides e Tácito: nada adiantar sem provas e, sempre, manter a isenção de ânimo.
O livro narra as agruras, as idiossincrasias, as matreirices do personagem que, ainda hoje, governa o Brasil. A cada instante fica bem claro que a cadeira da Presidência da República é ocupada por certa personalidade vicária, à espera de um retorno triunfal, em 2014, do verdadeiro dono. Tudo indica a prática de um império de tipo cesarista: populismo, propaganda, cargos e recursos públicos em favor de um homem. Temos aí a face visível da tragédia. A escondida indica o oportunismo das esquerdas, que, para chegarem ao poder, jogaram às urtigas ideologias, programas, posturas éticas.
Na história política moderna, este não é o primeiro golpe da esquerda para garantir aos seus líderes as benesses palacianas. Um intelectual insuspeito, porque fiel à ideologia, Alain Badiou prova que o Termidor, quando acabou a Revolução Francesa, se deveu aos jacobinos. “Os termidorianos históricos não são aristocratas, restauradores, ou mesmo girondinos. São as pessoas da maioria robespierrista na Convenção” (1). Os partidários do Incorruptível – apelido de Robespierre – aboliram as teses revolucionárias. “Meditar sobre a corrupção”, adianta Badiou, “com certeza não é inútil hoje. (…) Sylvain Lazarus mostrou que “corrupção” designa inicialmente a precariedade política, ligada ao seu princípio real subjetivo (a virtude, os princípios). E depois, como resultado, vemos a corrupção material. Um termidoriano, em sua essência política, é um corrompido. O que significa: um aproveitador da precariedade das convicções (e das vontades). Aliás, os termidorianos históricos são, o dossiê é claro, corrompidos no sentido usual”. Primeiro os valores éticos são alardeados, depois eles se transformam, na metamorfose ambulante, em “bravatas”.
Após anos proclamando a virtude, a facção jacobina decidiu melhorar sua vida rifando os antigos ideais? Negativo. A corrupção não caiu nas hostes da esquerda de repente. A historiografia da Revolução Francesa evidencia, com documentos e relatos de vida, a maneira como líderes “puros” e “inflexíveis”, que usavam a guilhotina contra adversários, se foram apropriando desde cedo da riqueza pública em proveito pessoal. Quem deseja se informar leia o dossiê, publicado por Michel Benoit, 1793, a “República da Tentação, um Caso de Corrupção na Primeira República” (2). O autor narra a odisseia de Claude Bazire e seus pares, todos da ala radical esquerdista. Um caso basta: em 1792 foi roubado o armário com joias da antiga Coroa francesa. “O ministro Roland, ao informar a Assembleia sobre o roubo, tinha apontado com o dedo os verdadeiros responsáveis: a Comuna Insurrecional e o Comitê de Vigilância, do qual Bazire e Chabot eram integrantes, mas ele não denunciou os verdadeiros culpados, por insuficiência de provas…” (3). As estripulias dos “puros” aumentaram com a impunidade, até que eles foram condenados por corrupção.
O exemplo francês teve antecedentes de corrupção e voracidade de poder na Revolução Puritana da Inglaterra, no século 17. Os radicais exigiam que os governantes e juízes prestassem contas à cidadania dos recursos humanos e materiais sob sua responsabilidade. Falamos da famosa accountability. No entanto, com o avanço do movimento, a morte do rei, os cargos de mando serviram como aperitivo saboroso para os que se designavam santos incorruptíveis. John Milton, o poeta revolucionário, bem antes que morresse a República ditatorial inaugurada por Cromwell, desencantou-se com os líderes corrompidos. E veio a trama do monumental poema O Paraíso Perdido. Os comandantes revolucionários são retratados como anjos caídos. Em vez de libertar os ingleses, eles, radicais, fizeram o contrário de Moisés, pois instalaram um pandemônio de servidão como se levassem o povo eleito de volta ao Egito… Maiores informações podem ser lidas no insuspeito historiador, porque marxista, Christopher Hill (4).
Quem se corrompe e renega ideais costuma apelar para o realismo político. Mas o cacoete maquiavélico é confissão de algo sinistro: a hipocrisia disfarçava, sob os rostos imaculados e as falas virtuosas dos supostos jacobinos, o vulgar oportunismo. A traição dos militantes e líderes da esquerda ao seu discurso anterior não muda o fato brutal, a ganância pelo poder a qualquer custo. Sem a corrupção ética da esquerda, o sr. da Silva não teria a força que lhe garantiu o Planalto duas vezes e, mesmo, o conduzirá à Presidência em 2014. Lúcido Elias Canetti: “Nunca vi um homem vituperando contra o poder sem o secreto desejo de possuí-lo”. Os hipócritas jamais perdoarão a José Nêumanne Pinto o seu ato, corajoso ao extremo, de rasgar a máscara da virtude ostentada no passado por quem, hoje, elogia a desfaçatez como artifício político. Ler as páginas desse livro é um exercício de lucidez histórica.
(1) “O que é um termidoriano?”, no livro editado por C. Kintzler A República e o Terror (Paris, Kimé, 1995).
(2) Paris, L”Armançon Ed., 2008.
(3) Benoit, página 61.
(4) “Milton e a Revolução Inglesa” (Penguin, 1979).

Sugiro acessar aqui, para assistir à entrevista com o autor do livro:

OS VOTOS



O poema abaixo é de Sérgio Jockymann, jornalista, romancista, poeta e dramaturgo gaúcho. Mantinha um comentário na Rádio Guaíba,  logo após o meio-dia, em que analisava e criticava aspectos comportamentais da sociedade.  Com relação ao texto abaixo há uma polêmica entre aqueles que dizem ser dele o escrito, com os defensores de que o conteúdo seria de Vitor Hugo. À época da escrita e da publicação do texto no Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre, em 1978, ele foi consultado sobre essa disputa, tendo confirmado serem suas as ideias ali expostas e as frases escritas. Independentemente da polêmica, eu o cito como autor, dando relevo à excelente mensagem contida. Boa Leitura!
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Os Votos
Sérgio Jockymann.

“Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado.
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.
Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconseqüentes sejam corajosos e fiéis.
E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que algumas vezes você interprele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo para que você não se sinta demasiadamente seguro.
Desejo depois que você seja útil, não insubstituívelmente útil mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante, não com que os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.
E que essa tolerância nem se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.
Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais, e que sendo maduro não insista em rejuvenescer, e que sendo velho não se dedique a desesperar.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.
Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana, mas um dia.
Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes.
E que estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.
E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.
Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um joão-de-barro erguer triunfante seu canto matinal.
Porque assim você se sentirá bom por nada.
Desejo também que você plante uma semente por mais ridículo que seja e acompanhe seu crescimento dia a dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.
Só para que fique claro quem é o dono de quem.
Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.
Mas que essa frugalidade não impeça você de abusar quando o abuso se impuser.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.
Desejo por fim que, sendo mulher, você tenha um bom homem e que sendo homem tenha uma boa mulher.
E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez e novamente de agora até o próximo ano acabar.
E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor pra recomeçar.
E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar”




RECEITA PARA O CAOS


Trago o texto do ex-ministro dos governos militares, ainda voz a ser ouvida no contexto macroeconômico. Faço-o porque coincide com minha opinião acerca das idas e vindas da economia mundial, onde predomina a falta de visão global, num cenário dominado por tendências estabelecidas, estas, por especuladores ou por situações pontuais, criadas aqui e ali para dar vazão a determinados focos de interesse. Aí, então, todos parecem fechar os olhos e os sentidos, caminhando para o desastre estabelecido por espertalhões. Novamente, num círculo vicioso, retomamos o rumo e voltamos a cair no engodo. A crise atual, depois do seu início formal, já dura três anos e parece ter a persistência muito maior. Sugiro, pois, a leitura do texto abaixo:
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RECEITA PARA O CAOS
Antonio Delfim Neto


Houve novidade na última semana? Nenhuma! Talvez apenas a confirmação que a "racionalidade" dos agentes no mercado é a mesma dos carneiros de Panurge, o célebre personagem criado por Rabelais: tendo sido um deles jogado ao mar, foi fielmente seguido pelos outros. O mercado é a "manada". É a "imitação". É o contágio. É a busca da segurança na insegurança: todos seguem todos, supondo que o vizinho sabe o que está fazendo. Aliás, foi aquele o exemplo dado pelo maior matemático do século XIX, Henry Poincaré (1854-1912), para não dar o grau máximo à tese de Louis Bachelier, o criador da economia financeira, cujo elegante modelo supunha que o comportamento dos agentes fosse independente...

O fato lamentável é que o "mercado em geral" deixou de observar o único mercado em que a possibilidade de um "default" dos EUA seria visível: o próprio mercado dos títulos do Tesouro! Como de costume, o Tesouro continuou vendendo semanalmente (até a última semana de julho), cerca de US$ 80 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias, um ano e dois anos (com demanda igual a quatro vezes o total vendido) e com taxa de juros declinante. Esse é o claro fato que nele sempre se considerou um evento de probabilidade nula (ainda que não impossível): os EUA, depois de 250 anos de construção da maior credibilidade do mundo, virem a reconhecer um "default" no cumprimento de obrigações com relação a sua dívida pública.

Não pode haver dúvida. Os EUA estão diante de grave problema: a ocasional disfuncionalidade da sua administração política. O Congresso, dominado por radicalismos, tem dificultado fortemente uma ação adequada do Executivo. A discussão farsesca sobre a ampliação do teto da dívida americana que perturbou todos os mercados (menos o dos próprios títulos da dívida como mostramos acima!) é um sinal daquela disfuncionalidade que aumentou de forma irresponsável a volatilidade de todas as economias do mundo. Ao mesmo tempo, ajudou a ampliar as incertezas sobre a solvência de alguns países da Eurolândia. Infelizmente, esses fazem parte de uma comunidade que, seguramente, não é uma área monetária ótima, não tem mecanismo de controle efetivo sobre as finanças de cada participante e seu Banco Central está mais perplexo e dividido internamente do que o Fed.

Para encurtar uma longa história é preciso reconhecer que a única solução para esses problemas é uma aceleração do crescimento econômico contra o qual, infelizmente, conspiram:

1º) as políticas contracionistas impostas a alguns países; e

2º) a falta de coordenação capaz de impor, pelo ajuste negociado das taxas de câmbio, um reequilíbrio do comércio mundial.

Para o mundo em recessão, a disputa entre as sugestões "neoclássicas" e as "keynesianas" são completamente irrelevantes, uma vez que é visível e palpável o imenso desemprego e a redução do uso do capital físico.

Obviamente o que lhes falta é demanda global, isto é, a soma da demanda privada com a pública. A primeira encolheu diante das amargas consequências da imensa patifaria do sistema financeiro, feita sob os olhos complacentes dos governos que estimularam a destruição da regulação produzida nos anos 30 (criada em resposta às mesmas safadezas feitas pelo mesmo sistema financeiro e repetidas nos anos 90). A causa básica da redução da demanda foi a destruição do "circuito econômico" produzido pelo colapso instantâneo do sistema financeiro, resultado da miopia com que foi tratado o problema do Lehman Brothers.

Não é preciso ser macroeconomista para saber que a única forma de manter a demanda global, em tal circunstância, é ampliar a demanda pública, que é o remédio keynesiano. É preciso insistir que o aumento da demanda pública (pela ampliação do gasto) pode ser eficaz para ampliar o uso dos recursos "desempregados" pela queda da demanda do setor privado se, e unicamente se, estimular um aumento do consumo ou do investimento do próprio setor privado. O problema com um certo keynesianismo é esquecer Keynes. O resultado final do aumento da demanda pública só será funcional se alterar as "expectativas" do consumidor (que vê - no futuro opaco - a possibilidade de encontrar emprego) e recuperar o espírito animal do investidor (que vê - no futuro opaco - o renascimento da demanda).

O famoso "multiplicador" dos gastos públicos depende do "estado de espírito" dos agentes econômicos e só pode ser conhecido "a posteriori". É até possível obter uma ampliação do crescimento com uma redução do gasto público ou dos impostos (multiplicador negativo!) em condições excepcionais de "expectativas". A política funcionou muito mal nos EUA e na Europa porque os governos foram incapazes de cooptar a confiança do setor real das suas economias, aquele que emprega e investe. Protegeram o setor financeiro criador da desgraça (da qual eles mesmos foram coadjuvantes) e foram incapazes de restabelecer a confiança necessária ao pleno funcionamento do "circuito econômico".

É por isso que a receita neoclássica de mais "aperto" fiscal e mais aumento de impostos é um equívoco. Não pode levar a lugar nenhum porque não estimulará o uso dos recursos "desempregados" na aceleração do crescimento, que é a única solução do problema no longo prazo.

Mas e a recomendação da abandalhada S&P?


INCOERÊNCIAS DA REGÊNCIA

Todos os dias somos abordados por representantes, ou por telefonemas, de instituições de caridade que atendem idosos, dependentes químicos, deficientes mentais ou físicos. E, todas essas vezes, colaboramos financeiramente. Todos os dias sabemos de notícias que nos informam que gente do povo está à beira da morte, ou que morreu, aguardando o atendimento precário do sistema de saúde público. Todos os dias vemos e ouvimos o quê os noticiosos nos trazem, dando conta da precariedade das estradas e das conseqüências disso, com acidentes que geram despesas aos motoristas, ferimentos graves nas pessoas e mortes, muitas mortes humanas. Também, quase todos os dias, acompanhamos informes que nos dão conta que o Governo pensa em instituir novo tributo, ou que a arrecadação atingiu recorde. Todos os dias acompanhamos notícias de que os políticos, se é que os podemos denominar assim, já que de Política, a verdadeira, pouco há no Brasil, são favorecidos por novos favores do cargo, ou se valem de subterfúgios para aumentar seu rendimento. Agora, vivemos um tempo em que as Câmaras Municipais tentam aumentar o número dos seus componentes, não por vontade popular, mas pela deles, por interesses eleitorais. E todos nós pagamos os impostos exigidos, pois se não o fizermos somos severamente repreendidos e penalizados pelo Poder Público.
Mas, na contramão da sabedoria, da decência e da moral nacionais, caminhamos para o derrame desses nossos impostos pagos, a serem utilizados, primeiro, em uma ação duvidosa e que só servirá para orgulhar determinada elite recém chegada. Segundo, em sendo aceitável a realização de uma competição que eleve o orgulho nacional, focando no seu principal esporte, que isto fosse realizado de forma mais simples, sem arroubos de grandiosidade chinesa, estadunidense ou russa. E, em terceiro lugar, que isso fosse planejado com boa antecedência, de forma aberta e clara ao povo, e acessível e sujeita aos sistemas controladores populares. Além disso, o ideal era que tudo fosse  desenvolvido sem participação de recursos públicos. Mas, não é assim! Por isso, sugiro a leitura do artigo abaixo.
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Por CARLOS ALBERTO SARDENBERG/Instituto Millenium
Copa do Mundo sai muito caro para o país organizador. A maior parte do dinheiro sai do governo, ou seja, do bolso do contribuinte. Por isso mesmo, a decisão de pleitear a sede da Copa é política e vai além dos órgãos esportivos.
Que vai muito dinheiro público para a Copa de 2014 no Brasil — estamos verificando a cada dia. Também constatamos que foi praticamente inexistente o debate sobre a disposição de realizar (ou não) os jogos. O então presidente Lula carregou a candidatura brasileira como um esforço e, depois, uma conquista pessoal, sem enfrentar resistências. Quem podia ser contra a chance de recuperar o título numa final no Maracanã? Logo, hoje, não se pode reclamar dos custos cada vez mais elevados, não é mesmo? Verdade que algumas autoridades haviam garantido que não haveria doação de dinheiro público para os estádios da Copa. Mas essa tese não resistiria a dois minutos de conversa. Havia o precedente do Pan e, além do mais, autoridades sempre recorrem a um sofisma. Dizem que conceder financiamentos, empréstimos especiais e isenções de impostos não é doar dinheiro, mas fazer investimentos que resultarão em benefícios sociais e fiscais mais à frente.
Essa tese faz sentido. Com ou sem Copa, o país precisa de aeroportos maiores e melhores. A Copa faz dessa necessidade uma urgência. Depois dos jogos, permanecem os equipamentos urbanos à disposição do público. O tal legado.Cabe discussão. Um superaeroporto na cidade de Natal será uma adequada prioridade de gasto público? Um estádio na Zona Leste da cidade de São Paulo, o do Corinthians, é a melhor maneira de desenvolver aquela região? Ou seja, é possível que, por causa da Copa ou a pretexto dela, obras desnecessárias no momento tornem-se prioritárias e urgentes. São aquelas que se transformam em elefantes brancos.Tudo considerado, a verdadeira questão não é saber se e quanto dinheiro público vai para a Copa, mas se a coisa toda está sendo bem ou mal feita. Isso pode e deve ser discutido.
Estamos atrasados, é verdade. Mas vale a pena mesmo, ainda que seja como aprendizado. Não se pode esquecer que ainda temos as Olimpíadas pela frente. Por exemplo, está em tempo de reduzir o número de cidades que receberão jogos. Aquelas que estão muito atrasadas na preparação poderiam simplesmente ser eliminadas. É muito mais econômico concentrar mais jogos em menos estádios. E fazer menos arenas, claro.
A reforma do Maracanã, para ser no mínimo o palco da finalíssima, é muito cara, mas passou assim como absolutamente natural. Caberia um debate sobre o que se poderia fazer com o dinheiro da reforma? Quantas UPPs, por exemplo? E a própria reforma? Não seria mais barato um estádio novo em algum outro lugar ou no lugar do atual? Mas não. Parece que há um consenso nacional: vamos ganhar a Copa no mesmo Maracanã, reformado mas o mesmo de 1950. Se acontecer isso mesmo, será o modo mais caro do mundo de lavar a alma. Se perder…. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin sustentam que a capital paulista não pode ficar sem a abertura da Copa e que isso exige investimentos públicos. Ora, por que não pode? Qual o prejuízo para os paulistanos? Orgulho ferido se a abertura (o jogo da Espanha, atual campeã, contra um time menor) fosse em Belo Horizonte? O outro argumento diz que a realização da abertura traz negócios para a cidade. Mas a que custo?
Tal como está montada a engenharia financeira até o momento, o estádio do Corinthians, para ser também o da abertura, tem dinheiro dos três níveis de governo. O federal, via BNDES, vai emprestar R$ 400 milhões, a juros subsidiados. A prefeitura oferece R$ 420 milhões em incentivos. O prefeito dizia que era apenas isenção para o estádio. Mas não será simples assim. A prefeitura emitirá Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento para o Fundo de Investimento Imobiliário responsável pela construção da arena. O Fundo poderá vender esses certificados para empresas que tenham IPTU e ISS a pagar. Assim, contribuintes que pagariam em dinheiro para a prefeitura vão entregar Certificados comprados do Fundo. A prefeitura deixa de receber os R$ 420 milhões, dinheiro que fica como financiamento para o Fundo aplicar no estádio. E, finalmente, o governo paulista vai colocar algo entre R$ 60 milhões e R$ 70 milhões para instalar na arena corintiana 20 mil lugares provisórios e assim chegar aos 68 mil necessários para um “estádio de abertura de Copa”. Como dizem diretores do Corinthians: o timão precisa de um estádio de 48 mil lugares; se a prefeitura e o governo estadual querem a abertura, têm de pagar por isso.
É mais um dinheiro do contribuinte. Haverá muito mais país afora. E tudo na conta do “agora não tem mais jeito”. Não queriam ganhar a Copa aqui? E o pior de tudo é que o mais importante, a seleção, não vai lá das pernas. Sempre com dinheiro público, há Copas e Olimpíadas benfeitas e outras que deixam um rastro de desperdício.
Ainda daria para salvar as Olimpíadas?

O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...