Extraí da página do Instituto Humanitas UNISINOS o artigo abaixo que deixa entrever como é estreita a relação entre doenças (o seu surgimento) e a indústria de medicamentos. Se, por um lado, o tipo de vida que levamos, nos ambientes inadequados em que vivemos, competindo arduamente no grupo para sobreviver, gera novas doenças físicas ou transtornos psíquicos, por outro devemos ficar atentos para que não sejamos sugestionados, induzidos e, finalmente, diagnosticados e tratados, como doentes que, muitas vezes, não somos.
Boa leitura para pensar.
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As doenças que mais venderão em 2012
Como a indústria farmacêutica
conseguiu que um terço da população dos Estados Unidos tome antidepressivos,
estatinas, e estimulantes? Vendendo doenças como depressão, colesterol alto e
refluxo gastrointestinal. Marketing impulsionado pela oferta, também conhecido
como “existe um medicamento – precisa-se de uma doença e de pacientes”. Não
apenas povoa a sociedade de hipocondríacos viciados em remédios, mas desvia os
laboratórios do que deveria ser seu pepel essencial: desenvolver remédios reais
para problemas médicos reais.
A reportagem é de Martha Rosenberg, publicada por AlterNet e reproduzida pelo sítio Mercado Ético, 19-12-2011.
Claro que nem todas as doenças são boas para tanto. Para que uma enfermidade
torne-se campeã de vendas, ela deve: (1)
existir de verdade, mas ser constatada num diagnóstico que tem margem de
manobra, não dependendo de um exame preciso; (2) ser potencialmente séria, com “sintomas silenciosos” que “só
pioram” se a doença não for tratada; (3)
ser “pouco reconhecida”, “pouco relatada” e com “barreiras” ao
tratamento; (4) explicar
problemas de saúde que o paciente teve anteriormente; (5) precisar de uma nova droga cara que não possui equivalente
genérico.
Aqui estão algumas potenciais doenças da moda, que a indústria farmacêutica
gostaria que você desenvolvesse em 2012:
Déficit de atenção com hiperatividade
em adultos
Problemas cotidianos rotulados como “depressão” impulsionaram os laboratórios
nas últimas duas décadas. Você não estava triste, bravo, com medo, confuso, de
luto ou até mesmo sentindo-se explorado. Você estava deprimido, e existe uma
pílula para isso. Mas a depressão chegou a um ápice, como a dieta Atkins e Macarena. Com sorte, existe o transtorno de déficit de atenção com
hiperatividade (DDAH) em adultos. Ele dobrou em mulheres de 45 a 65 anos e
triplicou em homens e mulheres com 20 a 44 anos, de acordo com o Wall Street Journal.
Assim como a depressão, a DDAH em adultos é uma categoria que pode englobar
tudo. “É DDAH ou menopausa?” pergunta um artigo na Additude, uma revista voltada exclusivamente à doença DDAH. “DDA e
Alzheimer: essas doenças estão relacionadas?” pergunta outro artigo da mesma
revista.
“Estou deprimida, pode ser DDAH?” diz um anúncio na Psychiatric News, mostrando uma mulher bonita, mas triste. Na
mesma publicação, outro anúncio diz “promessas quebradas – adultos com DDAH têm
quase duas vezes mais chances de se divorciar”, enquanto estimula médicos a
checar a presença de DDAH pacientes para DDAH em seus pacientes.
Adultos com DDAH são normalmente “menos responsáveis, confiáveis, engenhosos,
focados, autoconfiantes, e eles encontram dificuldades para definir,
estabelecer e propor objetivos pessoais significativos”, diz um artigo escrito
pelo dr. Joseph Biederman,
psiquiatra infantil de Harvard, que leva os créditos por colocar “disfunção
bipolar pediátrica” no mapa. Eles “mostram tendências de ser mais fechados,
intolerantes, críticos, inúteis, e oportunistas” e “tendem a não considerar
direitos e sentimentos de outras pessoas”, diz o artigo, numa frase que poderia
ser usada por muitas pessoas para definir seus cunhados.
Adultos com DDAH terão dificuldade em se manter em um emprego e pioram se não
forem tratados, diz WebMD, apontando
para o seguindo requisito para as doenças campeãs de venda – sintomas que se
agravam sem medicação. “Adultos com DDAH podem ter dificuldade em seguir
orientações, lembrar informações, concentrar-se, organizar tarefas ou completar
o trabalho no prazo”, de acordo com o site, cujo parceiro original era Eli Lilly.
Como as empresas farmacêuticas conseguiram fazer com que cinco milhões de
crianças, e agora talvez seus pais, tomem remédios para DDAH? Anúncios em telas
de 9 metros por 7, quatro vezes por hora na Times Square não vão fazer mal. Perguntam: “Não consegue manter o
foco? Não consegue ficar parado? Seu filho pode ter DDAH?” (Aposto que ninguém
teve problemas em se focar neles!).
Porém, convencer adultos que eles não estão dormindo pouco, nem entediados, mas
têm DDAH é apenas metade da batalha. As transnacionais farmacêuticas também têm
que convencer crianças que cresceram com o diagnóstico de DDAH a não pararem de
tomar a medicação, diz Mike Cola,
da Shire (empresa que produz os medicamentos para DDAH: Intuniv, Addreall XR,
Vyvanse e Daytrana). “Nós sabemos que perdemos um número significativo de
pacientes com mais ou menos vinte anos, pois saem do sistema por não irem mais
ao pediatra”.
Um anúncio da Shire na Northwestern University diz “eu lembro
de ser uma criança com DDAH. Na verdade, eu ainda tenho”, a frase está escrita
em uma foto de Adam Levine,
vocalista do Maroon 5. “É sua
DDAH. Curta”, era a mensagem subliminar. (O objetivo seria: “continue
doente”?).
Claro, pilhar crianças (ou qualquer um, na verdade) não é muito difícil. Por
que outra razão traficantes de metanfetamina dizem que “a primeira dose é
grátis”? Mas a indústria está tão empenhada em manter o mercado pediátrico de
DDAH que criou cursos para médicos. Alguns exemplos: “Identificando,
diagnosticando e controlando DDAH em estudantes”. Ou “DDAH na faculdade:
procurar e receber cuidado durante a transição da infância para a idade
adulta”.
Para assegurar-se de que ninguém pense que a DDAH é uma doença inventada, WebMD
mostra ressonâncias magnéticas coloridas de cérebros de pessoas normais e de
pacientes com DDAH (ao lado de um anúncio de Vyvanse). Mas é duvidoso se as
duas imagens são realmente diferentes, diz o psiquiatra Dr. Phillip Sinaikin, autor de
Psychiatryland. E mesmo que forem, isso não prova nada.
“O ponto central do problema é que simplesmente não existe um entendimento
definitivo de como a atividade neural está relacionada à consciência subjetiva,
a antiga relação não muito clara entre corpo e mente”, Sinaikin contou ao AlterNet. “Não avançamos muito além da
frenologia, e esse artigo do WebMD é simplesmente o pior tipo de manipulação da
indústria farmacêutica a fim de vender seus produtos extremamente caros. Nesse
caso, um esforço desesperado da Shire para manter uma parte do mercado quando o
Addreall tiver versão genérica”.
Artrite Reumatóide
A Artrite Reumatoide (AR) é uma
doença séria e perigosa. Mas os supressores do sistema imunológico que a
indústria farmacêutica oferece como alternativa – Remicade, Enbrel, Humira e
outros – também são. Enquanto a AR ataca os tecidos do corpo, levando à
inflamação das articulações, tecidos adjacentes e órgãos, os supressores
imunológicos podem abrir uma brecha para câncer, infecções letais e
tuberculose.
Em 2008, a agência norte-americana para alimentação e medicamentos (FDA)
anunciou que 45 pessoas que tomavam Humira, Enbrel, Humicade e Cimzia morreram
por doenças causadas por fungos, e investigou a relação do Humira com linfoma,
leucemia e melanoma em crianças. Esse ano, a FDA avisou que as drogas podedm
causar “um raro tipo de câncer nas células sanguíneas brancas” em jovens, e o Journal of the American Medical Association
(JAMA) advertiu o aparecimento de “infecções potencialmente fatais por
legionela e listeria”.
Medicamentos que suprem o sistema imunológico também são perigosos para os
bolsos. Uma injeção de Remicade pode custar US$ 2.500; o suprimento de um mês
de Enbrel custa US$ 1.500; o custo anual do Humira é de US$ 20 mil.
Há alguns anos, a AR era
diagnosticada com base na presença do “fator reumatóide” e inflamações. Mas,
graças ao marketing guiado pela oferta da indústria farmacêutica, bastam hoje,
para o diagnóstico, enrijecimento e dor. (Atletas e pessoas que nasceram entes
de 1970, entrem na fila, por favor).
Além do espaço de manobra para o diagnóstico e um bom nome, a AR possui outros
requisitos das doenças campeãs de vendas. “Só vai piorar” se não for tratada,
diz WebMD, e é frequentemente
“subdiagnosticada” e pouco relatada, diz Heather Mason, da Abbott, porque “as pessoas costumam
não saber o que têm, por algum tempo”.
Uma doença tão perigosa que o tratamento custa US$20 mil por ano, mas que é tão
súbita que você pode não saber que tem? AR desponta como uma doença da moda.
Fibromialgia
Outra doença pouco relatada é a fibromialgia, caracterizada dores generalizadas
e inexplicadas no corpo. Fibromialgia é “quase a definição de uma necessidade
médica não atendida”, diz Ian Read,
da Pfizer, que fabrica a primeira droga aprovada para fibromialgia, o
medicamento anticonvulsivo Lyrica. A Pfizer
doou US$ 2,1 milhões a grupos sem fins lucrativos em 2008 para “educar”
médicos sobre a fibromialgia e financiou anúncios de serviço da indústria
farmacêutica que descreviam os sintomas e citavam a droga. Hoje, a Lyrica lucra
US$ 3 bilhões por ano.
Mesmo assim, a Lyrica concorre
com Cymbalta, o primeiro
antidepressivo aprovado para fibromialgia. A Eli Lilly propôs o uso de Cymbalta
para a “dor” física da depressão, em uma campanha chamada “depressão machuca”
antes da aprovação do tratamento para fibromialgia. O tratamento de pacientes
com fibromialgia com Lyrica ou Cymbalta custa cerca de US$10 mil, segundo
diários médicos.
A indústria farmacêutica e Wall Street podem estar felizes com os medicamentos
para fibromialgia, mas os pacientes não. No site de avaliação de medicamentos,
askapatient.com, pacientes que usam Cymbalta relatam calafrios, problemas
maxilares, “pings” elétricos em seus cérebros, e problemas nos olhos. Nesse
ano, quatro pacientes relataram a vontade de se matar, um efeito colateral
frequente do Cymbalta. Usuários de Lyrica relatam no askapatient perda de
memória, confusão, ganho extremo de peso, queda de cabelo, capacidade de
dirigir automóveis comprometida, desorientação, espasmos e outros ainda piores.
Alguns pacientes tomam os dois medicamentos.
Disfunções do sono: Insônia no meio da noite
Disfunções do sono são uma mina de ouro para os laboratórios porque todo mundo
dorme – ou assiste TV, quando não consegue. Para agitar o mercado de insônia,
as corporações criaram subcategorias de insônia, como crônica, aguda,
transitória, inicial, de início tardio, causada pela menopausa, e a grande
categoria de sono não reparador. Nesse outono [primavera no hemisfério Sul], as
apareceu uma nova versão do Ambien para insônia “no meio da noite”, chamado
Intermezzo – ainda que Ambien seja,
paradoxalmente, indutor de momentos conscientes durante o sono. As pessoas
“acordam” em um blackout do Ambien e andam, falam, dirigem, fazem ligações e
comem.
Muitos ficaram sabendo desse efeito do Ambien quando Patrick Kennedy, ex-parlamentar de Rhode Island, dirigiu até
Capitol Hill para “votar” às 2h45min da manhã em 2006, sob efeito do remédio, e
bateu seu Mustang. Mas foi comer sob o efeito do Ambien que trouxe a pior
discussão sobre o medicamento. Pessoas em forma acordavam no meio de montanhas
de embalagens de pizza, salgadinhos e sorvete – cujo conteúdo tinha sido comido
pelos seus “gêmeos maus”, criados pelo remédio.
Sonolência excessiva e transtorno do sono por turno de trabalho
Não é preciso dizer: pessoas com insônia não estarão com os olhos brilhando e
coradas no dia seguinte – tanto faz se elas não tiverem dormido, ou se tiverem,
em seu corpo, resíduos de medicamentos para dormir. Na verdade, essas pessoas
estão sofrendo da pouco reconhecida e pouco relatada epidemia da Sonolência
Excessiva durante o Dia. As principais causas da SED são apnéia do sono e
narcolepsia. Mas no ano passado, as corporações farmacêuticas sugeriram uma
causa relacionada ao estilo de vida: “transtorno do sono por turno de
trabalho”. Anúncios de Provigil, um estimulante que trata SED, junto com
Nuvigil, mostram um juiz vestindo um roupão preto, no trabalho, com a frase
“lutando para combater o nevoeiro?”.
Obviamente, agentes estimulantes contribuem com a insônia, que contribui com
problemas de sonolência durante o dia, em um tipo de ciclo farmacêutico
perpétuo. De fato, o hábito de tomar medicamentos para insônia e para ficar
alerta é tão comum que ameaça a criação de um novo significado para “AA” – Adderal
e Ambien.
Insônia que é depressão
Disfunções do sono também deram nova vida aos antidepressivos. Médicos agora
prescrevem mais antidepressivos para insônia que medicamentos para insônia, de
acordo com a CNN. É também comum que eles combinem os dois, já que “insônia e
depressão frequentemente ocorrem conjuntamente, mas não fica claro qual é a
causa e qual é o sintoma”.
WebMD concorda com o uso das
duas drogas. “Pacientes deprimidos com insônia que são tratados com
antidepressivos e remédios para dormir se saem melhor que aqueles tratados
apenas com antidepressivos”, escreve.
De fato, muitas das novas doenças de massa, desde DDAH em adultos e AR até
fibromialgia são tratadas com medicamentos novos junto com outros que já
existiam e que não estão funcionando. É uma invenção das corporações
polifarmácia. Isso lembra do dono de loja que diz “eu sei que 50% da minha
propaganda é desperdiçada – só não sei qual 50%”.