RESPEITÁVEL PÚBLICO (QUE NÃO É IDIOTA)


O jornal Folha de São Paulo, de 14/08/2012, publicou o artigo abaixo, de dupla autoria, de advogados envolvidos nas defesas do MENSALÃO. A princípio, fiquei indignado com os termos do texto, mas, depois, restou-me o riso, pois passei a compreender a armadilha que ambos os escritores criaram para si próprios. Ao tentar correlacionar a denúncia da PGR com o fato hitleriano, acabaram por fazer o retrato da atuação deles próprios, e dos demais advogados, na defesa dos acusados. Afinal, o quê foi possível ouvir nesses dias de defesas junto ao STF, foi a mesmice dos tic-tac-tic-tac (como se fosse o som de máquinas de escrever antigas) de termos repetitivos, de choros crocodilianos e de teses, estas sim, criminosas, já que para fugir da acusação indefensável, defendiam o caixa-dois eleitoral, por alternativa de diminuir o impacto acusatório, como se isto não fosse crime.
Enfim, está aí, embaixo, o texto.
Ri-se tu também com a desfaçatez exposta.
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ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E PEDRO IVO VELLOSO CORDEIRO
Respeitável público
O acusador se regozija se não há provas. Assim, tem mais espaço para criar um enredo, dando vazão à sua frustração por não ser artista de sucesso
"As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais"
Fernando Pessoa

No premiado documentário "Arquitetura da Destruição", Peter Cohen defende que o nazismo só foi palatável para a população por ter sido apresentado como um projeto de embelezamento do mundo. Retratando Hitler como artista frustrado, Cohen argumenta que o intento destrutivo do nazismo se fundou em uma poderosa estética, impulsionada por uma eficiente propaganda.
Não se quer aqui taxar ninguém de nazista ou comparar alguém a Hitler. Busca-se mostrar, pelo exemplo extremo, o poder destrutivo da estética.
Ultimamente, tem se visto que algumas acusações, na boca de delatores ou formalizadas em denúncia, procuram sofisticar a sua narrativa e emprestar-lhe uma organização e beleza fora do comum. As acusações são recheadas de adjetivos. O fato tido como criminoso é guarnecido de uma série de estruturas, núcleos e funções, em um desenho perfeito.
Para esse acusador, o regozijo é maior quando não há provas, pois assim ele terá grande espaço para o seu design. Terá liberdade para conceber e desenhar o que considera a parte oculta do iceberg. Nessa parte oculta, dá vazão a todo o seu projeto de embelezamento ou frustração por não ser um artista de sucesso.
O "mensalão" é o maior exemplo dessa nova modalidade de design. A acusação não se limitou ao que há de efetivamente tangível no caso: operações financeiras entre partidos políticos e instituições financeiras. O toque estético foi dado por um pretenso delator, que, não por coincidência, é um cantor frustrado.
Do que havia de concreto, erigiu-se um enredo belo e palatável para o público, embora falso, criado: o pagamento sistemático, organizado e mensal para parlamentares. O melhor propagandista e marqueteiro não escolheria nome melhor e mais ao gosto da população: "mensalão".
Já do acusador público esperava-se sobriedade. Afinal, ele estava lidando com um fato envolto em uma disputa política, destinada a desmoralizar um partido, como reconheceu recentemente o próprio delator.
O que se viu foi justamente o contrário. O acusador público tomou gosto pela arte do escândalo e sofisticou a estética da acusação, qualificando-a como "sofisticada organização criminosa", "profissionalmente estruturada" em "núcleos". Expressões como "engrenagem criminosa", "organograma delituoso", "engenharia criminosa" conferiram ar monumental à acusação.
O "grand finale" veio com as alegações finais, um memorial e uma sustentação oral proferidas já por outro acusador público. O ponto em comum dessas manifestações foi o gosto pela adjetivação. O edifício artístico passou a ter uma pomposa qualificação: o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção do Brasil".
Poucos não reconheceriam que estética e marketing foram fundamentais para o sucesso do projeto político destrutivo do pretenso delator. O que poucos têm ressaltado é que também os acusadores públicos buscaram empregar uma bela arquitetura e um cativante enredo para o sucesso de público de sua tese.
O STF fará um julgamento técnico, não estético. Pensando no público, o acusador deve ter linguagem sóbria, clara, comedida e prosaica. Os fatos da vida merecem ser retratados com a mais sofisticada estética. Todavia, quando se pede a condenação de pessoas, não deve haver espaço para a estética, sob pena de se tornar o processo um jogo cruel.
Caro leitor, caso você se depare com uma acusação muito organizada, bela e sofisticada, suspeite! Você pode estar lidando com um artista frustrado ou um acusador arquitetando a destruição de alguém.


ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, 54, e PEDRO IVO VELLOSO CORDEIRO, 28, são advogados criminais e defendem Duda Mendonça e Zilmar Fernandes na ação penal 470


O OUTRO LADO DA 'COISA'.


Há muitas coisas entre o céu e a terra... Bem!, que há muito de escondido por detrás dos panos, por debaixo dos lençois, pelas chicanas da vida e por cima da Moral e da Ética, pisoteando-as, nós já sabemos. Por tudo isso, é importante ter sempre os sentidos voltados para o outro lado, o contraditório. Alguns denominam isso de "teoria da conspiração", tentando desacreditar a premissa posta. Ocorre, então, que passamos a valorizar apenas aquilo que a imprensa nos informa, ou que "autoridades" nos comunicam e acabamos por fechar os canais intuitivos e de análise que temos conosco.  Mas, é importante arguirmos os fatos, esgotando-lhes as variáveis, para, então vislumbramos o outro lado possível. Neste momento, então, herois podem virar vilões!

O texto abaixo, bastante longo para o pequeno tempo que dispomos nos nossos dias, é importante para nossa leitura, pois pode conter verdades escondidas. Resta-nos ler e interpretar o quê eventualmente ocorre nos escaninhos da vida pública e que podem ser fatos que nos prejudicam individualmente, mas, principalmente, destroem a nacionalidade.
O texto foi publicado em Congresso em Foco, de 12/08/2012.

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Mensalão: o que poucos sabem, e o Brasil deveria saber

“O que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália pela denúncia do mensalão foi ter deixado Lula fora do rol acusatório”
Manoel Pastana*
“Juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
(Trecho de entrevista do Corregedor-Geral do MPF, Eugênio Aragão, falando sobre “chantagem” para aumento de salário)
Vive-se um momento histórico com o julgamento do mensalão. Isso todo mundo sabe. O que quase ninguém sabe é que as provas são escassas. Contra José Dirceu, apontado como o líder do esquema criminoso, não existem provas, apenas indícios e meras conjecturas. Por meio deste artigo, mostrarei, entre outras coisas – como a explicação para a declaração transcrita acima – a razão da carência de provas no processo mensalão.
Por que o então procurador-geral da República (PGR), Antonio Fernando, autor da denúncia do mensalão, NÃO foi sequer criticado por petista algum do alto escalão, apesar de ter imputado ao PT a tentativa de perpetuação no poder, por meio de “sofisticada organização criminosa? Além disso, ele “acusou” de chefe da organização José Dirceu, um dos expoentes do partido situacionista e amigo pessoal de Lula. Antonio Fernando não sofreu crítica e ainda foi reconduzido no cargo pelo ex-Presidente Lula. Será que Lula e os caciques petistas nada fizeram contra Antonio Fernando porque compreenderam que ele apenas cumpriu o seu dever legal? Quem acredita nessa hipótese, provavelmente também acredita em Papai Noel, Saci Pererê, Mula sem cabeça, duendes…
Peço escusas pela ironia, mas é que a situação é muito séria e procuro amenizar para facilitar a leitura. Assinalo que eu não seria irresponsável de escrever sem conhecimento de causa, pois tenho um nome e um cargo a zelar (sou procurador da República e estou na ativa). Há 31 anos encontro-me no serviço público, ocupei diversos cargos, todos conquistados por concurso. Aliás, só na área jurídica, passei em seis concursos, sendo três em primeiro lugar.
As evidências mostram que a imputação de Antonio Fernando na denúncia do mensalão NÃO é inverídica. Caso fosse, certamente ele teria sofrido terríveis ataques e jamais seria reconduzido. Mas não foi pelo fato de a imputação ser verídica que nada fizeram contra ele, pois eu fiz acusação verídica contra um integrante do PT, que resultou na primeira cassação do mandato de um parlamentar federal do referido partido, fato ocorrido no início do governo Lula, e minha vida virou um inferno. Sofri covarde e doentia perseguição dentro e fora do Ministério Público Federal (MPF).
No meu entendimento, o que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália foi ter deixado Lula fora do rol acusatório, apesar de ele ter assinado atos normativos e documentos, escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso.
Entre os vários fatos praticados por Lula que beneficiaram o esquema criminoso, consta o envio, em 2004, de mais de 10 milhões de cartas (assinadas por Lula) a aposentados, incentivando-os a tomar empréstimos consignados em folha de pagamento, que proporcionaram lucros fantásticos ao banco BMG que, segundo a denúncia, foi uma das instituições financeiras que participou da “sofisticada organização criminosa”. Só para se ter uma ideia, o referido banco, com apenas dez agências e em curto espaço de tempo, fez milhares de empréstimos a aposentados, faturando quantia superior a três bilhões de reais, ganhando da Caixa Econômica Federal, com suas mais de duas mil agências. Na formalização do convênio que beneficiou o BMG, passaram por cima de tudo. Inclusive, exoneraram uma servidora do INSS que se recusou a publicar o fraudulento convênio celebrado em tempo recorde.
A ausência de Lula na peça acusatória enfraqueceu demasiadamente a denúncia, pois o que também deveria ser atribuído a ele foi imputado exclusivamente a José Dirceu. Ocorre que este, ao contrário de Lula, não assinou documento algum, sequer um bilhete. Assim, não há nenhuma prova no processo que aponte a participação do ex-chefe da Casa Civil. O que há são frágeis indícios e meras conjecturas, de forma que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que mudar totalmente a sua jurisprudência para poder alcançá-lo. É por isso que a defesa insiste tanto que o julgamento seja técnico, pois juridicamente é quase impossível condená-lo. Faltam provas.
Para condenar José Dirceu, alegou-se a aplicação da teoria do domínio do fato, que é adotada pela maioria dos países democráticos. Ocorre que a aplicação dessa teoria não dispensa a produção de provas; caso contrário, estar-se-ia orbitando na seara da responsabilidade penal objetiva, que é repelida pelo ordenamento jurídico dos países democráticos, incluindo o Brasil.
Antonio Fernando, além de deixar o ex-Presidente da República fora da acusação, inviabilizou a produção de provas efetivas (e não meras conjecturas), aptas a comprovar a existência da “sofisticada organização criminosa”. Vou indicar alguns itens (são muitos) que apontam nessa direção:
1) Marcos Valério destruiu provas (queimou notas fiscais), 19 membros da CPMI (tinha 20 membros) solicitaram a Antonio Fernando que pedisse a prisão dele. Antonio Fernando não o fez, alegando que não havia elementos e nem necessidade da prisão. Nos meus 16 anos de atuação no MPF na área criminal, nunca vi um investigado que tenha dado tanto motivo para ser preso e não foi.
2) – A esposa de Valério foi flagrada tentando sacar milionária quantia junto a um banco em Belo Horizonte. Desesperado, o “operador do mensalão” procurou Antonio Fernando e se colocou à disposição para colaborar nas investigações, objetivando os benefícios da delação premiada (estava com muito medo de ser preso, juntamente com a esposa). Antonio Fernando recusou a colaboração de Valério, alegando que a delação seria “prematura e inoportuna”. Tudo indica que ele não queria que Valério falasse. A título de informação, a queda do ex-governador do DF (José Arruda) somente foi possível graças à colaboração de Durval Barbosa (operador do mensalão do DEM) que, beneficiado pela delação premiada, entregou provas que derrubaram o ex-governador. Se não fosse isso, Arruda jamais teria caído.
3) – Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, em entrevista a um jornal de grande circulação, disse que Marcos Valério lhe afirmara que, se ele (Valério) falasse o que sabia, derrubaria a República. Em vez de Antonio Fernando propor delação premiada ao ex-secretário, cujo nome é repetido na denúncia 50 vezes, propôs a ele suspensão do processo em troca de prestação de serviço à comunidade o que, obviamente, foi prontamente aceito e Sílvio Pereira ficou fora do processo, não tendo que prestar depoimento. Para um bom entendedor…
4 – Para sepultar de vez a possibilidade de produzir provas efetivas que demonstrassem juridicamente a existência da “sofisticada organização criminosa”, Antonio Fernando, em vez de arrolar Roberto Jefferson como testemunha, uma vez que foi quem levou a público o esquema criminoso, ou então propusesse a ele a delação premiada, preferiu apenas acusá-lo. Assim, na condição de réu, sua palavra tem pouco valor para incriminar José Dirceu.
5 – Curiosamente, nas alegações finais, o atual PGR, Roberto Gurgel, por diversas vezes, utiliza os depoimentos de Jefferson “como prova” do envolvimento de José Dirceu. Por exemplo, à fl. 44, item 72, das alegações finais apresentadas por Gurgel, ele transcreve trecho do depoimento de Jefferson, no qual este afirma que, em 2005, Dirceu teria lhe dito que, juntamente com Lula, recebeu um grupo da Portugal Telecom para tratar do adiantamento de oito milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB. Veja-se trecho da declaração de Jefferson transcrito nas alegações finais por Gurgel:
“QUE em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito Santo que estariam em negociações com o Governo brasileiro (…)” Grifei.
6 – Ora, se esse depoimento de Jefferson é verdadeiro e pode ser utilizado como prova, conforme entende o PGR, considerando que Lula participou da reunião, por que ele não foi acusado? A presença de Lula na trama para angariar recursos com a Portugal TELECOM era meramente figurativa, uma espécie de boneco ambulante, totalmente manipulado e dominado por José Dirceu, por isso o ex-Presidente da República não fora acusado? Ainda que essa hipótese fosse verdadeira, pelo artigo 29 do Código Penal, Lula deveria figurar no rol dos acusados.
O ex-PGR Antonio Fernando, assim como o atual, Roberto Gurgel, pertencem ao grupo tuiuiú. Tuiuiú é uma ave do Pantanal que tem dificuldade para alçar voo. É assim que se consideravam alguns procuradores na época do ex-PGR Geraldo Brindeiro e, por isso, eles mesmos se denominaram de tuiuiú. Os tuiuiús são extremamente afinados com o PT. O grupo chegou ao poder com Claudio Fonteles, primeiro PGR nomeado por Lula. Fonteles foi ferrenho defensor de Lula (e do PT). Perseguiu impiedosamente procuradores que de alguma forma tentaram investigar/processar (de verdade e não por faz de conta) integrantes do Partido do governo. Por exemplo, um pouco antes de vir a público o escândalo do mensalão, um procurador tentou obter de Carlinhos Cachoeira um vídeo que poderia alcançar Dirceu, então chefe da Casa Civil. Cachoeira gravou o procurador e o caso foi a público.
O procurador sofreu terrível perseguição dos tuiuiús, sob a alegação de que não poderia ter ouvido Cachoeira à noite. Depois de escapar da estapafúrdia acusação, o procurador pediu exoneração do MPF, faltando pouco tempo para a aposentadoria. Foram vários procuradores que sofreram perseguição. Por outro lado, outros foram favorecidos. Por exemplo, um procurador, que costumava ocupar espaço na mídia acusando integrantes do governo FHC, solicitou “ajuda financeira” a diversas empresas. Para tanto, utilizou uma estagiária da Procuradoria que enviava ofícios às empresas beneficiadas com o trabalho institucional do MPF. O procurador em questão chegou a receber dinheiro de Daniel Dantas. Tudo foi devidamente comprovado, mas ele nunca foi responsabilizado.
Fonteles, sem nenhum amparo legal, por meio da portaria “reservada” nº 628, de 20 de outubro de 2004, criou um disfarçado serviço de inteligência no MPF; concedeu função gratificada a pessoas sem vínculo com a Administração Pública. Por exemplo, para que um garçom cursasse faculdade, Fonteles deu a ele uma função gratificada, à revelia da lei. Apesar de Claudio Fonteles ter agido como um soberano, ignorando as restrições legais, algumas vezes ele recuava. Por exemplo, os tuiuiús queriam mandar embora um procurador novato que caiu na antipatia deles. Na votação no Conselho Superior do MPF, Fonteles, como presidente do Colegiado, chegou a votar duas vezes para destruir a carreira do procurador, mas desistiu, pressionado por conselheiros que apontavam a flagrante violação à lei.
Os sucessores, Antonio Fernando e Roberto Gurgel, são mais ousados do que Fonteles. Eles não recuam. Em agosto de 2004, Fonteles queria promover a subprocurador-geral da República Eugênio Aragão, procurador que passara os últimos anos no exterior cursando doutorado. Pelas regras da promoção, por merecimento, as chances do referido procurador seriam ínfimas, pois os procuradores concorrentes permaneceram na batente do serviço, enquanto que o preferido de Fonteles estudava na Alemanha.
Fonteles colocou a promoção para votação às pressas porque, pouco tempo depois, os tuiuiús ficariam em minoria no Conselho Superior, onde é realizada a votação. Membros do Conselho que não faziam parte do grupo dos tuiuiús promoveram questão de ordem, exigindo o cumprimento da lei.
Diante da embaraçosa situação, Claudio Fonteles recuou, mas Antonio Fernando e Roberto Gurgel, não. Depois de muita discussão, uma conselheira, que não fazia parte do grupo tuiuiú, pediu vista do processo. Tal pedido acabava com a pretensão de promover Eugênio Aragão, pois quando o processo voltasse a julgamento, os tuiuiús, que na época tinham seis membros no Conselho (o colegiado tem 10 integrantes), estariam em minoria, pois, logo em seguida, haveria (como de fato houve) renovação na composição do Conselho e dois novos membros, não pertencentes ao grupo tuiuiú, tomariam o lugar de dois tuiuiús.
Para possibilitar o imediato “julgamento” do processo de promoção, Antonio Fernando e Roberto Gurgel tiveram a “brilhante” ideia de submeter o pedido de vista à votação. Isso mesmo. Violando flagrantemente o regimento interno do Conselho, que permite vista em qualquer processo, eles alegaram que em processo de promoção não é possível pedido de vista. Realizada a votação, por seis votos (exatamente os seis tuiuiús) a quadro, decidiram que não caberia pedido de vista em processo de promoção. Um absurdo.
Negado o pedido de vista, o processo foi posto em votação e o preferido de Fonteles, Eugênio Aragão, restou promovido.  O escandaloso fato ocorreu na Sexta Sessão Ordinária de 2004, do Conselho Superior do MPF.
Em novembro de 2005, a imprensa noticiou que Eugênio Aragão e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, na época, sob a tutela de Márcio Thomaz Bastos, o mesmo que depois se tornou defensor do Carlinhos Cachoeira, influenciaram autoridades americanas para não fornecerem à PF documentos relativos à movimentação financeira de Duda Mendonça no exterior, investigado no inquérito do Mensalão.
O relatório que informava a atuação de Eugênio Aragão atrapalhando as investigações da PF foi assinado por quatro delegados e dois peritos. Instaurou-se o inquérito administrativo nº 1.00.001.000116/2006-87 contra Eugênio, mas a comissão concluiu que não havia provas para puni-lo. O relator do inquérito no Conselho entendeu que havia provas, mas ocorreu a prescrição.
Eugênio Aragão atualmente é corregedor-geral do MPF. Ele, como todo tuiuiú, ocupa poleiro alto na cúpula da Instituição e é bastante afinado com o Governo. Ano passado, logo após assumir como corregedor, deixou transparecer (exceção, pois os tuiuiús costumam disfarçar muito bem) o afinamento com a situação. Por causa do movimento em prol de aumento de salário, ele disse que juízes, policiais, membros do Ministério Público e advogados públicos chantageiam o Estado. Vejamos trecho da entrevista do referido tuiuiú:
“A Polícia Federal e o Ministério Público, o Judiciário, os Auditores Fiscais. As carreiras que hoje têm poder de pressão sobre o Estado e sobre suas instituições são as que mais são valorizadas.Ou seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”
Eugênio Aragão é um tuiuiú que não sabe disfarçar como os outros sabem. Assim, pelo fato de ele não saber disfarçar, não foi reeleito para o Conselho Superior do MPF. Coisa rara, pois é muito difícil um tuiuiú perder uma eleição. Para se ter uma ideia, a Constituição Federal não prevê eleição para escolha do procurador-geral da República. Todavia, os “democráticos” tuiuiús inventaram uma eleição que escolhe três nomes para “ajudar” o Presidente da República na nomeação do procurador-geral. Até hoje, todos os que ficaram em primeiro lugar na lista de votação foram nomeados procurador-geral. Um detalhe interessante é que só são eleitos tuiuiús e o primeiro lugar da lista é sempre o procurador-geral que está no cargo ou quem ele indique.
Embora Eugênio Aragão tenha perdido a eleição para o Conselho no ano passado, ficou pouco tempo sem cargo elevado na cúpula do MPF. Dois meses depois, foi nomeado corregedor-geral. Os tuiuiús transformaram a cúpula do MPF em propriedade particular. Quem não é tuiuiú ou simpatizante do grupo não tem vez. Eles ocupam todas as funções da cúpula, bem como onde o MPF tem representação como no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A audácia é tão grande que até o filho do Antonio Fernando foi assessor de uma conselheira do CNMP. Ou seja, o órgão Colegiado que tem a missão de combater o nepotismo abrigava como assessor o filho do Presidente.
Aliás, a exemplo do filho do Lula que parece ser um fenômeno nos negócios, o filho de Antonio Fernando é um fenômeno no serviço público. Isso porque, quando terminou o mandato do pai no CNMP, ele ocupou o cargo de assessor no Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e quem o nomeou foi o então procurador-geral, Leonardo Bandarra, que hoje está afastado da função, acusado de corrupção. Mas o menino prodígio não ficou por muito tempo no MPDFT, alçou voo e foi ser assessor na Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, onde reina a tuiuiú Sandra Cureau, vice-procuradora-geral Eleitoral. Se os tuiuiús continuarem no poder, esse rapaz vai muito longe…
A “briguinha” entre petistas e tuiuiús, que a imprensa tem divulgado ultimamente, tudo indica, é só aparência. Na prática, a realidade é outra. Citarei alguns episódios, entre muitos ocorridos, que evidenciam essa hipótese. Vários procuradores da República pediram ao PGR, Roberto Gurgel, que arguisse a suspeição do ministro Dias Toffoli. Apesar da notoriedade da suspeição (e até mesmo do impedimento), Gurgel preferiu não arguir “para não atrasar o julgamento”. Ora, o MPF, além de titular da ação penal, é fiscal da lei. Assim, tem o dever de agir de acordo com a ordem jurídica.
Com efeito, o PGR jamais deveria silenciar diante de hipóteses indicativas de parcialidade do julgador (suspeição e impedimento são hipóteses legais que indicam parcialidade), mormente em caso tão importante. A possibilidade de atraso no julgamento não justifica o descumprimento da lei. Daí, como a norma prevê que determinadas situações importam em comprometimento da imparcialidade do julgador, o fiscal da lei não pode se omitir, ainda que sua atuação resulte em “atraso no julgamento”. Atraso, aliás, que seria pequeno (no máximo alguns dias), insignificante diante da dúvida eterna que pairará sobre a imparcialidade não aferida pela Corte.
No final da “sustentação oral” na Ação Penal do Mensalão, o PGR, Roberto Gurgel, pediu a expedição de mandados de prisão, imediatamente após o julgamento. Ora, Gurgel, assim como qualquer estudante de Direito, sabe que a Constituição Federal alberga o princípio da presunção de inocência, isso quer dizer que o condenado só pode ser preso, após o trânsito em julgado da decisão condenatória.  Apesar de o STF ser a última instância do Judiciário, as suas decisões estão submetidas ao mesmo princípio constitucional, ou seja, elas também devem passar pelo crivo do trânsito em julgado para serem executadas.
Assim, o trânsito em julgado não ocorre com o fim do julgamento, uma vez que depende da publicação do acórdão e dá ausência de recurso (mesmo perante o STF, é cabível recurso após qualquer julgamento). Dessa forma, caso houvesse, de fato, interesse na prisão dos acusados, principalmente, a de José Dirceu, Gurgel justificaria o pedido, fundamentando a pretensão no artigo 312 do Código de Processo Penal (assegurar a aplicação da lei penal). Assinalo que não seria difícil justificar essa hipótese.
Roberto Gurgel tão somente pediu a emissão de mandado de prisão, sem sequer apresentar justificativa alguma. Agiu como o seu antecessor (Antonio Fernando), que fez de tudo para nãopedir a prisão de Marcos Valério, quando ele destruía provas. Depois, ao ofertar a denúncia, sem justificativa alguma, pediu a prisão de todos os acusados, sabedor de que jamais seria decretada, pois seria impossível realizar a instrução processual com elevado número de acusados presos. Sabia que o STF iria negar, como de fato negou. Ou seja, deixou de cumprir a lei, pois deveria ter pedido a prisão de Valério no momento oportuno e ainda jogou para a galera, requerendo decreto prisional em momento inoportuno, deixando a impressão de que ele fez a sua parte, mas o STF não quis prender. É muita…
São incontáveis os casos que demonstram a extrema ousadia dos tuiuiús para “justificarem” suas extravagantes atitudes. Vou contar mais um caso que ocorreu recentemente. Roberto Gurgel engavetou o Inquérito policial 042/2008 (Operação Vegas) por quase três anos. Instado pela CPMI a justificar a omissão, ele respondeu, por escrito, invocando os princípios da operação controlada (hipótese prevista na Lei 9.034, art. 2o, inciso II, que permite o retardo da atuação policial), ou seja, o engavetamento, na justificativa de Gurgel, não foi omissão, mas sim “ação controlada”. Curioso é que somente ele e a sua esposa, que é subprocuradora-geral da República e o auxilia nos casos mais importantes, sabiam da “operação controlada”. O STF não sabia, a Polícia Federal não sabia, os procuradores da República que atuam na primeira instância e o juiz federal também não sabiam. Só o casal sabia da “operação controlada”.
Incrível é que Gurgel ainda teve a coragem de dizer que, graças à sua “estratégia” (de engavetar o inquérito), o esquema criminoso de Cachoeira foi desvendado. Veja-se o que ele disse no ofício encaminhado ao presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo: “Se assim não tivesse agido a Procuradoria Geral da República, não se teria desvendado o grande esquema criminoso protagonizado por Carlos Cachoeira.” Ora, a operação que resultou na prisão de Cachoeira ocorreu em outra investigação (Operação Monte Carlo – inquérito policial 089/2011), instaurada porque Gurgel engavetou a primeira investigação (Operação Vegas – inquérito policial 042/2008). A título de informação, não acredito que o engavetamento da investigação foi para favorecer o ex-senador Demóstenes Torres. A intenção, com certeza, foi outra…
Peço desculpas pela extensão do texto, mas o assunto é muito importante para ser tratado em poucas linhas. Enfatizo que escrevi o mínimo, pois as barbaridades praticadas pelos tuiuiús são inúmeras. Eles sabem dissimular muito bem. Comportam-se como se fossem serenos, equilibrados, justos. Na verdade, praticam verdadeiras atrocidades, seja perseguindo, seja favorecendo. Eles são extremamente ousados, basta ver que Gurgel engavetou a Operação Vegas por longo tempo e ainda teve a ousadia de dizer que se tratava de “operação controlada” e, graças à sua “estratégia”, o esquema de Cachoeira foi desvendado. O mesmo eles estão fazendo com o Mensalão. Deixaram Lula fora da acusação e fizeram de tudo para não produzir provas; porém, caso o STF condene mesmo sem provas, eles cantarão vitória e dirão que a condenação ocorreu graças ao trabalho deles. Contudo, se o STF mantiver a sua jurisprudência e absolver, os tuiuiús dirão que a culpa é do Supremo que não pune.
Concluo este artigo dizendo que não inventei nada (tenho prova de tudo que afirmo). Inclusive, ofertei representação contra o ex-PGR Antonio Fernando, pelo fato de ele não ter incluído Lula na denúncia, apesar da abundância de provas contra o ex-Presidente da República. Os tuiuiús arquivaram a minha representação sob pífios argumentos. Posteriormente, em abril de 2011, representei ao PGR, Roberto Gurgel, contra o ex-Presidente Lula. Curioso é que, em determinados casos, Gurgel age rápido. Por exemplo, ele recebeu uma representação contra um procurador que é odiado pelos tuiuiús. Imediatamente ele despachou, designando um procurador para tomar as medidas criminais contra o procurador perseguido.
No caso da representação que fiz contra Lula, Gurgel engavetou por um ano e dois meses. Depois de eu muito insistir sobre o andamento da representação, ele me enviou ofício, informando que a arquivou porque os fatos que imputo a Lula estão sendo apurados no inquérito 2.474, em trâmite no STF. Esse inquérito, que tem pertinência com o esquema do mensalão, tramita no Supremo desde março de 2007.
*Procurador da República, autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da República. www.manoelpastana.com.br



AÇÚCAR (II)


Ampliando os conhecimentos sobre os malefícios do açúcar, trago a entrevista abaixo, extraída da mente de um historiador que passou a pesquisar sobre o produto a partir de ter adquirido diabetes. A correlação entre a história do açúcar e as implicações dele sobre doenças atuais, então, originou este diálogo interessante, abaixo.
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A mancha negra do açúcar.

Entrevista especial com Fernando Carvalho
http://www.ihu.unisinos.br/templates/interna/images/pontilhado_news.jpg


Autor de O livro negro do açúcar, o historiador Fernando Carvalho começou a pesquisar o tema há dez anos quando descobriu que tinha diabetes. Desde então, vem percebendo como o açúcar é encarado na sociedade e qual a verdadeira face dessa substância. “Para mim, o açúcar responde pela atual era de doenças crônicas porque ele agride o organismo de diversas formas sistêmicas: ao fazer funcionar irregularmente a produção de insulina, agride o metabolismo que é o processo de construção e manutenção do nosso corpo. Levando isso em consideração, fazer uso de uma ração açucarada é o mesmo que tentar construir um edifício com cimento adulterado”, explicou ele durante a entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line.

Fernando Carvalho é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Integrou o conselho editorial da revista Presença e, como cartunista amador, publicou alguns trabalhos no Pasquim. O livro negro do açúcar foi escrito em 2009 e está disponível em PDF na internet. Em 2011, a obra foi reeditada sob o título Açúcar: o perigo doce (São Paulo: Ed. Alaúde, 2011).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você afirma no livro que o açúcar mata. De que maneira a cultura do açúcar leva à morte?

Fernando Carvalho – A cultura do açúcar não leva apenas à morte: ela também vicia, escraviza, mutila e polui. Os cortadores de cana formam um grupo de risco no que diz respeito ao consumo de crack, por exemplo, porque este é um trabalho tão desumano que só mesmo à base desta droga é que se consegue aguentá-lo. O Brasil, apesar de ter abolido a escravidão, em 1888, recentemente deu notícias da existência de formas de trabalho escravo, que estava concentrado principalmente neste setor. O governo federal teve que criar uma força-tarefa para coibir esse tipo de prática.

Mudando de crack para açúcar, na Universidade de Princeton, Estados Unidos, trabalha um pesquisador chamado Bart Hoebel [1]. Ele demonstra que o açúcar vicia pelos mesmos mecanismos da cocaína. Os resultados das pesquisas do Dr. Hoebel já foram publicados nos livros médicos oficiais de neurologia. 

Além disso, aqui no Rio de Janeiro, o Hospital da Lagoa possui uma importante unidade de tratamento de diabéticos. O açúcar provoca a mutilação, todos os anos, segundo este hospital, de cerca de dois mil diabéticos.  É a nossa legião de mutilados do açúcar. Ele também provoca a mutilação dentária. No Brasil, em média, um jovem de 18 anos tem 18% de seus dentes cariados e 7% extraídos. Entre os adultos de 44 a 53 anos, o número de cáries diminui para 7%, mas não é porque os mais velhos comem menos açúcar. A razão é mais tétrica: eles já não possuem 48% dos dentes. E 50% do grupo com idade entre 50 e 59 anos são totalmente desdentados. No cômputo geral, mais de 30 milhões de brasileiros não têm dente algum na boca para contar essa triste história.

A perda dos dentes provocada por periodontites deve-se à colonização da boca por bactérias que se alimentam de açúcar e cujo habitat é o ambiente ácido que elas mesmas criam usando o açúcar como substrato. Recentemente, descobriu-se que bactérias da placa bucal através das gengivas, durante a mastigação, alcançam a corrente sanguínea e vão se alojar no coração causando endocardite bacteriana, doença do coração que mata. O diabete, doença sistêmica que compromete todo o sistema vascular, dos capilares aos grandes vasos coronarianos, faz com que 80% dos doentes sejam propensos a morrer de doenças cardiovasculares, e 50% dos homens e 30% das mulheres tenham mais chances de serem vítimas de morte súbita.

O risco de insuficiência cardíaca é duas a três vezes maior entre diabéticos, e derrames são duas vezes mais frequentes em diabéticos hipertensos. Estima-se que em 2025 o mundo terá 300 milhões de diabéticos. As mortes totais por doenças causadas, primária ou secundariamente, pelo consumo da ração açucarada moderna, tais quais as doenças derivadas dos danos ao metabolismo, à inflamação generalizada crônica, à depressão do sistema imunológico, constituem um verdadeiro holocausto, o holocausto sacarino. Apesar de terrível, ele tem um aspecto surrealista: é um holocausto que se desenvolve sob os nossos olhos e – o pior de tudo – suas vítimas “lambem os beiços” enquanto são sacrificadas.

IHU On-Line – Quando se interessou em pesquisar esse tema?

Fernando Carvalho – Há aproximadamente dez anos descobri que estava com diabetes. Aconteceu comigo aquele conjunto de sintomas que denunciam o esgotamento do pâncreas: poliúria [sintoma que corresponde ao aumento do volume urinário], polidipsia [sensação de sede em demasia], polifagia [significa fome excessiva e ingestão alta de sólidos pela boca]. Se existia um assunto completamente estranho para mim era essa doença.

"A palavra diabetes trouxe-me à imaginação 
um programa de TV animado pelo próprio diabo, 
as dançarinas seriam as diabetes"


A palavra diabetes trouxe-me à imaginação um programa de TV animado pelo próprio diabo, as dançarinas seriam as diabetes. Não estava nos meus planos ficar doente na casa dos 40 anos. Eu queria viver com saúde até os 90. Para tanto, procurava levar um estilo de vida e alimentação saudáveis. Nunca fumei. Nunca fui sedentário. Consumia alimentos integrais. Fiz ioga. Lutas marciais. Corria. Servi ao Exército numa fortaleza instalada num morro. Subia e descia ladeira várias vezes ao dia, muitas vezes carregando um fuzil de quase cinco quilos. 

Para mim ter ficado doente foi um mistério. Diante disso, passei a estudar o assunto com o ânimo de um historiador – formei-me em História pela Universidade Federal Fluminense. Queria saber exatamente o que aconteceu comigo. Li tudo que encontrei pela frente: patologia, fisiologia, cariologia, medicina natural, e até alquimistas e boticários. Essa pesquisa levou alguns anos e o resultado foi O livro negro do açúcar, um PDF que circula na internet e que ganhou uma edição em livro com o título ligeiramente modificado, Açúcar: o perigo doce, pela editora Alaúde.

IHU On-Line – Como o açúcar conseguiu conquistar o status que têm hoje no mundo?

Fernando Carvalho – O açúcar sempre foi um grande negócio. Do jeito que o petróleo já foi chamado de ouro negro, o açúcar já foi o ouro branco. A Holanda invadiu o Brasil no século XVII por causa do açúcar. "A maior migração forçada que a história registra", disse Werneck Sodré [2], ao analisar o tráfico de negros africanos para a América que também aconteceu por causa do açúcar. 

Os interesses do açúcar estão entrelaçados com o de outras indústrias como a farmacêutica, a de alimentos e a de bebidas alcoólicas e refrigerantes. A relação comensalista entre essas indústrias –que conta ainda com a participação de médicos, profissionais de saúde, legisladores, da mídia, da literatura inclusive a científica e até do folclore – é o que chamamos "indústria da doença" que se sustenta mutuamente de alimentos e medicamentos.

Um negócio dessa envergadura sempre esteve no poder, de modo que o açúcar chegou onde hoje se encontra empurrado pelo poder econômico. Atualmente, dezenas de milhões de donas de casa aprendem novas receitas de doces. O açucaramento da dieta avança sob nossos olhos: pizzas e empadas doces são passos recentes do avanço da ditadura do açúcar.

A Food and Drug Administration – FDA, agência do governo estadunidense que regulamenta alimentos e medicamentos, considera o açúcar de consumo seguro. Aqui no Brasil a Anvisa nada pode. O açúcar é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Agricultura. Ou seja, a “raposa” legisla e fiscaliza o “galinheiro”. Umas raposas legislam sobre cerveja, outras sobre o vinho. No Brasil, cerveja e vinho são adulterados com açúcar. Aqui no país, os livros de patologia têm um capítulo sobre o metabolismo do álcool, mas ignoram o metabolismo da sacarose. A luta contra o açúcar fica por conta de uns poucos médicos abnegados como o brasileiro descendente de asiáticos Yotaka Fukuda [3], que demonstrou o papel do consumo de açúcar na labirintite, e autores como William Dufty [4], autor de Sugar blues.

IHU On-Line – Como o senhor relaciona o consumo do açúcar com as doenças modernas?

Fernando Carvalho – Da Idade Média para trás não existiam as doenças crônicas. O açúcar não existia e as doenças que afligiam o homem medieval eram infectocontagiosas. Tão logo o açúcar entrou em cena se aboletando na mesa, ele disse a que veio e começou destruindo os dentes dos nobres e burgueses europeus. A cárie é uma doença, ao mesmo tempo, crônica e aguda. Antes do advento do açúcar a incidência de cáries era de 1% para baixo. Hoje, a epidemia de cárie atinge 99% da raça humana. E esse 1% da humanidade livre de cáries são os poucos países situados no coração da África: Togo, Ruanda, Gana, Lesoto... onde a ração açucarada não chegou ainda.

Outra epidemia moderna que pode ser associada ao açúcar é a de obesidade. Açúcar é caloria pura e é transformado em gordura, o que não ocorre com carnes, por exemplo. Se gordura engordasse, adieta Atkins [5] não funcionaria. Sendo calorias vazias, isto é, destituídas de qualquer nutriente, quando é adicionada a qualquer alimento o açúcar torna esse alimento hipercalórico e eleva seu índice glicêmico. O povo brasileiro já anda consumindo 60 quilos de açúcar por ano em média. 95% dos obesos o são por causa do que comem, de modo que a relação entre consumo de açúcar e a epidemia de obesidade é óbvia e ululante. 

"o açúcar responde pela atual 
era de doenças crônicas 
porque ele agride o organismo de 
diversas formas sistêmicas"


Para mim, o açúcar responde pela atual era de doenças crônicas porque ele agride o organismo de diversas formas sistêmicas: ao fazer funcionar irregularmente a produção de insulina, agride o metabolismo que é o processo de construção e manutenção do nosso corpo. Levando isso em consideração, fazer uso de uma ração açucarada é o mesmo que tentar construir um edifício com cimento adulterado. 

Outro mecanismo pelo qual o açúcar agride todo o organismo de uma só vez é pelo processo de roubo de minerais. O açúcar causa um desequilíbrio mineralógico devido ao roubo de nutrientes que o metabolismo de calorias do açúcar provoca. Há também o problema da glicação não enzimática de proteínas. A primeira vítima da elevação do açúcar no sangue como consequência do consumo da ração açucarada é a proteína glicada – mais conhecida como hemoglobina "gllicosilada". A glicação da hemoglobina é uma reação simples de condensação que dispensa a intermediação de enzimas. Essa reação "aleija" a hemoglobina prejudicando sua função de oxigenar todo o organismo. Faltando oxigênio, o horizonte é a necrose. 

A glicação de proteínas é um mecanismo intermediário de uma série de doenças. Por exemplo, a glicação do cristalino explica a catarata senil. As próprias células-beta pancreáticas, a insulina e seus receptores musculares, e até os nervos, está exposto ao fenômeno da glicação degenerativa. De modo que o diabetes, a resistência insulínica e a hipertensão encontram sua etiopatogenia no consumo de açúcar. 

De conhecimento recente da ciência é a inflamação crônica generalizada clinicamente silenciosa (ou subclínica) que está se alastrando por toda a humanidade. Tal inflamação é apontada como sendo o mecanismo intermediário das doenças crônico-degenerativas. Essa inflamação crônica generalizada e subreptícia é comparada com as pestes históricas da Idade Média em virtude das milhões de vítimas que estão sendo ceifadas em todo o mundo. As doenças vasculares que tinham o colesterol como bode expiatório, na verdade são consequência de um processo inflamatório das paredes das artérias. Asma, síndrome do intestino irritável e uma infinidade de outras condições são intermediadas por processos inflamatórios e a ração açucarada moderna é a principal culpada disso.

IHU On-Line – Que verdades precisam ser ditas a respeito do açúcar?

Fernando Carvalho – São várias. Vamos por tópicos:

1) O açúcar não é um alimento, mas sim uma substância agressora do organismo.
2) O açúcar, ao impregnar a alimentação humana, transformou-a numa ração patogênica.
3) Médicos e nutricionistas estão enganados quando lidam com o açúcar como sendo um "carboidrato" como outro qualquer.
4) dentistas também estão enganados quando atribuem as cáries à "carboidratos fermentáveis".
5) A perda de um dente é uma humilhante forma de mutilação e que o desdentado é uma vítima da ração açucarada e não culpado de maus hábitos de higiene bucal.
6) Uma pessoa pode ser gorda e saudável dependendo de como ela se alimenta.
7) Obesos mórbidos são vítimas da ração açucarada e não culpados de maus hábitos alimentares.
8) A ração açucarada empurrou a raça humana para a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas.
9) A expulsão do açúcar da mesa vai acabar com a era das doenças crônicas.

E como uma última verdade que poucos sabem é que a Organização Mundial de Saúde – OMSdeseja que o consumo de açúcar do açucareiro não ultrapasse 10% das calorias totais ingeridas diariamente. Se dependesse da OMS, os governos do mundo inteiro fariam uma campanha semelhante àquela feita contra o cigarro para assegurar que o consumo de açúcar não ultrapasse esse número.

Em 2004, quando o comitê executivo da OMS se reuniu para aprovar tal estratégia, sua proposta foi derrotada pelo lobby da indústria da doença. Perto de 50 países votaram com a OMS; os vetos contaram com os votos dos Estados Unidos, Brasil, Suazilândia e Ilhas Maurício. Cuba, envergonhada, deu um apoio de bastidores. Com os vetos dos traficantes de açúcar, a OMSaprovou uma exortação às indústrias de alimentos e bebidas no sentido de que reduzam o uso de sal, gordura e açúcar. Recentemente, o Ministro da Saúde, num acordo de cavalheiros, obteve da indústria de alimentos o compromisso de usar "menos sal e gorduras", mas o açúcar ficou de fora da conversa.

IHU On-Line – Como funciona o movimento Açúcar Zero?

Fernando Carvalho – O Açúcar Zero é um movimento político-nutricional que defende a retirada do açúcar da alimentação humana visando acabar com seu caráter patogênico e, com isso, pôr fim à era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas. O movimento é muito incipiente ainda. Costumo dizer que somos um pequeno exército de Brancaleone.

O que dá vida ao nosso movimento é o fato de que as pessoas podem, por iniciativa própria, dar as costas ao açúcar e, em pouco tempo, verificar os resultados da dieta isenta de açúcar na sua saúde. Ao ganhar saúde, ao livrar-se da incidência de novas cáries, gripes e resfriados frequentes e de uma infinidade de mazelas, elas ficam tão felizes que resolvem ajudar os outros a seguir o exemplo.

Temos uma comunidade no Orkut que já conta com quase 2 mil membros. Estamos cogitando da possibilidade de criar uma ONG com o objetivo de levar o conhecimento sobre o açúcar às escolas de ensino médio e fundamental. Afinal, as crianças são as vítimas privilegiadas da ditadura de pacote tecnológico da sacarose refinada.

Uma empresa multinacional de alimentos produziu e faz propaganda na televisão de um sacolé de leite condensado. Entendemos que isso é um crime de lesa-humanidade. Essa mesma empresa, recentemente, retirou o açúcar da fórmula de suas papinhas para bebês, outro crime que denunciávamos desde que O livro negro do açúcar era um original distribuído pela internet. Como nunca li uma linha sequer de médico ou nutricionista protestando contra isso, fico tentado a atribuir o recuo da multinacional às nossas denúncias. 

Um objetivo político arrojado de nosso movimento é ver se conseguimos fazer com que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea compre essa briga. Afinal, como falar em segurança alimentar quando estamos diante de uma ração patogênica? O Consea já usa o termo alimentação "saudável" que deve ser assegurada a todo o povo brasileiro. Precisa evoluir para entender o que é a ração patogênica e o que é preciso fazer para acabar com seu caráter patogênico. O grande dia para o povo brasileiro será o da aprovação da Lei Áurea Nutricional, a lei que proibirá a adição de açúcar aos alimentos. 


Notas:

[1] Bart Hoebel é professor de Psicologia no Programa de Neurociências da Universidade de Princeton. Sua formação acadêmica foi realizada na Universidade de Harvard. Tem PhD pela Universidade da Pensilvânia e um doutorado honorário pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Foi presidente de três sociedades acadêmicas: Neurociência e Divisão de Psicologia Comparativa da Associação Americana de Psicologia, Sociedade para o Estudo do Comportamento ingestivo e Eastern Psychological Association.

[2] Nelson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911 e morreu em 1999. Foi um militar e historiador.

[3] Yotaka Fukuda é professor livre-docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM) e médico otorrinolaringologista do Instituto Gastro Entereológico de São Paulo – Igesp.

[4] William Dufty Francis nasceu em 1916 e morreu em 2002. Foi um escritor estadunidense conhecido por sua atuação como ativista nutricional.

[5] A Dieta Atkins foi um método originalmente desenvolvido por Robert Atkins nos anos 1960. A dieta foi muito criticada nos círculos de medicina por recomendar ingestão de gorduras saturadas de origem animal e reduzir radicalmente a ingestão de carboidratos, especialmente os de índice glicêmico alto. A dieta voltou a ganhar popularidade em fins dos anos 1990 junto com o aumento exponencial de casos de obesidade e comorbidades associadas.


AÇÚCAR


Tive o olhar voltado para o problema do açúcar ainda em 1981, ao conhecer o livro “Sugar Blues”, pelo qual, sem exagero, o autor define o produto como veneno para o organismo humano. Para reforçar o escrito, a capa é ilustrada por uma caveira, significando a morte. Há trinta anos, pois, o tema não despertou interesse dos leitores, mas, hoje, em face da epidemia de obesidade e de outras doenças conseqüentes ou causadoras dela, a ciência começa a manifestar preocupação real com o tema.
Ano passado, no jornal Folha de São Paulo, tive a oportunidade de ler a entrevista que está abaixo e senti-me na obrigação de compartilhá-la. Afinal, o entrevistado não é nenhum lunático, pois tem formação no MIT e atua como professor de pediatria clínica, além de ser diretor do programa de avaliação do peso para a saúde de crianças e adolescentes na Universidade da Califórnia.
Sugiro, então a leitura a seguir e, também, a palestra que está no YOUTUBE, indicada no texto.

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Açúcar causa dependência como álcool e cigarro
ENDOCRINOLOGISTA AMERICANO LANÇA POLÊMICA AO CULPAR O CONSUMO DE DOCES E ATÉ SUCOS PELA EPIDEMIA DE OBESIDADE

Entrevista com ROBERT LUSTIN feita por telefone pela jornalista PATRÍCIA CAMPOS MELLO, para o jornal Folha de São Paulo


Açúcar é veneno. Do mais natureba, o mascavo, até o suco de fruta ou o famigerado xarope de milho, o açúcar está por trás de doenças cardíacas, diabetes e câncer.
E deveria ser proibido para menores de 21 anos, como o álcool e o cigarro.
É com essas declarações polêmicas que o americano Robert Lustig, endocrinologista pediátrico da Universidade da Califórnia em San Francisco, ganhou fama internacional nos últimos anos.
Sua palestra "Açúcar: a verdade amarga" teve mais de 900 mil acessos no YouTube (tinyurl.com/ldgu9k). Há duas semanas, suas teses foram tema da reportagem de capa da revista do "New York Times". Abaixo, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha, por telefone.
 

Folha - O senhor defende que as pessoas eliminem totalmente o açúcar da dieta?
Robert Lustig - Não, eu não sou um "food nazi". Eu como açúcar, mas muito pouco.
Nosso corpo tem uma capacidade muito limitada para metabolizar o açúcar e nós vivemos muito acima dela. Não precisamos de frutose para viver. Nosso corpo ficaria muito bem sem nenhuma frutose [açúcar refinado, a sacarose é composta de 50% de frutose e 50% de glicose].

Qual é o máximo de frutose que deveríamos ingerir?
Não temos certeza. Mas uma estimativa é 50 g por dia. Meus estudos mostram as similaridades entre frutose e álcool. Eles são metabolizados da mesma forma, no fígado. E nós sabemos qual é o limite de toxicidade para o álcool: 50 g. A epidemia de obesidade começou quando o consumo de frutose ultrapassou os 50 g por dia [ou 100 g de açúcar, o mesmo que duas latas e meia de refrigerante].
A Associação Cardiológica Americana publicou uma orientação, em agosto de 2009, da qual eu sou coautor, dizendo que o consumo atual de açúcar nos EUA é de 22 colheres de chá por dia. Deveríamos reduzir isso para nove colheres no caso de homens e seis no caso de mulheres.

Qualquer açúcar é ruim, não importa se é mascavo ou xarope de milho?
Todos são igualmente ruins.

Deveríamos substitui-los por adoçantes artificiais?
Adoçantes artificiais são uma questão complicada. Não fizemos todos os testes para saber o que os adoçantes fazem no organismo.
Segundo uma linha de estudos, uma vez que a língua sente o sabor doce, o cérebro se prepara para a entrada do açúcar no sangue. Se ele não entra, o cérebro fica confuso, o que pode levar a um aumento no consumo de açúcar.
Há estudos ligando o consumo de adoçantes a obesidade e doença cardíaca.

Qual a alimentação que os pais devem dar a seus filhos?
Crianças devem comer comida de verdade.

Mas isso inclui suco de fruta natural...
Não, suco de fruta, mesmo natural, não é comida de verdade. Deus fez suco de fruta? Não. Deus fez fruta. Qual é a diferença entre a fruta e o suco? Fibras. A fibra é a parte boa da fruta, e o suco, a má.
Sempre que há frutose na natureza, há muita fibra ""há uma exceção, o mel, mas este é policiado pelas abelhas.
As fibras limitam a velocidade da absorção dos carboidratos e das gorduras do intestino para a corrente sanguínea. Quanto mais rápido a energia sai do intestino e vai para o fígado, maiores as chances de danificar o órgão.

Quando o senhor diz que crianças devem comer comida de verdade, isso inclui um sorvete no fim de semana?
Sim. Quando eu era pequeno, sobremesa era uma vez por semana. Hoje, é uma vez por refeição. Esse é o problema. Eu tenho duas filhas pequenas e é isso que faço. Se é dia de semana e elas querem sobremesa, ganham uma fruta. Uma bola de sorvete, só no fim de semana. Elas seguem as regras e não ficam sonhando com doces.

O senhor propõe que a venda de doces e refrigerantes seja proibida para menores, como cigarros e álcool.
Sim. Refrigerantes não têm valor nutritivo, não fazem nenhum bem às crianças. Se os pais quiserem que seus filhos tomem refrigerante, que comprem para eles.

Não é exagero comparar açúcar a álcool e cigarros?
Não. Cigarros e álcool causam dependência, e açúcar também. Nos refrigerantes, tanto a cafeína como o açúcar causam dependência. Sal e gordura causam hábito, mas não dependência.

Como o senhor explica os efeitos nocivos do açúcar?
Quatro alimentos foram associados à doença metabólica crônica: gorduras trans, aminoácidos de cadeia ramificada [soja], álcool e frutose.
A frutose, quando é metabolizada, libera substâncias tóxicas chamadas espécies reativas de oxigênio [radicais livres], que levam a danos nas células no longo prazo, envelhecimento e, potencialmente, câncer.

"BABY BOOMER", COM ORGULHO!

  ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Sim, ...