HOLOCAUSTO INVISÍVEL


Embora me sinta na obrigação de sugerir a leitura do longo texto abaixo, faço-o de forma reticente, pois, além de cansativo é catastrófico, assustador e revoltante. Também é polêmico, pois raras pessoas que o leem, o farão de forma isenta e madura, uma vez que, em princípio, regurgitamos do nosso pensamento aquilo  que nos incomoda.Tudo porque descreve a origem dos venenos que estão ao nosso redor; renova o relato de fatos destrutivos da vida que já esquecemos; ressalta a subjugação que estamos bilhões de pessoas ao poder de convencimento de poucos; ao engano transmitido pela linguagem pretensamente científica; às decisões governamentais dos países, também eles mantidos sob o jugo venenoso sob o argumento da necessidade de produzir mais; à indução de modificações culturais, sociais e comportamentais de alimentação e de hábitos populares; traz-nos, subjetivamente, a onerosidade dos sistemas públicos de saúde, levando-os ao péssimo atendimento que temos ou à falência, até; e, enfim, a defectividade física ou mental decorrente da contaminação ou, até a morte das pessoas e da vida como um todo.
O título de texto, embora assustador, é um holocausto, sim, que consome a humanidade de forma lenta e inexorável, inclusive os próprios aproveitadores do processo. Lamento, pois é uma péssima leitura, mas necessária.

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(texto extraído do Instituto Humanitas Unisinos-07/12/12) 

Os agrotóxicos, o novo holocausto invisível

"Anualmente, no mundo, cerca de 3 milhões de pessoas se intoxicam pelo uso de agrotóxicos. Mais de 220 mil morrem. Isto significa 660 mortos por dia, 25 mortes por hora. O programa de vigilância epidemiológica dos Ministérios da Saúde e da Organização Panamericana de Saúde de sete países da América Central, estima que cada ano 400.000 pessoas se intoxicam com venenos", escreve Graciela Cristina Gómez, argentina, advogada ambientalista e escritora, em artigo publicado no sítio Ecoportal, 03-12-2012. A tradução é do Cepat.


Eis o artigo.



“Se soubesse que o mundo acabaria amanhã, assim mesmo, ainda hoje, plantaria uma árvore” (Martin Luther King Jr.).



Vinte anos após a catástrofe de Bophal, na Índia, mais de 100.000 pessoas ainda sofrem doenças crônicas relacionadas à contaminação causada pelo vazamento.



Esta data [03 de dezembro] foi estabelecida pela organização PAN International (Pesticide Action Network) para recordar as mais de 16.000 pessoas mortas no desastre ocorrido em 1984 pelo vazamento de 40 toneladas de gás tóxico metil isocianato, químico utilizado na elaboração de um pesticida da Corporación Union Carbide, adquirida em 2001 pela Dow Chimical. Só nos três primeiros dias morreram 8.000 pessoas. (1)



Em 2000, a Eveready, da mesma empresa (Union Carbide Argentina), foi denunciada de enterrar clandestinamente pilhas alcalinas não aptas para a comercialização. O depósito de resíduos tóxicos se encontrava em uma fazenda no quilômetro 752 da estrada 9, na cidade de Jesús María, província de Córdoba. A fábrica funcionou nesse lugar entre 1965 e 1987, mas desde 1994 funciona ali a empresa brasileira Iochpe-Maxion. Esta empresa fez um acordo com aEveready, atualmente sob licença da empresa Ralston Purina Argentina S.A., para limpar o terreno e transladar os materiais tóxicos. A companhia Ailinco começou a remover os resíduos industriais no final de setembro para transladá-los em caminhões supostamente acondicionados para um local apropriado para ali serem enterrados ou tratados, localizado em Zárate, Buenos Aires. (2)



Anualmente, no mundo, cerca de 3 milhões de pessoas se intoxicam pelo uso de agrotóxicos. Mais de 220 mil morrem. Isto significa 660 mortos por dia, 25 mortes por hora. O programa de vigilância epidemiológica dos Ministérios da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde de sete países da América Central, estima que anualmente  400.000 pessoas se intoxicam com venenos.



ONU considera que a taxa de intoxicações nos países do sul poderá ser 13 vezes maior do que nos países industrializados, razão pela qual declarou os agrotóxicos como um dos maiores problemas em âmbito mundial. Em 1991, calcula-se que 25 milhões de trabalhadores agrícolas tenham sofrido alguma intoxicação com pesticidas e que estes seriam responsáveis por 437.000 casos de câncer e de 400.000 mortes involuntárias. (3)



Do campo de guerra para o campo semeado



Os agrotóxicos não foram inventados para a agricultura e não foram solicitados pelos agricultores; são um produto de guerra. E hoje, quando vemos os problemas ocasionados pelos agrotóxicos, temos que dizer o seu nome certo: Veneno – Arma Química – Agrotóxico.



Na Primeira Guerra Mundial a Alemanha foi bloqueada e os aliados proibiram a importação do salitre chileno e outros adubos nitrogenados que poderiam ser utilizados na fabricação de explosivos. Quando a guerra terminou os alemães tinham um enorme estoque de nitratos, que já ninguém mais queria. A indústria química os reciclou e foram impostos aos agricultores. Assim nasceram os adubos nitrogenados. A agricultura foi uma espécie de lixeira para a indústria da guerra.



Fruto da guerra, os agrotóxicos foram criados para matar o homem, para destruir suas plantações e não para benefício da humanidade. Quando a primeira bomba atômica explodiu, no verão de 1945, viajava na direção do Japão um barco americano com uma carga de fitocidas, então declarados como LN 8, e LN 14, suficiente para destruir 30% das plantações. Mais tarde, na guerra do Vietnã, estes mesmos venenos, com outros nomes, como agente laranja, serviram para a destruição de dezenas de milhares de quilômetros quadrados de florestas e plantações.



Também o DDT, usado para matar insetos, surgiu na guerra. Para combater a malária. Depois da guerra, novamente a agricultura serviu para canalizar as enormes quantidades armazenadas e para manter em funcionamento as grandes capacidades produtivas que haviam sido montadas. (4)



Mais de 500.000 toneladas de inseticidas obsoletos, proibidos ou que caducaram, se acumulam em quase todos os países em desenvolvimento, supondo uma grave ameaça para a saúde de milhões de pessoas e para o meio ambiente. (5)



Nicarágua: Em um engenho, foram necessárias 986 pessoas mortas por efeitos do agrotóxico Nemagón para que a Assembleia Nacional da Nicarágua começasse a agir. Os resultados são dramáticos. Segundo cálculos, morreram 1.383 trabalhadores e nos últimos anos há uma média de 46 mortes mensais. (6)



Argentina: Em Misiones, cinco de cada mil crianças nascem com mielomeningocele, uma deformação do sistema nervoso central. Em Misiones, estima-se que cerca de 13% da sua população tem alguma incapacidade. “Quando vemos o orçamento que a Monsanto tem para a América Latina, que tem sua grande agência aqui em Posadas, 30 bilhões de dólares são o que ela investe em agrotóxicos para que alguns poucos se enriqueçam e para que todos os demais sejamos incapacitados”. (7)



Ver também os relatórios por província do Grupo de Reflexão Rural, o relatório Pachamama (Ecos de Romang) e As derivações do caso Portillo (jornal El Día, Gualeguaychú), entre outros, que provocam vergonha e impotência em nosso país.



Paraguai: É o terceiro maior exportador e quarto maior produtor mundial de soja. 85% das sementes plantadas pertencem à Monsanto. O Ministério da Saúde registrou 430 casos de envenenamento e morte entre 1990 e 2000.



Neste contexto, talvez o caso mais ressonante no Paraguai seja a morte do menino Silvino Talavera, ocorrida em janeiro de 2003 e que originou o primeiro julgamento de produtores, condenados a apenas dois anos de prisão. AOrganização Internacional do Trabalho (OIT) assinala que do total de 3 a 5 milhões de casos anuais de agricultores afetados, 40.000 morrem por intoxicações agudas. (8)



Uruguai: O diretor do Registro Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde PúblicaDr. J. A. Vasallo, em seu livro Câncer no Uruguai, de 1989, expressa que há um aumento de 64% nos últimos 30 anos. (9)



Brasil: Está comprovada a contaminação transgênica das Cataratas! Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) no Parque Nacional do Iguaçu confirmou que os cultivos de soja transgênica que abundam em sua zona de influência são a causa da contaminação genética de diversas espécies vegetais. A plantação de soja na região limítrofe ao parque está proibida por lei. (10)



No primeiro semestre de 2004, a China embargou um carregamento de soja proveniente do Brasil que registrava contaminação com fungicida Carboxin Captan. Este procedimento, segundo ambientalistas, é comum em exportações para países pobres, quando parte da carga comercial é misturada com grãos contaminados. Diante da recusa da China em aceitar o produto contaminado, acredita-se que a soja tenha sido adquirida por países com menor poder de impor restrições comerciais, como é o caso da Indonésia. No entanto, este mesmo lote com níveis de contaminação similares também pode ter parado na mesa dos brasileiros. (11)



Colômbia: É muito difícil calcular as intoxicações na Colômbia e na América Latina porque a maioria dos casos não é registrada. As autoridades subestimam as queixas, como ocorre com milhares de intoxicações pelas fumigações aéreas de Roundup (glifosato) em zonas de cultivos de uso ilícito na Colômbia, em concentrações muito mais altas que as autorizadas pelo uso agrícola.



Cabe recordar aquela ocorrida em 1967 em Chiquinquirá (Boyacá), Colômbia, que envolveu mais de 500 pessoas, 165 das quais precisaram de tratamento médico e 63 morreram. Dezenas de crianças se intoxicaram e morreram quando tomavam café com pão feito com farinha de trigo contaminada com Folidol (paration).



Peru: A tragédia de Tauccamarca, ocorrida em outubro de 1999, onde 24 crianças foram envenenadas e mortas depois de ingerir um alimento contaminado com Parathion, pesticida produzido pela multinacional Bayer, 24 crianças morreram na comunidade cusquenha depois de terem consumido um lanche escolar. A morte foi quase instantânea, em meio a dores atrozes. Outras 22 crianças sobreviveram, mas é possível que seus sistemas nervosos tenham ficado seriamente prejudicados. (12)



Calcula-se em milhares as mortes causadas pelo herbicida paraquat da Syngenta (Gramoxone) no mundo todo. O Paraquat foi responsabilizado por numerosos problemas de saúde nos países em que é utilizado. A Malásia é um dos 13 países que o proibiram, mas há 120 que ainda o usam. Em compensação, a União Europeia o aprovou. (13)



Na Costa Rica, desde 1980 e durante duas décadas tem sido registrado como o maior causador de envenenamentos e responsável por uma terça parte das mortes de centenas de trabalhadores agrícolas. Não se conhece antídoto nem tratamento eficaz para controlar um envenenamento com paraquat.



Estima-se que 85% dos casos não são registrados. Em 2000, foram registrados 752 casos de intoxicação com pesticidas, 12 dentre eles resultaram em morte. (14)



Uma investigação recente sobre a água engarrafada na Índia mostrou altos níveis de lindano, entre outros pesticidas como o DDT e o malation, altamente tóxicos, e por isso houve uma campanha contra a Coca-Cola por vender seus refrigerantes contaminados. Isso na Grã-Bretanha não foi nenhuma novidade, depois de ter acusado a mesma empresa que sua água mineral Dasani tinha o dobro de bromato do que o permitido e de não ser potável, mas, tirada da torneira, a partir dessa data, essa água engarrafada faz furor na Argentina. (15)



Chile: O lindano, apesar de estar proibido desde 1998 pelo Ministério da Agricultura para uso agrícola devido aos seus graves efeitos para a saúde das pessoas, segue sendo aplicado na cabeça de crianças para combater a pediculose. Longe de erradicar o mal, este fungicida provocou resistência e a pediculose se tornou endêmica, segundo reconhecem autoridades do Ministério da Saúde. (16)



México: Os índices de câncer no México aumentaram a partir de 1989. Representa a segunda causa de morte do país. Nesse ano houve 40.628 mortes (48,2 sobre cada 100 mil habitantes). Curiosamente, na cidade de Comitán, região produtora de suínos, e na região Costa de Chiapas, o alto índice de pessoas com câncer de estômago situa a cidade no primeiro lugar em nível mundial nessa doença. Na região é muito usado o lindano para matar os piolhos e atacar a sarna nos porcos. Também é usado em pó, que se aplica no milho para armazená-lo e evitar que seja atacado por insetos ou para que os gorgulhos não estraguem o feijão. Nesta região fronteiriça são realizadas há anos constantes fumigações sobre plantios de comunidades indígenas que atinge também casas, animais domésticos, plantações de milho e de café. Grandes populações de abelhas foram eliminadas e, com isso, os produtores de mel. O lindano, além disso, contamina altamente os solos, rios, poços, lagoas e águas subterrâneas.



Na Zona Altos o lindano também é frequentemente usado pelos agentes da Secretaria da Saúde para a aplicação em crianças de quatro meses para combater piolhos. A IARC, assim como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US EPA), classificou o lindano como possível cancerígeno humano.



Para uso agropecuário, existem três empresas que comercializam o Lindano: AgromundoEngenharia Industrial e Indústrias Gustaffson. Cabe destacar que esta última foi comprada em 2004 pela multinacional Bayer, uma verdadeira especialista em envenenamento planetário, e que vende o Lindano sob o nome Germate Plus. A Bayer havia comprado, além disso, em 2001, a empresa Aventis Crop Science, uma fusão do Laboratorios HeliosAgrEvoRhone Poulenc. Além de borrifar os indígenas de Chiapas com Baygon. (17)



A empresa Anaversa, em Córdoba, Veracruz, em maio de 1991, causou numerosas mortes por câncer e efeitos crônicos na população; a limpeza do local nunca foi feita, nem as vítimas compensadas, embora a empresa tenha cobrado o seguro contra acidentes. Um segundo caso é o da empresa produtora do inseticida Artivi, em Juchitepec, Estado do México. Um terceiro caso é o da Tekchem, em Salamanca, Guanajuato, que produziu por décadas inseticidas organoclorados persistentes, o que produziu problemas de saúde e contaminação ambiental. Em suas instalações, a empresa conserva 84.000 toneladas de resíduos organoclorados que deixou Fertimex mais de 45.000 toneladas de enxofre contaminado. Estas e outras substâncias encontram-se no relento. (18)



As fábricas do espanto



DuPont: Durante a Guerra Civil nos Estados Unidos, ela administrava a metade da pólvora usada pelo exército da União, também dinamites. Continuou sendo um provedor do exército norte-americano tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial e também colaborou no Projeto Manhattan, sendo responsável pela fábrica de produção de plutônio no Laboratório Nacional Oak Ridge.



DuPont foi, ao lado da General Motors, o inventor dos CFC (substâncias danosas para a camada de ozônio). Em um relatório enviado por Saddam Hussein à ONU antes da invasão do Iraque revelou que a DuPont havia participado do desenvolvimento do programa nuclear iraquiano. Uma investigação da Agência de Proteção Ambiental acusou aDuPont de ocultar os efeitos do C-8 (um produto usado na obtenção do Teflon). Vários estudos sugerem que o efeito acumulativo deste material é cancerígeno, além de poder provocar deformações na gravidez.



Basf: A Basf é a maior empresa química do mundo. De origem alemã, compreende mais de 160 subsidiárias e conta com mais de 150 plantas de produção em todo o mundo. Entre seus produtos está a anilina, de efeitos cancerígenos para animais e seres humanos.



IG Farben foi fundada em 1925 a partir da fusão da Basf, da Agfa e da Hoechst. A IG Farben foi a única companhia alemã com seu próprio campo de concentração, onde morreram ao menos 30.000 pessoas, e muitos mais foram enviados para as câmaras de gás. A IG Farben construiu uma fábrica em Auschwitz, com uma força de trabalho de aproximadamente 300.000 escravos.



O gás Zyklon B, que era utilizado nas câmaras de extermínio, era fabricado pela Degesch, uma subsidiária da IGFarben. Com este veneno foram executados milhões de judeus, ciganos e soviéticos.



Acabada a Segunda Guerra Mundial, os países aliados, durante os Julgamentos de Nuremberg, ordenaram o desmembramento do consórcio.



As empresas sucessoras da IG Farben na atualidade são a BayerBasf Hoechst, que herdaram o total das propriedades da IG Farben, mas não as responsabilidades penais.



Atualmente, a Basf lançou uma campanha publicitária que promove o agrotóxico de nome comercial Opera, que é um fungicida – um veneno para fungos – que se utiliza nas monoculturas de soja para controlar doenças de fim de ciclo, em particular a ferrugem asiática. A publicidade mostra uma criança sorridente, com uma pequena planta na mão e com uma extensa plantação de soja ao fundo. A imagem é acompanhada pela frase ‘A inovação Basf está aqui para melhorar sua qualidade de vida’. O idílico da imagem está longe da realidade que o cultivo de soja e seu pacote tecnológico associado representam para o nosso campo e seus habitantes.



Bayer: Produziu até a Primeira Guerra Mundial uma droga chamada diacetilmorfina, uma droga aditiva, vendida originalmente como tratamento da tosse, que depois passou a se chamar heroína. A heroína era uma marca registrada da Bayer, até que foi proibida antes da Primeira Guerra Mundial.



De 1925 até 1951, a Bayer converteu-se em parte da IG Farben, conglomerado das indústrias químicas alemãs que formou a base financeira do regime nazista. O Dr. Fritz ter Meer, condenado a sete anos de prisão pelos crimes de guerra pelo Tribunal de Nuremberg, foi feito Diretor Supervisor da Bayer em 1956, depois que saiu da prisão. Também são de sua atribuição a criação de agentes químicos, tais como: gás mostarda (arma química) e tabun (gás nervoso). (19)



Syngenta: Pesticida assassino e sementes Terminator. O Paraquat é vendido em mais de cem países com o nome genérico de Gramoxone – que representa uma parte importante dos lucros da transnacional radicada na Basileia que, em 2006, teve um lucro líquido declarado em cerca de 900 milhões de dólares – e causou milhares de mortes.



Nascida em 2000 da fusão das divisões agroquímicas da suíça Novartis e do consórcio anglo-sueco AstraZeneca, o Gramoxone segue sendo vendido em todo o mundo e sua expansão não para, como provam as novas fábricas que a empresa abriu na China.



Em maio desse ano, diversas organizações da Ásia, África e Europa, apresentaram uma denúncia contra a Syngentana FAO. A empresa não respeita seu artigo 3.5 que pede para evitar certos pesticidas extremamente tóxicos. Em julho passado, a Corte de Justiça Europeia também se pronunciou contra esse produto.



As plantas do tipo Terminator produzem sementes estéreis que não dão mais que uma única colheita. Os camponeses não podem utilizá-la novamente como semente. Segundo a denúncia de março de 2006 das organizações suíças, o único objetivo dessa tecnologia é dominar o mercado de sementes e garantir o controle da alimentação mundial, o que implica em uma violação do direito humano da alimentação. (20) No Brasil, uma milícia armada atacou camponeses em um campo experimental da multinacional Syngenta situada em Santa Teresa do Oeste, Paraná. Este campo foi ocupado e denunciado pelos camponeses, mas às 13h30 do dia 21 de outubro, foram atacados. Um membro da Via CampesinaValmir Mota, de 32 anos, pai de três filhos, foi executado com dois tiros no peito. Outros seis trabalhadores rurais foram gravemente feridos. (21)



Monsanto: Acusada de contaminar os moradores de Times Beach, as águas da população de Anniston, é criadora do Aspartame (Nutrasweet), adoçante de efeito tônico para o cérebro. Não satisfeita com isso, fornece a cafeína para aCoca-Cola.



Foi condenada pelo glifosato Roundup ao ficar demonstrado seu caráter potencialmente cancerígeno e perturbador do sistema endócrino e de provocar efeitos nefastos ao ambiente no longo prazo. (22)



Seu milho transgênico foi aprovado para consumo humano pela União Europeia. Entretanto, dois de seus híbridos submetidos à aprovação contêm a modificação genética Nk603 – foram analisados recentemente pelo instituto francês CRIIGEN, que encontrou claros sinais de toxicidade nos dados apresentados pela empresa fabricante, a multinacional Monsanto.



O terceiro milho aprovado, conhecido como Herculex, foi repetidamente denunciado porque as análises realizadas pelas empresas fabricantes – Pionner Dow – revelaram sinais de toxicidade que exigem novas pesquisas.



Amigos da TerraCOAG e o Greenpeace denunciaram reiteradamente a Agência Europeia de Segurança Alimentar(EFSA) por não exigir mais pesquisas antes de aprovar novos transgênicos e por não ter em conta as evidências sobre seus efeitos prejudiciais, já que enquanto não se produzir uma melhora radical da avaliação de riscos dos transgênicos, os processos de autorização devem ser suspensos. (23)



Na Índia, o Ministério da Agricultura reconhece que entre 1993 e 2003 ocorreram 100.000 suicídios de camponeses. E entre 2003 e 2006 (outubro) foram registrados 16.000 suicídios cada ano. No total, entre 1993 e 2006 houve cerca de 150.000 suicídios – 30 por dia durante 13 anos! Milhares de camponeses, cuja forma de vida foi destruída, recorreram ao suicídio como única escapatória.



Recorreram ao algodão da Monsanto buscando reduzir o custo em inseticidas, mas a armadilha do endividamento rapidamente tomou conta deles porque as sementes do algodão da Monsanto são ainda mais caras. (24)



O debate negado e os silêncios da imprensa



Essa é uma das principais conclusões feitas por uma meticulosa pesquisa realizada pelo Observatório de Imprensada Agência Jornalística do Mercosul (APM), da Faculdade de Jornalismo e Comunicação Social da Universidade Nacional de La Plata (UNLP), da Argentina. Essa pesquisa desnuda as técnicas manipuladoras da imprensa hegemônica.



Uma medição do Observatório de Imprensa da APM constatou que os principais jornais econômicos de Buenos Aires promovem o programa que converte a alimentação em gasolina para os ricos. (25)



A imprensa e os governos se negam a um debate sobre estes temas, negando e ocultando informação, quando justamente, conscientizando a população se evitariam tantas mortes e haveria um melhor manejo e prevenção dos agrotóxicos.



No entanto:



– Vemos na televisão dias atrás um vergonhoso programa de ‘Um mundo de baixo consumo’, aplaudindo os biocombustíveis, mostrando a cultura yanqui, e os carros híbridos, somente acessíveis a Bill Gates. Por que não foi feito no Paraguai, no Brasil ou em Santa Fé mostrando os estragos da soja?



– O mesmo canal levanta uma nota a realizar-se com integrantes da Acción Ecológica sobre mineração, seguramente por pressões. (26)



– A Corte da Província de Catamarca anula um plebiscito sobre a instalação de uma mina de urânio a céu aberto, apoiando-se no artigo 124 da nossa Constituição Federal, sem levar em conta que o artigo 41 está em “Direitos e Garantias” da nossa Constituição, se não se deram conta, e que o povo é soberano e eles são um número, um mero representante desse soberano. (27)



– As Crianças nascidas com deformações em Santa Fé e em Misiones, nunca tiveram uma nota em nenhum jornal de Buenos Aires. Alguns jornais locais e as redes ecologistas brigam sozinhas, expondo estes temas e mostrando ao mundo, que, com pavor, repetem as notícias uma ou outra vez, enquanto a Argentina se cala.



O milagre da soja, segundo alguns rafaelinos que escutamos, envergonhando-nos de serem santafesenses, em uma Universidade de Três de Fevereiro, Buenos Aires, falando de arte, agradecem à soja pela arte!



Brindem com Roundup, senhores... Quando os inseticidas matarem até o último pássaro das montanhas que ainda nos restam, não agradecerão nem à Monsanto, nem à Bayer, nem à Syngenta e companhia. Porque estar no holocausto e não se dar conta já é estar morto em vida.



Notas:



1- Rebelión “3 de diciembre, Día del no uso de plaguicidas”.



2- www.funam.org.ar : “Remueven residuos tóxicos enterrados clandestinamente por Eveready en Córdoba”.



3- www.rel-uita.org “3 de diciembre, Día del no uso de plaguicidas”.



4- www.rel-uita.org “Agrotóxicos de la guerra a la agricultura”.



5- www.Eco2site.com  “Nuevo código para pesticidas”.



6- www.nodo50.org ”El drama de los agricultores nicaragüenses afectados por el pesticida nemagón”.



7- www.ecoportal.net “Malformaciones en Misiones por el uso de agrotóxicos”.



8- www.lineacapital.com.ar “Cinco de cada mil niños misioneros padecen malformaciones por agrotóxicos”.



9- www.ecocomunidad.org.uy “Agrotóxicos hasta en la sopa”.



10- Radio mundo real “Brasil: comprueban contaminación transgénica en Parque Iguaçu”.






12- www.rel-uita.org “3 de diciembre, Día del no uso de plaguicidas”.



13- www.ecoportal.net “Syngenta: Contaminación Agroquímica”.



14- www.agroecologia.es “3 de diciembre, Día del no uso de plaguicidas”.






16- Diario El clarín Chile.



17- www.ecoportal.net: “ Otra amenaza, el Lindano. Niños en peligro”.



18- Greenpeace “En el aniversario del accidente de Bhopal, repudian el uso de plaguicidas”.



19- Wikipedia.org



20- www.paginadigital.com.ar : “La transnacional suiza Syngenta en la mirilla”.



21- Anred org:“Brasil: milicias armadas de Syngenta atacan a campesinos”.



22-Ecos de romang: “Doctor ¡grítelo mas fuerte!”.



23- www.amigosdelatierra.org “Ecologistas y agricultores denuncian que la UE aprobará tres transgénicos potencialmente peligrosos con el voto favorable de España”.






25- Biodiversidala.”Los silencios de la prensa argentina: ¿por qué no debaten sobre Agrocombustibles?



26- www.bolsonweb.com.ar “Canal 13 cancela una nota con un ecologista chubutense”.



27- Página12: “La consulta popular sobre minería que fue impedida por la Justicia”.


O LADO HUMANO DA JUSTIÇA


A entrevista abaixo, com o ex-Ministro do STF, está publicada no jornal Zero Hora, de hoje. É interessante notar a lucidez e a bonomia da fala de Brito, próprias de um pensador da vida, cujos fundamentos certamente vêm dos momentos meditativos que pratica diariamente. Em meio ao tom extremamente humilde é possível perceber uma mente profissional e convicta dos caminhos da Justiça, assim como foram seus votos, pelo menos no processo do MENSALÃO.
Boa leitura!

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Entrevista com o ministro, jornal Zero Hora

Ayres Britto fala sobre mensalão: "Nunca se viu conjunto de crimes tão graves"

Ex-presidente do STF, que estreia neste domingo como articulista de ZH, expõe suas opiniões

Carolina Bahia e Klécio Santos


Carlos Augusto Ayres Britto de Freitas, 70 anos, ainda está longe de se aposentar. Na primeira insinuação de que a vida estaria mais tranquila afastado dos conflitos do Supremo Tribunal Federal, responde com a voz serena, mas marcada pelo forte sotaque sergipano:
— Continuo no batidão de sempre.
Uma semana depois de deixar a presidência da mais alta Corte do país, o magistrado vem atendendo a numerosos compromissos para conferências e homenagens em diferentes lugares do Brasil. Nada, porém, denota qualquer estresse no tom cordial de Ayres. Parece se divertir depois de três meses de grande tensão à frente do rumoroso julgamento do mensalão. O local da entrevista foi uma escolha pessoal do ex-ministro, o Ernesto Cafés, um ambiente aconchegante que costuma frequentar aos domingos e conhece os funcionários pelo nome.
— Boa tarde, Aninha. Tudo bem com você? Um café com leite — pede o ministro à garçonete, que vez por outra ainda serve uma tapioca doce para o ilustre frequentador.
Entre máquinas de torrefação e cafés aromáticos, Ayres começa a filosofar na tarde nublada da última quarta-feira em Brasília, distante do Supremo, que naquele dia decidia as penas do delator Roberto Jefferson e do deputado João Paulo Cunha. Ao longo de quase duas horas de entrevista, cria neologismos como insimilar e cita desde gurus indianos como Jiddu Krishanamurti e Osho [Rajneesh] até o dramaturgo inglês William Shakespeare, fala de pequenos prazeres como tocar violão e dos preparativos para o lançamento de seu sétimo livro de poesia, DNAlma, projeto que havia abandonado por não achar conveniente lançá-lo em meio ao julgamento do mensalão por conta de liberdades que concede enquanto escreve.
- Escrevo como quem respira e a publicação naquele momento me traria problemas — reconhece.
Afinal, o livro contém poemas curtos, tipo haicai com pérolas como: "o que certos políticos sabem cerzir, são as meias verdades".
Ayres faz questão de frisar que um dos prefaciadores é o poeta gaúcho Carlos Nejar e que irá dedicar a obra a vários escritores, entre eles Fabrício Carpinejar, a quem lamenta não conhecer, mas admira a ponto de citar oxímoros de cor. Durante a conversa, Ayres carrega o entusiasmo do menino que um dia sonhou em ser jogador de futebol. Ele mesmo confessa que era um craque, fazia 400 embaixadinhas e dominava a bola com os dois pés. Mas o pai, um poeta e juiz observador, preconizou:
- O seu negócio é filosofia, meu filho. Você é um homem das letras!
No próximo domingo, Ayres estreia como articulista de Zero Hora e os leitores poderão desfrutar dessa vocação. A seguir, os principais trechos da entrevista:
ZH - Como é a vida sem a toga? A toga pela responsabilidade pesava?
Ayres - Não pesava. Eu sempre soube fazer do meu dever um prazer sem querer dourar a pílula. Sempre coloquei no que fiz, e continuo a colocar no que faço, alegria, empenho, responsabilidade, de modo a fazer do meu trabalho a minha própria cara. Você termina se transfundindo, transferindo sua subjetividade para objetividade do seu trabalho.
ZH — Com a saída do STF, o senhor teria dito que vai se dedicar à reforma da casa e a terminar um livro de poesias. Quais os seus planos a curto prazo?
Ayres - Não sou de fazer planos, mas, a partir de uma análise daquilo que gosto de fazer tudo em mim é previsível. Continuarei voltado para leituras, conferências e criação artística na área da poesia e jurídica. E a reforma da casa estou envolvido até o pescoço. O livro de poesias estava pronto, eu não publiquei porque não queria abrir flancos, dar ensejo a discussões certamente desgastantes no que tocam as licenças poéticas. O criador não se censura, ele não agrada ao politicamente correto. Quem escreve poesia muitas vezes não mede as palavras, não usa trena nem esquadro, é mais solto. Esse tipo de postura literária, concomitante à presidência do Supremo me traria problemas. Me tiraria do foco.
ZH - O senhor comentou durante o julgamento que condenar alguém deixa na boca um gosto de jiló.
Ayres - Eu gosto de tocar violão, hoje estava tocando uma música de Gonzaguinha: Primeiro você me azucrina, me entorna a cabeça e deixa na boca um gosto amargo de fel. Ai eu pensei: poxa, devia ter citado Gonzaguinha.
ZH — Esse gosto já passou?
Ayres - Sim. Um juiz criminal tem que julgar com o máximo de cuidado para não se sentir culpado ao culpar. Para ter que culpar o réu, você tem que ter a certeza de que não vai se culpar como julgador. No começo, ou até a metade do julgamento, o meu sono estava mais fatiado do que a metodologia usada por Joaquim Barbosa para o julgamento. E creio que isso acontecia com os demais ministros. Por isso falei sobre gosto de jiló, mandioca brava e berinjela crua. Você fica se questionando o tempo todo. Quando o caso é de condenação, tem que condenar. Você condena contristadoramente, amargamente, principalmente se a condenação for para aplicar a pena privativa de liberdade.
ZH — Como o senhor vê alguns comentários de que há exagero nas penas?
Ayres — Primeiro, o Supremo fixou uma pena a partir do voto do relator, que na maioria das vezes preponderou sobre o voto do revisor. Se convencionou para segundo momento alguns ajustes, para que o princípio da proporcionalidade você observado ao máximo. Alguns ajustes ainda virão, sobretudo por efeito da distinção entre crime continuado e concurso material de crimes. Isso tudo ficou ajustado, é possível, portanto, que mais adiante haja uma pequena redução nas penas.
ZH - Como os senhor vê as manifestações de condenados com relação ao Supremo? É um amadurecimento da democracia ou uma afronta ao Supremo?
Ayres - Vejo a irresignação dos réus como uma reação natural de quem vê o processo pelo prisma do personalíssimo, que diz respeito aos interesses deles. Essa irresignação fica no princípio da liberdade de pensamento e expressão. Nada a censurar. Agora, a minha convicção é de que o Supremo foi serviente do direito positivo brasileiro ao emitir os dois juízos centrais, o primeiro de condenação e o segundo de apenação, fazendo com transparência, responsabilidade, cuidado técnico e isenção, ingredientes que legitimam a decisão.
ZH - É difícil não ceder a pressão da opinião pública num julgamento como esse?
Ayres - Eu tenho para mim que o Supremo fez mais à opinião pública do que foi influenciado por ela. Não vamos inverter as coisas. A medida que o processo ia transcorrendo e os debates entre os ministros do Supremo se travando, a opinião pública foi se formando. Mas não é só: um ministro do Supremo é vacinado contra qualquer tipo de pressão.
ZH — Mas de certa forma, o julgamento surpreendeu o cidadão, que não esperava ver grandes políticos condenados. Fica um novo padrão para nossa política?
Ayres - Eu sou de formação holista, tendo a ver as coisas por um prisma esférico. Em uma circunferência estão todos os lados. Quando você vê a realidade, inclusive jurídica, esfericamente, você a vê por todos os ângulos. O que tem sucedido o Supremo na última década? É só você pensar: combate ao nepotismo, células-troncos, Lei Maria da Penha, liberdade de imprensa, homoafetividade, lei da Ficha Limpa, fidelidade partidária, Marcha da Maconha. O Supremo vem com histórico de decisões que influenciam o modo de agir e pensar dos brasileiros, está mudando a cultura brasileira para mais próxima da democracia, do não preconceito e do civismo.
ZH - O senhor tem religião, acredita em Deus?
Ayres - Acredito em Deus, sou deísta, sou criacionista. Agora sou de formação católica, mas eu me defino hoje como holista ou espiritualista. Transito em todas as religiões mas não fecho com nenhuma.
ZH - Como é transitar em todas as religiões?
Ayres - Religião significa pelo etmo da palavra religação. Que religação? Da criatura com o criador. As religiões fazem o meio-campo, a ponte entre o crente e a divindade. A minha opinião hoje é de que o ideal é uma linha direta do crente com a divindade, sem passar pela mediação das igrejas, das confissões. É como você olhar o brilho e a silhueta da lua através de um lago pela lâmina d'água. Não é melhor olhar direto?
ZH - O senhor aprendeu isso com a meditação?
Ayres - A meditação é realmente uma fascinante escola de vida. Para você conhecer a sua personalidade, o mistério da vida, é preciso meditar. Tenho feito diariamente, medito há pelo menos 20 anos. Meditação budica ou oriental. Com o tempo, cada meditante se torna professor de si mesmo.
ZH - E a tensão entre relator e revisor existia nos bastidores?
Ayres - Em algumas poucas oportunidades, sim. Houve tensão nos bastidores. Mas a minha opinião final sobre os ministros é favorável. Acho que no limite, um ministro do Supremo, é plenamente consciente de que o senso de institucionalidade deve preponderar sobre o senso de vaidade, egocentrismo ou coisa que o valha.
ZH — São as vaidades que fazem com que os ministros briguem entre si?
Ayres - Eu não diria as vaidades, eu diria o pluralismo, a diversidade, que é própria da vida e do ser humano. Há um contraditório argumentativo entre os juízes de um mesmo colegiado. E mais do que saudável, é necessário para legitimar a decisão. Como presidente eu busquei criar o maior clima possível de liberdade para que a discussões aflorassem.
ZH - As transmissões do julgamento pela TV proporcionam um certo espetáculo?
Ayres - Sou favorável a visibilidade do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. A exposição em excesso só influencia julgadores imaturos. Os julgadores amadurecidos nas lides forenses e judiciária tiram de letra. Eu mesmo nem percebo que estou sendo filmado, você se habitua.
ZH - Mas depois do mensalão o senhor acha que o Supremo pode recuar sobre a transmissão das sessões na TV?
Ayres - Acho que não. Vamos ter vantagens e desvantagens. Desvantagens: O ministro se sente, digamos, protagonista social mais do que judicial. Ele se sente alvo das atenções de todo o país, com o risco de propender ou resvalar para o estrelismo, o vedetismo, o marketing pessoal, a chance de sentir um pop star, reconhecido nas ruas, com foto nos jornais, imagem no noticiário. É o que de pior pode acontecer você se sentir uma estrela. Isso acontece se você for imaturo. E ali não tem ninguém imaturo. Dá para administrar a exposição sem se deixar afetar por ela.
ZH — E as vantagens?
Ayres - Você requinta o voto. Ninguém quer passar recibo de decadente, de leviano, de comparativamente fraco no contexto dos outros ministros. Ali todo mundo tem que transformar os pré-requisitos de investiduras em requisitos de desempenho. A tendência de um ministro do Supremo é dizer, "eu tenho uma obrigação". E para isso, tenho que ser preparado tecnicamente o tempo todo e castamente ético.
ZH - Ao mesmo tempo, o juiz deixou de ser inalcançável, a população se aproximou de vocês.
Ayres - É isso que eu estou dizendo, a vantagem. Sem firulas, sem floreios, sem rapapés para dizer o que o Joaquim Barbosa disse [na posse]. Você exercita ali, a vista de todos, a sua capacidade de diálogo, a sua humildade para ouvir o outro. Você tem de saber ouvir o outro, porque o voto não é uma decisão. É interessante, pois um juiz de primeiro grau pode mais do que um ministro do Supremo no seguinte aspecto: a sua sentença exprimi a vontade decisória do Estado. O voto do ministro do Supremo não é uma decisão, é uma proposta de decisão. Você não quer vencer, você quer convencer. Você tem de ser convincente.
ZH - O senhor falou que honrar a indicação é ser independente.
Ayres - O melhor modo de honrar o nomeante é você ser independente, honesto, corajoso. Do ângulo do juiz, essa cobertura da imprensa obriga você se comportar em público sem pagar mico. Isso é excelente, você toma cuidados para que suas virtudes aflorem e seus defeitos fiquem submersos. Agora, do ângulo do cidadão, ele começa a internalizar a ideia jurídica de que é direito dele saber como julgam os magistrados. É um direito do cidadão ver a decisão sendo formada passo a passo, momento a momento. E o cidadão vai se habituando a cobrar coerência do julgador. A maior de todas as coragens para o Judiciário e a coragem de assumir a sua independência.
ZH — Qual a sua opinião sobre a perda automática do mandato dos parlamentares condenados?
Ayres — Talvez seja a única pergunta que eu vou deixar sem resposta. Por quê? Porque foi o único voto que eu não preparei.
ZH - Como o senhor vê essas críticas de que o José Dirceu foi condenado sem provas e de que a corte teria usado apenas indícios?
Ayres - É um direito de todo o réu porfiar, persistir na sua defesa. A Constituição assegura a todo o réu a intransigente defesa própria ou a não autoincriminação. Isso incorpora o direito de se insubmeter às decisões no plano argumentativo. Agora, quando dizem que o Supremo inovou ou produziu julgamento heterodoxo, eu digo que não, absolutamente não. Heterodoxa é a causa.
ZH — Por quê?
Ayres - Nunca se viu no ponto de largada de uma ação penal, 40 réus pertencentes as mais altas esferas da sociedades: governamental, política, empresarial, bancária. Nunca se viu um conjunto de crimes tão graves, tão numerosos e entrelaçados. Corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta, você nunca viu isso. Então, insimilar é o caso com quase 60 mil páginas, 600 testemunhas. E o Supremo teria de tomar uma decisão afeiçoada a heterodoxia do caso, e o fez tecnicamente, com toda isenção e transparência.
ZH - O senhor foi filiado ao PT nos seus áureos tempos. Na sua opinião, o que fez com que o partido perdesse o que ele mais pregava?
Ayres - Eu faço uma distinção. Não é o PT que está sendo julgado, porque os réus são dirigentes altivos do PT. E o PT, mais até do qualquer outro partido, pratica um pluralismo de tendências, de visões internas, que me obriga a fazer essa distinção. No PT há quadros, personalidades que eu tenho como dignas de toda admiração, de todo respeito, a partir do governador do Rio Grande do Sul, o Tarso Genro. Agora, se você quiser uma opinião um pouco mais sociológica, eu diria que aconteceu com o PT o que aconteceu com o PSDB. Esses dois partidos encarnavam o espírito de resistência chegaram ao poder máximo. PSDB com Fernando Henrique, PT com Lula. Observou-se no governo do PSDB um certo recuo ideológico, uma espécie de arrefecimento ideologicamente falando. O ímpeto transformador dos nossos costumes políticos foi sensivelmente reduzido. E o mesmo fenômeno aconteceu com o PT. Do ponto de vista social, o Brasil melhorou, tanto no governo do PSDB quanto no do PT. Mas a qualidade da vida política do nosso país, não. Os dois falharam nisso.
ZH — Há um movimento na internet que defende Joaquim Barbosa para presidente da República. Qual a sua opinião?
Ayres - Faz parte da excitação cívica incomum em nosso país, ao perceber que um princípio fundamental de estruturação das sociedades civilizadas está sendo aplicado pelo Supremo. Que princípio? De que a lei é igual para todos, de que ninguém está acima da lei. Como o ministro Joaquim ganhou mais projeção pelo fato de ser o relator, ele, passa a ser visto como salvador da pátria. Mas é apenas um momento, uma euforia que logo refluirá, porque o ministro não tem a menor pretensão de ser presidente da República.
ZH - O senhor é a favor de que os ministros tenham mandatos, como políticos?
Ayres — Sim. Chega um tempo em que o cargo tem o direito de nos ver pelas costas. Eu acho que entre oito e 12 anos está bom tamanho para o exercício do cargo.
ZH — Para encerrar ministro, o desfecho do mensalão pode ajudar a mudar o jeito de fazer política do Brasil?
Ayres - Sinaliza mais do que uma mudança, uma transformação, na linha do que disse Shakespeare: Transformação é uma porta que se abre por dentro. Transformar é mais do que mudar, porque significa você se ver ejetado para o plano da consciência, o mais alto do ser. Transformação significa atuar na cultura de um povo, e quando você atua na cultura você deflagra comportamentos de massa muito mais conscientes e sem possibilidade de retorno precedente. Sinaliza uma transformação nos nossos costumes políticos para melhor. O que o Supremo está dizendo é o seguinte: há um modo de fazer política, há um modo de fazer coalizão e alianças política que o Direito brasileiro execra, excomunga, não aceita.

DESTEMOR DO JUDICIÁRIO


Parece que se iniciou e já está instalado um clima de destemor positivo no Judiciário brasileiro. Este Juiz, assim com letra maiúscula, aliado à Juíza Calmon e, agora, ao Juiz Joaquim, em meio a muitos outros, mostram, todos eles mostram que a causa justa é maior que o medo de julgar. Sai vencedora a sociedade brasileira se esse processo se ampliar no meio judiciário.
Extraí o texto abaixo de Josias de Souza.
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Juiz da operação Monte Carlo acusa desembargador de impor constrangimentos e favorecer Cachoeira 

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Alderico Rocha Santos, juiz da Operação Monte Carlo, fez duros ataques ao desembargador Tourinho Neto, que cuida do caso no TRF-1, o Tribunal Regional Federal sediado em Brasília. Acusou-o de “impor constrangimentos” a ele e a outros dois magistrados que atuaram no processo em que figuram como réus Carlinhos Cachoeira e outras 80 pessoas. Acusou-o também de favorecer o bicheiro “criando fases processuais” não previstas na lei.
O juiz Alderico disse tudo isso por escrito, num ofício endereçado a Tourinho, com cópia para o Ministério Público Federal. Sob o número 115/2012, o documento tem três folhas. É datado de 22 de novembro, esta quinta-feira. O blog obteve uma cópia. Trata-se de resposta da 11ª Vara da Justiça Federal de Goiás a uma reclamação protocolada no TRF pela empresa Vitaplan, um laboratório farmacêutico que tem como sócios a ex-mulher e o ex-cunhado de Cachoeira: Andréa Aprígio de Souza e Adriano Aprígio de Souza.
A Vitaplan insurgiu-se contra uma ordem de Alderico. O juiz determinara o bloqueio das contas bancárias e aplicações financeiras da empresa. Por meio de seus advogados, a ex-mulher de Cachoeira alegou no TRF que a medida desrespeitou uma decisão do tribunal. Há cinco meses, num recurso relatado por Tourinho, a 2ª Seção do TRF havia liberado as contas do laboratório, derrubando despacho do juiz Paulo Augusto Moreira Lima, antecessor de Alderico no processo da Monte Carlo.
Submetido à reclamação contra o novo bloqueio, Tourinho enviou a Alderico um pedido de explicações. No texto, o desembargador expressou-se em termos inusitados. Anotou que ‘o juiz está na iminência de pular o corguinho”. Ordenou que se explicasse , “sem tergiversação”. Deu razão à Vitaplan: “…Não poderia o juiz de primeira instância cassar a decisão da 2ª Seção deste tribunal.”
Alderico abespinhou-se com o teor do ofício. Insinuou que Tourinho não lera seu despacho: “Ao contrário do afirmado, […] este juiz não cassou ou sequer afrontou a decisão da 2ª Seção desse tribunal, pois basta que se faça a leitura da decisão recorrida”. Didático, recordou que o TRF desbloqueara as contas da Vitaplan sob a alegação de que a providência “estava carente de fundamentação”.
Explicou que a situação agora é diferente: “A decisão deste juiz […] fundou-se em novos elementos de prova colhidos no bojo de inquéritos policiais instaurados para apurar crimes de lavagem de dinheiro por parte dos sócios e ‘laranjas’ da empresa Vitapan.” Alderico acrescentou: “A propósito, causam estranheza os termos censórios utilizados por esse douto relator [Tourinho], tanto em relação a este juiz quanto aos demais colegas que aturaram no processo, os doutores Paulo Augusto Moreira Lima e Daniel Guerra Alves.”
Os termos utilizados por Tourinho, escreveu Alderico, “têm imposto constrangimentos e elevada carga de estresse aos juízes que atuaram no processo da Operação Monte Carlo, além de receios, nos juízes que figuram como substitutos automáticos para o processo, de serem publicamente ridicularizados.” Titular da 5ª Vara Federal Criminal de Goiás, Alderico atua na 11ª Vara Federal como juiz substituto. Assumiu o processo contra Cachoeira depois que o outro magistrado, Paulo Moreira Lima, pediu afastamento do caso.
No ofício a Tourinho, Alderico recordou que nenhum dos juízes da Monte Carlo se dirigiu a ele em “termos chulos ou desrespeitosos.” Cobrou reciprocidade: “…O mínimo que se exige de um magistrado é equilíbrio, coerência e uso de termos comedidos, mais ainda quando se reporta a colegas.”
Alderico deu a entender que lhe sobrariam razões para dispensar a Tourinho o mesmo tratamento que recebe dele. Injetou no ofício uma grave acusação. Escreveu que, em decisão “monocrática” (individual), o desembargador estabeleceu “procedimento diverso da lei” para beneficiar Carlinhos Cachoeira.
Segundo Alderico, Tourinho estipulou “prazo e forma para as alegações finais” da defesa de Cachoeira antes que a 11ª Vara de Goiás tomasse qualquer decisão sobre a matéria. Fez isso “suprimindo a atuação desta primeira instância” e “criando fases processuais não contidas no Código de Processo Penal”. O juiz informou ao desembargador que a decisão causa-lhe “constrangimento”. Por quê? “Nas audiências, os advogados [dos outros réus] têm exigido que lhes seja dispensado o rito processual do Carlos Cachoeira, não o contido na lei.”
O juiz insinuou que o desembargador não dispõe de autoridade para cobrar “coerência”. Sem descer a detalhes, Alderico disse que Tourinho “se negou a prestar informações” sobre o processo requeridas por outro desembargador, Souza Prudente. “Além de ter afrontado por duas vezes decisão do STJ.”
Tourinho converteu-se em pedra no sapato dos magistrados que passaram pelo processo aberto contra Cachoeira e sua quadrilha. Não fosse pelo desembargador, Cachoeira ainda estaria na penitenciária da Papuda, em Brasília. Preso em 29 de fevereiro, nas pegadas da deflagração da Operação Monte Carlo, o bicheiro protocolara no STJ um pedido de habeas corpus.  Amargou resposta negativa.
Seus advogados foram bater às portas do TRF. Ali, obtiveram de Tourinho uma ordem de soltura. O STJ revogou. Tourinho voltaria a deferir um habeas corpus em favor de Cachoeira mais tarde. Dessa vez, o bicheiro só permaneceu em cana porque havia contra ele outra ordem de prisão, expedida pela Justiça de Brasília na Operação Saint Michel.
Nesta semana, Cachoeira foi condenado nesse processo de Brasília. Teve reconhecido o direito de recorrer em liberdade. Como a outra ordem de prisão já havia sido revogada por Tourinho, o réu foi ao meio-fio num instante em que o juiz Alderico redige a sentença de Goiás. Tourinho havia liberado Cachoeira sob o argumento de que o processo da Monte Carlo extrapolara os prazos. Abstivera-se de recordar que o caso arrastava-se além do necessário porque ele próprio determinara o trancamento da ação.
No texto que enviou a Tourinho, Alderico cuidou de refrescar-lhe a memória. Disse que os termos desrespeitosos do desembargor passam aos colegas dele no TRF “a ideia falsa de que os juízes de primeira instância estariam apaixonados pela causa” que envolve Cachoeira. Uma injustiça com juízes “profissionais e corajosos”, anotou. “Talvez não tanto quanto Vossa Excelência, por ter a coragem de ser o mesmo magistrado a suspender um processo e depois reconhecer o excesso de prazo”, acrescentou, irônico.
Nos dois derradeiros parágrafos do seu texto, Alderico caprichou na acidez. Primeiro, deu um conselho a Tourinho: se constatar “qualquer desvio de conduta deste magistrado, remeta os elementos probatórios pertinentes ao órgão competente para aplicação da pena de censura”, observados “o direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal.”
No último parágrafo, o juiz informa ao desembargador que enviou cópia do ofício ao Ministério Público Federal. Para quê? A fim de que seja verificada “a prática de improbidade administrativa, quer seja deste magistrado ou do douto relator [Tourinho].” Mais explícito, impossível.
Tourinho deu de ombros para as explicações de Alderico. Deferiu o pedido de liminar formulado pelos advogados da Vitaplan, mandando desbloquear as contas bancárias do laboratório da ex-mulher de Cachoeira.

CORRUPÇÃO: CRIME HEDIONDO



A corrupção, especialmente a governamental, seja passiva ou ativa, e que promova a perda de recursos públicos, auferidos da arrecadação de impostos e por outros meios que possam sobrecarregar a sociedade, deve ser considerada CRIME HEDIONDO.
Isto porque ela mata. Mata o cidadão que não consegue o acesso a um serviço de saúde pública presto e adequado à doença aguda ou crônica. Mata, porque a falta de recursos públicos para o saneamento induz a que milhões de pessoas vivam em condições insalubres, favorecendo a ocorrência de doenças epidêmicas ou endêmicas que podem levar à morte. Mata, porque não permite uma oferta adequada em qualidade e quantidade de serviços escolares que possibilitem à sociedade ter a lucidez de definir seus caminhos de forma construtiva, afastando os vícios pessoais e grupais que levam à violência. Mata, enfim, porque esses mesmos agentes corruptivos promovem o extermínio entre si e, muitas vezes, contra os limpos que não querem se desviar. Há poucos dados oficiais ou oficiosos sobre mortes causadas por falta de atendimento à saúde, ao saneamento e à educação pública, correlacionados entre si, direta ou indiretamente, mas é suficiente mantermos os sentidos abertos para as notícias diárias, para percebermos o seu quantitativo. Então, corrupção deveria ser tratada como CRIME HEDIONDO, sim.
Extraí o texto abaixo do INSTITUTO MILLENIUM.
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Lei anticorrupção se arrasta no Congresso Nacional


  
Brasil sofre cobrança para punir empresas corruptas; projeto está em xeque
BRASÍLIA e RIO – O Brasil se tornou alvo de pressão internacional porque protela a aprovação de uma lei anticorrupção que puna até mesmo com a extinção empresas que pagam suborno para fechar negócios dentro e fora do país. O governo levou a proposta ao Congresso em 2010, mas a tramitação se arrasta em uma Comissão Especial da Câmara desde setembro do ano passado. Deputados da comissão, ouvidos pelo GLOBO na última semana, afirmam que o atraso é provocado pelo lobby de empresas de engenharia e de construção civil, contrárias ao texto do Executivo.
Por trás do embate está a responsabilização administrativa e judicial das empresas — e não só seus representantes flagrados em atividades ilícitas. Se já estivesse em vigor, a lei poderia, em tese, sepultar a Delta Construções, empreiteira cujos ex-diretores foram presos sob acusação de negociar ilicitamente contratos públicos, até mesmo sob o comando do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Entre as penalidades previstas na lei em debate está multa de até 20% do faturamento bruto do último exercício anterior à instauração do processo administrativo. Em 2011, só em contratos com o governo federal, a Delta faturou R$ 862 milhões.
Os parlamentares da comissão, sob a condição do anonimato, revelam que, além do caso Delta, o desfecho do julgamento do mensalão, com identificação da cadeia de comando do esquema, pôs diretores e representantes de empreiteiras em alerta. O movimento contrário ao texto do relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), defende o substitutivo apresentado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, na avaliação do governo, desfigura o projeto e retira a responsabilização objetiva das empresas na esfera judicial.
— É preciso definir melhor o limite da responsabilidade. A empresa não pode ser responsabilizada, por exemplo, por um ato individual de um office-boy que não tenha tido o conhecimento da direção — sustenta Cunha.
Planalto já identificou lobby
O articulado lobby na comissão especial vem dando certo até agora. Não há qualquer acordo para a votação do projeto. Cunha é o interlocutor procurado pelo governo para negociar concessões à proposta.
O Brasil se comprometeu em aprovar a lei contra a corrupção ao se tornar signatário da Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra o Suborno Transnacional, no ano 2000. A OCDE é um órgão de desenvolvimento formado por 34 países, a maioria ricos da Europa e da América do Norte.
Em 8 de outubro, durante reunião em Paris, o presidente do grupo de trabalho da convenção, Mark Pieth, afirmou que o Brasil corre sério risco por não cumprir integralmente os compromissos da convenção. E alertou que a OCDE poderia recomendar às empresas de países-membros que não façam negócios com empresas daqui. Além do Brasil, considerado parceiro-chave da OCDE, a Argentina é o único país signatário que não tem uma lei para punir empresas corruptas.
— A aprovação desse projeto dará ao poder público um instrumento muito mais eficaz para se defender das empresas fraudadoras e desonestas, alcançando-as naquilo que lhes é mais sensível, o patrimônio. A lei vai retirar o Brasil da desconfortável situação de devedor inadimplente de uma obrigação solenemente assumida quando ratificou a Convenção da OCDE contra o Suborno Transnacional — diz o ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage.
A lei anticorrupção foi elaborada pela CGU, em parceria com a Advocacia Geral da União (AGU) e com a Casa Civil da Presidência. Levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) mostra que US$ 6 bilhões (R$ 12 bilhões) foram recuperados em países com leis de combate ao suborno transnacional. O Brasil, por não ter uma lei própria, ficou fora do levantamento.
A movimentação das empreiteiras para barrar a proposta já foi detectada pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Um dos deputados integrantes da comissão contou ao GLOBO ter recebido a ligação de um empresário preocupado com as novas interpretações do STF sobre o crime de corrupção. A ligação foi para pedir o veto ao projeto anticorrupção. Os primeiros telefonemas, no entanto, começaram após a crise da Delta.
Presidentes de associações de empresas de engenharia e de construção civil procuraram outro deputado em seu gabinete na Câmara. Também pediram que não apoiasse o projeto.
A lei brasileira, hoje, permite a punição apenas de gestores acusados de pagamento de propina em território nacional. A punição máxima possível é o que a CGU fez, por exemplo, com a Delta: a declaração de inidoneidade e a consequente impossibilidade de firmar novos contratos com a União. Nas contas do governo, se o texto do relator Zarattini for aprovado na comissão, em caráter terminativo, a oposição silenciosa ao projeto deve reunir 52 assinaturas para levar o texto ao plenário, onde o Planalto teme ser derrotado.
O Globo, 17/11/12

SINAL DE VIDA


Eis mais um artigo que revigora o pensamento e fortalece a crença nos fundamentos democráticos e republicanos. Eis, então, mais um artigo de Fernando Henrique Cardoso, o estadista de fato. Não acompanho apenas a trajetória dele desde quando Presidente ou, agora, como contraponto ao regime petista que nos governa. Acompanho-o e à sua obra desde a década de 70, quando li seu primeiro livro “A ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL”, pelo qual faz uma análise do processo escravagista no Rio Grande do Sul, e outros livros e textos de cursos humanistas que frequentei.

Desde aquela época, nada mais do que temas acadêmicos, mas profundos e renovadores de ideias.

Agora, como ex-Presidente, vem marcando e definindo princípios filosóficos de cidadania, de política e de comportamento civilizado, necessário aos governantes e às instituições que nos governam.

Abaixo, pois, um belo texto para pensar.


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Sinal de vida

Fernando Henrique Cardoso

 

A condenação clara e indignada, por ministros do Supremo Tribunal Federal, do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia
Tenho dito e escrito que o Brasil construiu o arcabouço da democracia, mas falta dar-lhe conteúdo. A arquitetura é vistosa: independência entre os poderes, eleições regulares, alternância no poder, liberdade de imprensa e assim por diante. Falta, entretanto, o essencial: a alma democrática.
A pedra fundamental da cultura democrática, que é a crença e a efetividade de todos sermos iguais perante a lei, ainda está por se completar. Falta-nos o sentimento igualitário que dá fundamento moral à democracia. Esta não transforma de imediato os mais pobres em menos pobres. Mas deve assegurar a todos oportunidades básicas (educação, saúde, emprego) para que possam se beneficiar de melhores condições de vida. Nada de novo sob o sol, mas convém reafirmar.
Dizendo de outra maneira, há um déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas exigem seus direitos e cumprem suas obrigações, nem as instituições têm força para transformar em ato o que é princípio abstrato.
Ainda recentemente um ex-presidente disse sobre outro ex-presidente, em uma frase infeliz, que diante das contribuições que este teria prestado ao país não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos cidadãos comuns... O que é pior é que esta é a percepção da maioria do povo, nem poderia ser diferente, porque é a prática habitual.
Pois bem, parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no Supremo Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa questão essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela força de sua exemplaridade.
Condenem-se ou não os réus, o modo como a argumentação se está desenrolando é mais importante do que tudo. A repulsa aos desvios do bom cumprimento da gestão democrática expressada com veemência por Celso de Mello e com suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto e Cármen Lúcia, são páginas luminosas sobre o alcance do julgamento do que se chamou de “mensalão”.
Ele abrange um juízo não político-partidário, mas dos valores que mantêm viva a trama democrática. A condenação clara e indignada do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia. Assim como a independência de opinião dos juízes mostra o vigor de uma instituição em pleno funcionamento.
É esse, aliás, o significado mais importante do processo do mensalão. O Congresso levantou a questão com as CPIs, a Polícia Federal investigou, o Ministério Público controlou o inquérito e formulou as acusações, e o Supremo, depois de anos de dificultoso trabalho, está julgando.
sociedade estava tão desabituada e descrente de tais procedimentos quando eles atingem gente poderosa que seu julgamento — coisa banal nas democracias avançadas — transformou-se em atrativo de TV e do noticiário, quase paralisando o país em pleno período eleitoral. Sinal de vida. Alvíssaras!
Não é a única novidade. Também nas eleições municipais o eleitorado está mandando recados aos dirigentes políticos. Antes da campanha acreditava-se que o “fator Lula” propiciaria ao PT uma oportunidade única para massacrar os adversários. Confundia-se a avaliação positiva do ex-presidente e da atual com submissão do eleitor a tudo que “seu mestre” mandar.
É cedo para dizer que não foi assim, pois as urnas serão abertas esta noite. Mas, ao que tudo indica, o recado está dado: foi preciso que os líderes aos quais se atribuía a capacidade milagrosa de eleger um poste suassem a camisa para tentar colocar seu candidato no segundo turno em São Paulo. Até agora o candidato do PT não ultrapassou nas prévias os minguados 20%.
No Nordeste, onde o lulismo com as bolsas-família parecia inexpugnável, a oposição leva a melhor em várias capitais. São poucos os candidatos petistas competitivos. Sejam o PSDB, o DEM, o PPS, sejam legendas que formam parte “da base”, mas que se chocam nestas eleições com o PT, são os opositores eleitorais deste que estão a levar vantagem.
No mesmo andamento, em Belo Horizonte, sob as vestes do PSB (partido que cresce), e em Curitiba são os governadores e líderes peessedebistas, Aécio Neves e Beto Richa, que estão por trás dos candidatos à frente. Em um caso podem vencer no primeiro turno, noutro no segundo.
Não digo isso para cantar vitória antecipadamente, nem para defender as cores de um partido em particular, mas para chamar a atenção para o fato de que há algo de novo no ar. Se os partidos não perceberem as mudanças de sentimento dos cidadãos e não forem capazes de expressá-las, essa possível onda se desfará na praia.
O conformismo vigente até agora, que aceitava os desmandos e corrupções em troca de bem-estar, parece encontrar seus limites. Recordo-me de quando Ulysses Guimarães e João Pacheco Chaves me procuraram em 1974, na instituição de pesquisas onde eu trabalhava, o Cebrap, pedindo ajuda para a elaboração de um novo programa de campanha para o partido que se opunha ao autoritarismo.
Àquela altura, com a economia crescendo a 8% ao ano, com o governo trombeteando projetos de impacto e com a censura à mídia, pareceria descabido sonhar com vitória. Pois bem, das 22 cadeiras em disputa para o Senado, o MDB ganhou 17. Os líderes democráticos da época sintonizaram com um sentimento ainda difuso, mas já presente, de repulsa ao arbítrio.
Faz falta agora, mirando 2014, que os partidos que poderão eventualmente se beneficiar do sentimento contrário ao oportunismo corruptor prevalecente, especialmente PSDB e PSB, disponham-se cada um a seu modo ou aliando-se a sacudir a poeira que até agora embaçou o olhar de segmentos importantes da população brasileira.
Há uma enorme massa que recém alcançou os níveis iniciais da sociedade de consumo que pode ser atraída por valores novos. Por ora atuam como “radicais livres” flutuando entre o apoio a candidatos desligados dos partidos mais tradicionais e os candidatos daqueles dois partidos.
Quem quiser acelerar a renovação terá de mostrar que decência, democracia e bem-estar social podem novamente andar juntos. Para isso, mais importante do que palavras são atos e gestos. Há um grito parado no ar. É hora de dar-lhe consequência.


O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...