FÁBULA ADEQUADA

O antológico livro "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, trata da questão do totalitarismo e, nesta visão, de como os interesses mudam de lado. Primeiramente, a classe opressora atua sobre determinada camada social menos influente. Posteriormente, os membros desta última passam a oprimir os da primeira, utilizando os mesmos padrões comportamentais daquela. A história soa, então, com um viés de absurdo, pois se houve uma luta físico-ideológica para superar a exploração, o que leva a que esses construtores da resistência passem a adotar os mesmos métodos opressores e exploratórios dos primeiros senhores? 
Pois bem, circula uma outra fábula de mesmo tom e, por esta razão, trago-a à leitura abaixo.

O comunismo é bom enquanto se faz sopa com a galinha do vizinho.

A  galinha vermelha achou alguns grãos de trigo e disse a seus vizinhos:
- Se plantarmos trigo, teremos pão para comer. Alguém quer me ajudar a plantá-lo?

- Eu não. - disse a vaca.
- Nem eu. - emendou o pato.
- Eu também não. - falou o porco.
- Eu muito menos! - completou o ganso.

- Então eu mesma planto. - disse a galinha vermelha.

E assim o fez. O trigo cresceu alto e amadureceu em grãos dourados.
- Quem vai me ajudar a colher o trigo? - quís saber a galinha.

- Eu não. - disse o pato.
- Não faz parte de minhas funções. - disse o porco.
- Não depois de tantos anos de serviço. - exclamou a vaca.
- Eu me arriscaria a perder o seguro-desemprego. - disse o ganso.

- Então eu mesma colho. - falou a galinha.

E colheu o trigo ela mesma. Finalmente, chegou a hora de preparar o pão.
- Quem vai me ajudar a assar o pão? - indagou a galinha vermelha.

- Só se me pagarem hora extra. - falou a vaca.
- Eu não posso por em risco meu auxílio-doença. - emendou o pato.
- Eu fugi da escola e nunca aprendi a fazer pão. - disse o porco.
- Caso só eu ajude, é discriminação. - resmungou o ganso.

-Então eu mesma faço. - exclamou a pequena galinha vermelha.

Ela assou cinco pães e pôs todos numa cesta para que os vizinhos pudessem ver.

De repente, todo mundo queria pão e exigiu um pedaço. Mas a galinha simplesmente disse:
- Não, eu vou comer os cinco pães sozinha!

- Lucros excessivos! - gritou a vaca.
- Sanguessuga capitalista! - exclamou o pato.
- Eu exijo direitos iguais! - bradou o ganso.
O porco, esse só grunhiu.

Eles pintaram faixas e cartazes dizendo "Injustiça!!!" e marcharam em protesto contra a galinha, gritando obscenidades.

Quando um agente do governo chegou, disse à galinhazinha vermelha:
- Você não pode ser assim egoísta.
- Mas eu ganhei esse pão com meu próprio suor! - defendeu-se a galinha.
- Exatamente. - disse o funcionário do governo - Essa é a beleza da livre iniciativa: qualquer um aqui na fazenda pode ganhar o quanto quiser, mas sob nossas modernas regulamentações governamentais, os trabalhadores mais produtivos têm que dividir o produto de seu trabalho com os que não fazem nada!

E todos viveram felizes para sempre, inclusive a pequena galinha vermelha, que sorriu e cacarejou:
- Eu estou grata, eu estou grata.

Mas os vizinhos sempre se perguntavam por que é que a galinha, desde então, nunca mais fez nada, nenhuma iniciativa, nenhuma ação para produzir... nem mesmo um pão!

Meu Comentário:
A fabuleira é útil para qualquer situação. Neste caso, por exemplo, correlaciona muito bem a esquerda ideológica de ontem, mas, vê-se hoje, apenas oportunista, com o mesmo grupelho de antes que agora  se enrola em lençóis de linho egípcio; que gasta, ou fatura em proveito próprio, com cartões corporativos, cujos gastos são definidos como sigilosos, porquê de segurança nacional; que aparelha o Estado com o meu, o teu, o nosso dinheiro; que contrata consultorias para empresas públicas, que contratam outras consultorias para consultar as primeiras, que contratam outras mais para consultar as primeiras e as segundas; e...por aí vai (isso te lembra algo, em algum momento recente, de alguma empresa governamental?). Assim, enfim, todos (eles) ficam ricos e satisfeitos, enquanto os impostos aumentam, enquanto as pessoas morrem, a cada vez mais na fila da Saúde, por que não há atendimento adequado e suficiente, e, nós, os babacas, nos calamos. Calamo-nos!, pois nos calaram os meios outrora ardentes na defesa de princípios e fundamentos, como os sindicatos, por exemplo, pois, estes, estão comprados. As esquerdas ? Ora as esquerdas! Não as há mais, ainda bem! Ou será que deveria dizer: “que pena!” Afinal, representavam o contraditório que hoje não mais existe. E a oposição?  Onde está que não a vejo; que não a sinto; que não consegue pensar; que não consegue desempenhar esse papel contraditório, mas agora construtivo? Está comprada por valores dados em troca, ou pelo medo de expor idéias, de criar novas lideranças. Esfacela-se em debates inúteis e canibalísticos internos.

Enquanto isso, só resta repetir: “eu estou grata, eu estou grata.”


Nenhum comentário:

O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...