Sinto satisfação ao publicar uma postagem
com a entrevista de Umberto Eco, abaixo. Ele é um escritor instigante nos seus
escritos, pois o seu texto faz pensar, deixando de ser um romancista de livros
de pouca digestão mental. A trama que ele expõe nas páginas são densas e
ardilosas para mentes não preparadas para uma boa leitura. Suas tramas estão
sempre situadas no inusitado e na última delas, no livro “O Cemitério de Praga”,
há uma rigorosa descrição de fatos históricos, tendo como único personagem fictício
o próprio protagonista. Na entrevista, também, provocado, ele aproveita para analisar
a forma contemporânea de comunicação e os perigos que ela gera para o
conhecimento.
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Umberto Eco: "O excesso de informação
provoca amnésia"
O escritor italiano diz que a internet é
perigosa para o ignorante e útil para o sábio porque ela não filtra o
conhecimento e congestiona a memória do usuário
LUÍS
ANTÔNIO GIRON, DE
MILÃO
3O escritor e
semiólogo Umberto Eco vive com sua mulher em um apartamento duplo no segundo e
terceiro andar de um prédio antigo, de frente para o palácio Sforzesco, o mais
vistoso ponto turístico de Milão. É como se Alice Munro morasse defronte à
Canadian Tower em Toronto, Hakuri Murakami instalasse sua casa no sopé do monte
Fuji, ou então Paulo Coelho mantivesse uma mansão na Urca, à sombra do Pão de
Açúcar. "Acordo todo dia com a Renascença", diz Eco, referindo-se à
enorme fortificação do século XV. O castelo deve também abrir os portões pela
manhã com uma sensação parecida, pois diante dele vive o intelectual e o
romancista mais famoso da Itália.
Um dos andares da
residência de Eco é dedicado ao escritório e à biblioteca. São quatro salas
repletas de livros, divididas por temas e por autores em ordem alfabética. A
sala em que trabalha abriga aquilo que ele chama de "ala das ciências
banidas", como ocultismo, sociedades secretas, mesmerismo, esoterismo,
magia e bruxaria. Ali, em um cômodo pequeno, estão as fontes principais dos
romances de sucesso de Eco: O nome da rosa (1980), O
pêndulo de Foucault (1988), A
ilha do dia anterior (1994), Baudolino (2000), A
misteriosa chama da rainha Loana (2004)
e O cemitério de Praga. Publicado em 2010 e lançado com
sucesso no Brasil em 2011, o livro provocou polêmica por tratar de forma
humorística de um assunto sério: o surgimento do antissemitismo na Europa. Por
motivos diversos, protestaram a igreja católica e o rabino de Roma: aquela
porque Eco satirizava os jesuítas ("são maçons de saia", diz o
personagem principal, o odioso tabelião Simone Simonini), este porque as
teorias conspiratórias forjadas no século XIX - como o Protocolo
dos sábios do Sião -
poderiam gerar uma onda de ódio aos judeus. Desde o início da carreira, em
1962, como autor do ensaio estético Obra aberta, Eco gosta de provocar esse
tipo de reação. Mesmo aos 80 anos, que completa em 5 de janeiro, parece não
perder o gosto pelo barulho. De muito bom humor, ele conversou com Época
durante duas horas sobre a idade, o gênero que inventou - o suspense erudito -,
a decadência europeia e seu assunto mais constante nos últimos anos: a morte do
livro. É de pasmar, mas o maior inimigo da leitura pelo computador está revendo
suas posições - e até gostando de ler livros... pelo iPad que comprou durante
sua última turnê americana.
ÉPOCA - Como o senhor se sente,
completando 80 anos?
Umberto Eco - Bem
mais velho! (Risos.) Vamos nos tornando importantes com a idade, mas não me
sinto importante nem velho. Não posso reclamar de rotina. Minha vida é agitada.
Ainda mantenho uma cátedra no Departamento de Semiótica e Comunicação da
Universidade de Bolonha e continuo orientando doutorandos e pós-doutorandos.
Dou muita palestra pelo mundo afora. E tenho feito turnês de lançamento de O
cemitério de Praga. Acabo de voltar de uma megaexcursão pelos Estados Unidos.
Ela quase me custou o braço. Estou com tendinite de tanto dar autógrafos em
livros.
ÉPOCA - O senhor tem
sido um dos mais ferrenhos defensores do livro em papel. Sua tese é de que o
livro não vai acabar. Mesmo assim, estamos assistindo à popularização dos leitores
digitais e tablets. O livro em papel ainda tem sentido?
Eco - Sou
colecionador de livros. Defendi a sobrevivência do livro ao lado de Jean-Claude
Carrière no volume Não contem com o fim do livro. Fizemos isso por motivos
estéticos e gnoseológicos (relativo ao conhecimento). O livro ainda é o meio
ideal para aprender. Não precisa de eletricidade, e você pode riscar à vontade.
Achávamos impossível ler textos no monitor do computador. Mas isso faz dois
anos. Em minha viagem pelos Estados Unidos, precisava carregar 20 livros
comigo, e meu braço não me ajudava. Por isso, resolvi comprar um iPad. Foi útil
na questão do transporte dos volumes. Comecei a ler no aparelho e não achei tão
mau. Aliás, achei ótimo. E passei a ler no iPad, você acredita? Pois é. Mesmo
assim, acho que os tablets e e-books servem como auxiliares de leitura. São
mais para entretenimento que para estudo. Gosto de riscar, anotar e interferir
nas páginas de um livro. Isso ainda não é possível fazer num tablet.
ÉPOCA - Apesar
dessas melhorias, o senhor ainda vê a internet como um perigo para o saber?
Eco - A internet não seleciona a informação. Há de tudo por
lá. A Wikipédia presta um desserviço ao internauta. Outro dia publicaram
fofocas a meu respeito, e tive de intervir e corrigir os erros e absurdos. A
internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge lá sem hierarquia. A
imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O
excesso de informação provoca a amnésia. Informação demais faz mal. Quando não
lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é
selecionar. Vamos tomar como exemplo o ditador e líder romano Júlio César e
como os historiadores antigos trataram dele. Todos dizem que foi importante
porque alterou a história. Os cronistas romanos só citam sua mulher, Calpúrnia,
porque esteve ao lado de César. Nada se sabe sobre a viuvez de Calpúrnia. Se
costurou, dedicou-se à educação ou seja lá o que for. Hoje, na internet, Júlio
César e Calpúrnia têm a mesma importância. Ora, isso não é conhecimento.
ÉPOCA - Mas o
conhecimento está se tornando cada vez mais acessível via computadores e
internet. O senhor não acha que o acesso a bancos de dados de universidades e
instituições confiáveis estão alterando nossa noção de cultura?
Eco - Sim, é verdade. Se você sabe quais os sites e bancos de
dados são confiáveis, você tem acesso ao conhecimento. Mas veja bem: você e eu
somos ricos de conhecimento. Podemos aproveitar melhor a internet do que aquele
pobre senhor que está comprando salame na feira aí em frente. Nesse sentido, a
televisão era útil para o ignorante, porque selecionava a informação de que ele
poderia precisar, ainda que informação idiota. A internet é perigosa para o
ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece –
e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será
dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais
variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes.
ÉPOCA - Há uma
solução para o problema do excesso de informação?
Eco - Seria preciso criar uma teoria da filtragem. Uma
disciplina prática, baseada na experimentação cotidiana com a internet. Fica aí
uma sugestão para as universidades: elaborar uma teoria e uma ferramenta de
filtragem que funcionem para o bem do conhecimento. Conhecer é filtrar.
ÉPOCA - O senhor já está pensando em
um novo romance depois de O cemitério de Praga?
Eco - Vamos com calma. Mal publiquei um e
você já quer outro. Estou sem tempo para ficção no momento. Na verdade, vou me
ocupar agora de minha autobiografia intelectual. Fui convidado por uma
instituição americana, Library of Living Philosophers, para elaborar meu
percurso filosófico. Fiquei contente com o convite, porque passo a fazer parte
de um projeto que inclui John Dewey, Jean-Paul Sartre e Richard Rorty - embora
eu não seja filósofo. Desde 1939, o instituto convida um pensador vivo para
narrar seu percurso intelectual em um livro. O volume traz então ensaios de
vários especialistas sobre os diversos aspectos da obra do convidado. No final,
o convidado responde às dúvidas e críticas levantadas. O desafio é sistematizar
de uma forma lógica tudo o que já fiz...
ÉPOCA - Como lidar
com tamanha variedade de caminhos?
Eco - Estou começando com meu interesse constante desde o
começo da carreira pela Idade Média e pelos romances de Alessandro Manzoni.
Depois vieram a Semiótica, a teoria da comunicação, a filosofia da linguagem. E
há o lado banido, o da teoria ocultista, que sempre me fascinou. Tanto que
tenho uma biblioteca só do assunto. Adoro a questão do falso. E foi recolhendo
montes de teorias esquisitas que cheguei à ideia de escrever O
cemitério de Praga.
ÉPOCA - Entre essas
teorias, destaca-se a mais célebre das falsificações, O protocolo dos sábios de Sião. Por que o senhor
se debruçou sobre um documento tão revoltante para fazer ficção?
Eco - Eu queria investigar
como os europeus civilizados se esforçaram em construir inimigos invisíveis no
século XIX. E o inimigo sempre figura como uma espécie de monstro: tem de ser
repugnante, feio e malcheiroso. De alguma forma, o que causa repulsa no inimigo
é algo que faz parte de nós. Foi essa ambivalência que persegui em O cemitério
de Praga. Nada mais exemplar que a elaboração das teorias antissemitas, que
viriam a desembocar no nazismo do século XX. Em pesquisas, em arquivos e na
internet, constatei que o antissemitismo tem origem religiosa, deriva para o
discurso de esquerda e, finalmente, dá uma guinada à direita para se tornar a
prioridade da ideologia nacional-socialista. Começou na Idade Média a partir de
uma visão cristã e religiosa. Os judeus eram estigmatizados como os assassinos
de Jesus. Essa visão chegou ao ápice com Lutero. Ele pregava que os judeus
fossem banidos. Os jesuítas também tiveram seu papel. No século XIX, os judeus,
aparentemente integrados à Europa, começaram a ser satanizados por sua riqueza.
A família de banqueiros Rotschild, estabelecida em Paris, virou um alvo do
rancor social e dos pregadores socialistas. Descobri os textos de Léo Taxil,
discípulo do socialista utópico Fourier. Ele inaugurou uma série de teorias
sobre a conspiração judaica e capitalista internacional que resultaria em Os
protocolos dos sábios do Sião, texto forjado em 1897 pela polícia secreta do
czar Nicolau II.
ÉPOCA - O senhor
considera os Procotolos uma das fontes do
nazismo?
Eco - Sem dúvida. Adolf Hitler, em sua autobiografia, Minha
luta, dava como legítimo o texto dosProtocolos. Hitler tomou como verdadeira uma falsificação
das mais grosseiras, e essa mentira constitui um dos fundamentos do nazismo. A
raiz do antissemitismo vem de muito antes, de uma construção do inimigo, que
partiu de delírios e paranoias.
ÉPOCA - O personagem
de O cemitério de Praga, Simone Simonini,
parece concentrar todos os preconceitos e delírios europeus do século XIX. Ele
é ao mesmo tempo antissemita, anticlerical, anticapitalicas e antissocialista.
Como surgiu na sua mente alguém tão abominável?
Eco - Os críticos
disseram que Simonini é o personagem mais horroroso da literatura de todos os
tempos, e devo concordar com eles. Ele também é muito divertido. Seus excessos
estão ali para provocar riso e revolta. No romance, Simonini é a única figura
fictícia. Guarda todos os preconceitos e fantasias sobre um inimigo que jamais
conhece. E se desdobra em várias personalidades: durante o dia, atua como
tabelião falsificador de documentos; à noite, traveste-se em falso padre
jesuíta e sai atrás de aventuras sinistras. Acaba virando joguete dos
monarquistas, que se opõem à unificação da Itália, e, por fim, dos russos.
Imaginei Simonini como um dos autores de Os protocolos dos sábios do
Sião.
ÉPOCA - A
falsificação sobre falsificações permitida pela ficção tornou o livro
controverso. Ele tem provocado reações negativas. O senhor gosta de lidar com
polêmicas?
Eco - A recepção tem sido positiva. O
livro tem feito sucesso sem precisar de polêmicas. Quando foi lançado na
Itália, ele gerou alguma discussão. O L'osservatore Romano, órgão oficial do
Vaticano, publicou um artigo condenando os ataques do livro aos jesuítas. Não
respondi, porque sou conhecido como um intelectual anticlerical - e já havia
discutido com a igreja católica no tempo de O nome da rosa, quando me acusaram de
atacar a igreja. O rabino de Roma leu O cemitério de Praga e advertiu em um pronunciamento que as
teorias contidas no livro poderiam se tornar novamente populares a partir da
obra. Respondi a ele que não havia esse perigo. Ao contrário, se Simonini serve
para alguma coisa, é para provocar nossa indignação.
ÉPOCA - Além de
falsário, Simonini se revela um gourmet. Ao longo do livro, o senhor joga
listas e listas de receitas as mais extravagantes, que Simonini comenta com
volúpia. O senhor gosta de gastronomia?
Eco - Eu sou MacDonald's! Nunca me incomodei com detalhes de
comida. Pesquisei receitas antigas com um objetivo preciso: causar repugnância
no leitor. A gastronomia é um dado negativo na composição do personagem. Quando
Simonini discorre sobre pratos esquisitos, o leitor deve sentir o estômago
revirado.
ÉPOCA - Qual o sentido de escrever
romances hoje em dia? O que o atrai no gênero?
Eco - Faz todo o sentido escrever ficção.
Não vejo como fazer hoje narrativa experimental, como James Joyce fez com Finnegan's
Wake, para mim a fronteira final da experimentação. Houve um recuo
para a narrativa linear e clássica. Comecei a escrever ficção nesse contexto de
restauração da narratividade, chamado de pós-modernismo. Sou considerado um
autor pós-moderno, e concordo com isso. Vasculho as formas e artifícios do
romance tradicional. Só que procuro introduzir temas que possam intrigar o
leitor: a teoria da comédia perdida de Aristóteles em O
nome da rosa; as conspirações maçônicas em O
pêndulo de Foucault; a imaginação medieval emBaudolino; a memória e os quadrinhos em
A misteriosa chama; a construção do antissemitismo em O
cemitério de Praga. O romance é a realização maior da
narratividade. E a narratividade conserva o mito arcaico, base de nossa
cultura. Contar uma história que emocione e transforme quem a absorve é algo
que se passa com a mãe e seu filho, o romancista e seu leitor, o cineasta e seu
espectador. A força da narrativa é mais efetiva do que qualquer tecnologia.
ÉPOCA - Philip Roth
disse que a literatura morreu. Qual a sua opinião sobre os apocalípticos que
preveem a morte da literatura?
Eco - Philip Roth é um grande escritor. A contar com ele, a
literatura não vai morrer tão cedo. Ele publica um romance por ano, e sempre de
boa qualidade. Não me parece que nem o romance nem ele pretendem interromper a
carreira (risos).
ÉPOCA - Mas por que
hoje não aparecem romancistas do porte de Liev Tolstói e Gustave Flaubert?
Eco - Talvez porque ainda não os descobrimos. Nada acontece
imediatamente na literatura. É preciso esperar um pouco. Devem certamente
existir Tolstóis e Flauberts por aí. E têm surgido ótimos ficcionistas em toda
parte.
ÉPOCA - Como o
senhor analisa a literatura contemporânea?
Eco - Há bons autores medianos na Itália.
Nada de genial, mas têm saído livros interessantes de autores bastante
promissores. Hoje existe o thriller italiano, com os romances de suspense de
Andrea Camilleri e seus discípulos. No entanto, um signo do abalo econômico
italiano é que é mais possível um romancista viver de sua obra literária, como
fazia (Alberto) Moravia. Hoje
romance virou uma atividade diletante. É diferente do que ocorre nos Estados Unidos,
aindaum polo emissor de ótima ficção e da profissionalização dos escritores.
Além dos livros de Roth, adorei ler Liberdade, de Jonathan Franzen, um
romance de corte clássico e repleto de referências culturais. A França,
infelizmente, experimenta uma certa decadência literária, e nada de bom
apareceu nos últimos tempos. O mesmo parece se passar com a América Latina. Já
vão longe os tempos do realismo fantástico de García Márquez e Jorge Luis
Borges. Nada tem vindo de lá que me pareça digno de nota.
ÉPOCA - E a
literatura brasileira? Que impressões o senhor tem do Brasil? O país lhe parece
mais interessante hoje do que há 30 anos?
Eco - O Brasil é um país incrivelmente dinâmico. Visitei o
Brasil há muito tempo, agora acompanho de longe as notícias sobre o país. A
primeira vez foi em 1966. Foi quando visitei terreiros de umbanda e candomblé -
e mais tarde usei essa experiência em um capítulo de O
pêndulo de Foucault para
descrever um ritual de candomblé. Quando voltei em 1978, tudo já havia mudado,
as cidades já não pareciam as mesmas. Imagino que hoje em dia o Brasil esteja
completamente transformado. Não tenho acompanhado nada do que se faz por lá em
literatura. Eu era amigo do poeta Haroldo de Campos, um grande erudito e
tradutor. Gostaria de voltar, tenho muitos convites, mas agora ando muito
ocupado... comigo mesmo.
ÉPOCA - O senhor foi
o criador do suspense erudito. O modelo é ainda válido?
Eco - Em O nome da Rosa, consegui juntar
erudição e romance de suspense. Inventei o investigador-frade William de
Baskerville, baseado em Sherlock Holmes de Conan Dolyle, um bibliotecário cego
inspirado em Jorge Luis Borges, e fui muito criticado porque Jorge de Burgos, o
personagem, revela-se um vilão. De qualquer forma, o livro foi um sucesso e
ajudou a criar um tipo de literatura que vejo com bons olhos Sim, há muita
coisa boa sendo feita. Gosto de (Arturo)
Pérez-Reverte, com seus livros de fantasia que lembram os romances de aventura
de Alexandre Dumas e Emilio Salgari que eu lia quando menino.
ÉPOCA - Lendo seus seguidores,
como Dan Brown, o senhor às vezes não se arrepende de ter criado o suspense
erudito?
Eco - Às vezes, sim! (risos)
O Dan Brown me irrita porque ele parece um personagem inventado por mim. Em vez
de ele compreender que as teorias conspiratórias são falsas, Brown as assume
como verdadeiras, ficando ao lado do personagem, sem questionar nada. É o que
ele faz em O Código Da Vinci. É o mesmo contexto
de O pêndulo de Foucault. Mas ele parece ter adotado a
história para simplificá-la. Isso provoca ondas de mistificação. Há leitores
que acreditam em tudo o que Dan Brown escreve - e não posso condená-los.
ÉPOCA - O que vem
antes na sua obra, a teoria ou a ficção?
Eco - Não há um caminho único. Eu tanto posso escrever um
romance a partir de uma pesquisa ou um ensaio que eu tenha feito. Foi o caso de O
pêndulo de Foucault, que nasceu de uma teoria. Baudolino resultou de ideias que elaborei
em torno da falsificação. Ou vice-versa. Depois de escrever O
cemitério de Praga, me veio a ideia de elaborar uma teoria, que
resultou no livroCostruire il Nemico (Construir
o Inimigo, lançado em maio de 2011). E nada impede que uma teoria
nascida de uma obra de ficção redunde em outra ficção.
ÉPOCA - Quando escreve, o senhor tem
um método ou uma superstição?
Eco - Não tenho nenhum método. Não sou com
Alberto Moravia, que acordava às 8h, trabalhava até o meio-dia, almoçava, e
depois voltava para a escrivaninha. Escrevo ficção sempre que me dá prazer, sem
observar horários e metodologias. Adoro escrever por escrever, em qualquer
meio, do lápis ao computador. Quando elaboro textos acadêmicos ou ensaio,
preciso me concentrar, mas não o faço por método.
ÉPOCA - Como o
senhor analisa a crise econômica italiana? Existe uma crise moral que acompanha
o processo de decadência cultural? A Itália vai acabar?
Eco - Não sou economista para responder à pergunta. Não sei
por que vocês jornalistas estão sempre fazendo perguntas (risos). Talvez porque eu tenha sido um
crítico do governo Silvio Berlusconi nesses anos todos, nos meus artigos de
jornal, não é mesmo? Bom, a Itália vive uma crise econômica sem precedentes.
Nos anos Berlusconi, desde 2001, os italianos viveram uma fantasia, que
conduziu à decadência moral. Os pais sonhavam com que as filhas frequentassem
as orgias de Berlusconi para assim se tornarem estrela da televisão. Isso tinha
de parar, acho que agora todos se deram conta dos excessos. A Itália continua a
existir, apesar de Berlusconi.
ÉPOCA - O senhor
está confiante com a junção Merkozy (Nicolas Sarkozy e Angela Merkel) e a
ascensão dos tecnocratas, como Mario Monti como primeiro ministro da Itália?
Eco - Se não há outra forma de governar a zona do Euro, o que
fazer? Merkel tem o encargo, mas também sofre pressões em seu país, para que deixe
de apoiar países em dificuldades. A ascensão de Monti marca a chegada dos
tecnocratas ao poder. E de fato é hora de tomar medidas duras e impopulares que
só tecnocratas como Monti, que não se preocupa com eleição, podem tomar, como o
corte nas aposentadorias e outros privilégios.
ÉPOCA - O que o
senhor faz no tempo livre?
Eco - Coleciono livros e ouço música pela internet. Tenho
encontrado ótimas rádios virtuais. Estou encantado com uma emissora que só
transmite música coral. Eu toco flauta doce (mostra
cinco flautas de variados tamanhos), mas não tenho tido tempo para
praticar. Gosto de brincar com meus netos, uma menina e um menino.
ÉPOCA - Os 80 anos
também são uma ocasião para pensar na cidade natal. Como é sua ligação com
Alessandria?
Eco - Não é difícil voltar para lá, porque Alessandria fica a
uns 100 quilômetros de Milão. Aliás foi um dos motivos que escolhi morar por
aqui: é perto de Bolonha e de Alessandria. Quando volto, sou recebido como uma
celebridade. Eu e o chapéu Borsalino, somos produção de Alessandria! Reencontro
velhos amigos no clube da cidade, sou homenageado, bato muito papo. Não tenho
mais parentes próximos. É sempre emocionante.
Um comentário:
Muito boa a entrevista, Benhur!
Marco Calegari
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