Recentemente,o  jornal Folha de São Paulo trouxe a entrevista abaixo com um 
jurista que já conhecia de nome e de algumas aparições na televisão. 
Interessou-me o seu conteúdo por expor situações jurídicas e 
estratégicas do mundo empresarial com as quais não sou familiarizado. 
Por esta razão, apreciei a explicação dada por ele às nuances do 
problema que envolve especialmente a prevaricação presidencial.
Sugiro a leitura.
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Entrevista da 2ª - Modesto Carvalhosa, 82
Petrolão
Dilma prevarica, e governo articula anistia a empresas
Advogado vê conluio entre órgãos para não aplicarem lei anticorrupção na Lava Jato
FREDERICO VASCONCELOS
       DE SÃO PAULO
O governo articula uma "anistia ampla, geral e irrestrita" para as 
empreiteiras na Operação Lava Jato, que investiga desvios de recursos em
 contratos da Petrobras. O diagnóstico é de Modesto Carvalhosa, 82, 
advogado especialista em direito econômico e mercado de capitais, que há
 mais de 20 anos estuda a corrupção sistêmica na administração pública 
brasileira.
Ao se negar a aplicar a Lei Anticorrupção, a presidente Dilma Rousseff 
comete crime de responsabilidade, com o propósito de proteger as 
empreiteiras, defende Carvalhosa. "Ela infringiu frontalmente o Estado 
de Direito ao se negar a aplicar a Lei Anticorrupção porque quer 
proteger as empreiteiras", afirma.
Com a falta de punição, prevê que as empreiteiras continuarão perdendo 
ativos, sofrerão multas no exterior e deverão ser declaradas inidôneas 
pelo Banco Mundial.
Folha - Como inibir a corrupção das empreiteiras?
Modesto Carvalhosa - Com a implantação da "performance bond". É 
um seguro que garante a execução da obra no preço justo, no prazo e na 
qualidade contratados. Elimina a interlocução entre as empreiteiras e o 
governo.
Quem determinaria essa exigência na Petrobras?
O regulamento da Petrobras já prevê essa possibilidade, não há 
necessidade de mudar a legislação. Isso poderia ter sido feito há muito 
tempo, ela já faz essa exigência para algumas fornecedoras. Mas não faz 
com as empreiteiras que corrompem.
O seguro de performance impediria os aditivos que perpetuam os superfaturamentos?
Impediria. Os empreiteiros não entregam a obra nunca, vão "mamando". Os recursos públicos "saem pelo ladrão".
Por que a Lei Anticorrupção não foi aplicada na Lava Jato?
Porque a presidente da República [Dilma Rousseff] já declarou que não 
vai processar as empresas, só as pessoas. Cabe ao Executivo aplicar a 
Lei Anticorrupção.
Ela está prevaricando?
Está incidindo em crime de responsabilidade no viés de prevaricação. Ela
 infringiu frontalmente o Estado de Direito ao se negar a aplicar a Lei 
Anticorrupção porque quer proteger as empreiteiras.
Quais são as alternativas e as consequências?
A Lei Anticorrupção tem o lado punitivo, mas tem o lado que pode 
beneficiar as empresas. Se fossem processadas e condenadas a pagar uma 
multa, estariam livres de outras punições. Pagariam a multa e poderiam 
voltar a ter crédito. Como bancos que pagaram multas em vários países e 
continuam operando.
Mesmo com altos executivos presos, qual a capacidade de pressão das empreiteiras?
Pelo subsídio que deram formal e informalmente para os políticos na 
eleição presidencial --eleitos ou não-- têm o poder ilegítimo de exigir,
 agora, a recíproca para se livrarem da punição.
E como as empreiteiras sobrevivem economicamente?
Na medida em que não são processadas pela Lei Anticorrupção, estão se 
suicidando, ficam sangrando. Algumas estão vendendo ativos, outras 
pedindo recuperação judicial, despedindo empregados. Os advogados 
precisariam instruir melhor, ficam forçando o ministro da Justiça [José 
Eduardo Cardozo] a impedir a aplicação da Lei Anticorrupção...
Como o senhor vê encontros de advogados com o ministro da Justiça fora da agenda?
O ministro da Justiça tem a obrigação e o dever de receber os advogados.
 O que ficou configurado nessas visitas secretas é a advocacia 
administrativa. Ou seja, aproveitar o poder dele para influenciar 
membros do governo em benefício de terceiros. Não é o exercício da 
advocacia. É o exercício da advocacia administrativa mesmo.
Qual é o poder do ministro da Justiça?
Ele é um veículo. Trata de assuntos da Polícia Federal, da parte 
jurídica com a Presidência República, com a Advocacia-Geral da União e 
com o Tribunal de Contas da União. Há uma tentativa de influenciar, para
 não se instaurar o processo. É para fazer um acordo de leniência fora 
da Lei Anticorrupção.
Que órgãos se alinham nes- sa articulação?
O TCU emitiu o parecer de número 87, em fevereiro, avocando-se o direito
 de promover acordo de leniência, junto com a AGU, fora da Lei 
Anticorrupção. O movimento da advocacia administrativa, envolvendo 
ministro da Justiça, AGU, Controladoria-Geral da União e TCU, é no 
sentido de criar uma anistia ampla, geral e irrestrita. Não querem 
aplicar a Lei Anticorrupção.
Qual é a solução que querem?
Fazer um acordo de leniência para todas as empresas do consórcio fora da
 Lei Anticorrupção. Se houver esse tipo de anistia, o Ministério Público
 vai pintar e bordar. Vai entrar no Superior Tribunal de Justiça, no 
Supremo Tribunal Federal, para anular. É fora da lei, porque abrange 
todo mundo. Segundo o artigo 16, o acordo de leniência é só para o 
primeiro delator.
Como a AGU está atuando?
A AGU está agindo no sentido de se alinhar para fazer o acordo de 
leniência com todas as empreiteiras e fornecedores. Esse movimento de 
anistia abrange a CPI da Petrobras, que é mais um ato patético do 
Congresso. O relator também está na linha de anistiar as empreiteiras. É
 um movimento geral no PT, no governo. Todos estão a serviço da vontade 
da presidente.
Como o sr. vê a atuação do Procurador-geral da República, Rodrigo Janot?
Muito boa. Ele tem visão profunda da questão. Foi aos EUA, para falar 
com o Banco Mundial, que é quem vai declarar a inidoneidade das 
empreiteiras, ao Departamento de Justiça, à SEC [Securities and Exchange
 Comission, corresponde à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil], ao
 FBI. É absolutamente contrário ao movimento de anistia. Ele tem a 
dimensão internacional do problema. Como cidadão, dou nota dez.
Como o sr. avalia a informação de que ele pediria a abertura de inquéritos contra políticos, em vez de oferecer denúncia?
É uma prudência processual boa, para evitar nulidades e instaurar o 
devido processo legal, com a produção e a contestação das provas.
Na mesma linha do juiz federal Sergio Moro, que procura evitar nulidades...
O juiz, apesar de jovem, também é um homem extremamente prudente.
Quais são as medidas que poderão vir do exterior?
As medidas que vêm de fora são arrasadoras, as empreiteiras vão receber 
pesadas multas. Após condenadas, terão os bens e os créditos 
sequestrados e impedidas de obter financiamento no exterior. A 
resistência é suicida. Elas vão ser declaradas inidôneas pelo Banco 
Mundial. Elas não têm a visão da absoluta imprudência que estão 
cometendo, ao evitarem ser processadas no Brasil pela Lei Anticorrupção,
 que é uma de efeitos extraterritoriais.
Como uma punição interna pode evitar a sanção externa?
Não se pode condenar duas vezes pelo mesmo crime. Se a empresa é 
condenada aqui pela Lei Anticorrupção, ela não deve ter a mesma punição 
lá fora. Os tratados que o Brasil assinou são reproduzidos na Lei 
Anticorrupção.
O que a demora pode fazer?
Existe um mercado internacional de compra de ativos de empresas 
corruptas. Já estão comprando ativos de empreiteiras brasileiras. E, 
assim, elas vão sangrando, porque não querem ficar purgadas pela Lei 
Anticorrupção. Vão todas para o beleléu. 
