A NECESSIDADE DE "NAVEGAR"

O texto a seguir foi escrito por um veterano da escrita e da vida, acostumado aos processos e aos pensamentos antigos, de uma geração menos apta aos modernismos da telemática, mas, mesmo assim, forçando o seu conhecimento para o uso adequado desses equipamentos, programas e aplicativos que mudam a cada dia. Em especial, o texto admite a necessidade de “navegar”, ou seja, ousar por novos caminhos e experiências, assim como ousaram nossos antepassados da História, com isto expandindo o conhecimento, estabelecendo novos limites e fincando costumes em lugares diferentes.
Dá-se, assim, o aperfeiçoamento da Humanidade.


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Frágil lenho
Carlos Heitor Cony, para o jornal Folha de São Paulo, de 01/05/2011



A palavra "navegar" é a mais perfeita comparação que se possa aplicar ao universo da informática, em especial, ao oceano sem fim da internet. Nem fica bem citar o Pompeu ("navegar é preciso"), que muita gente nem sabe quem foi, achando que a frase é de Fernando Pessoa ou de Caetano Veloso.
Mas navegar é uma das fronteiras do homem e, quando se dá o caso, a sua necessidade mais urgente. Se não houvesse o instinto, a inexorabilidade do navegar, ainda estaríamos na caverna, comendo carne de javali crua e puxando nossas mulheres pelos cabelos.
Camões foi quem melhor revelou o espírito (de porco) daqueles que condenam o navegar. O velho do Restelo, diante da armada de Vasco da Gama que partia para descobrir novos rumos para a humanidade, ficou pelo cais amaldiçoando aqueles que "colocavam uma vela sobre frágil lenho". Frágil lenho seria uma boa definição para um navio da era das navegações.
Pensando bem, a internet é um lenho ainda frágil. Depende de velas e ventos, encerra um mistério que abrirá caminhos -não necessariamente bons. Mas novos e surpreendentes.
Pertenço à parcela da humanidade que se formou antes do universo eletrônico. Poderia ficar pelo cais, murmurando imprecações contra os que partem. Nem sempre gostaria de partir, mas também não gosto da monotonia do cais, desprezando a problemática segurança da terra firme.
É o preço que pago por pertencer a uma geração que, em tão pouco tempo, viu a bomba atômica explodir e, logo em seguida, viu explodir a potencialidade da comunicação humana. Cada vez que abro o computador, tenho a impressão de que vou detonar uma bomba atômica que pode ser inofensiva, que nada ou muito destrói. Mas me introduz num mar desconhecido e muitas vezes macabro.

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O CONTEXTO DO TEMPO E NÓS

O tempo, ah, o tempo! Nada somos no contexto do tempo e nada deixaremos a não ser lembranças, também estas, morredouras. ___________________...