No dia 24/05/2015, o jornal Folha de São Paulo mostrou a escrita de Elio Gaspari sobre o trem-bala, aquele, arrotado como manifestação de grandeza e que nunca saiu e nunca sairá, irmão mais velho do outro arroto que gerou a proposta da ferrovia transoceânica, que também nunca veremos. Mas, chamou-me a atenção a reportagem que o colunista cita e que eu não conhecia, escrita por Leandro Demori. Busquei, então, a matéria e também eu fiquei surpreso com a sua qualidade e compreendi por que o autor teve de buscar o abrigo de um sítio estrangeiro para publicá-la. A íntegra está em https://medium.com/bang-bang/a-hist%C3%B3ria-do-trem-bala-brasileiro-f27235ccc4b7.
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ELIO GASPARI
Sai o trem-bala, entra o trem chinês
A visita do primeiro-ministro Li Keqiang ao Brasil deu bons resultados e
voltou a expor a marquetagem inútil
A máquina de propaganda do governo e a
doutora Dilma têm um especial carinho por trens. Em 2004 Nosso Guia perfilhou
um projeto de ligação ferroviária entre o Rio e São Paulo. Era o trem-bala.
Faria percurso de 500 quilômetros em 90 minutos, cobraria o equivalente a R$
120 e nada custaria à Viúva. Ficaria pronto para a Copa de 2014. Atrasando, era
certo que rodasse em 2016 para a Olimpíada. Deu em nada. Ou melhor, deu em
parolagem e pariu uma empresa estatal, a EPL. Quando o projeto naufragou,
surgiu a palavra mágica ouvida por Machado de Assis em 1883: "lingu".
Ele não esclareceu o que isso queria dizer, mas talvez significasse "investimento":
os chineses bancariam o projeto do trem-bala. Pouco depois um mandarim
explicou: "Pedir que uma empresa chinesa assuma um risco tipicamente
governamental é uma grande piada".
Antes do desembarque do
primeiro-ministro chinês Li Keqiang saiu da caixa de mágicas do Planalto o
projeto de uma ferrovia transoceânica ligando o Atlântico brasileiro ao
Pacífico peruano. Teria 4.400 quilômetros. Nas palavras da doutora Dilma,
"ela atravessará os Andes". Custaria entre US$ 5 bilhões e US$ 10
bilhões.
As dúvidas foram desfeitas quando o
companheiro Li assinou 53 acordos com a doutora. Na mesa havia apenas o
interesse mútuo de começar os estudos básicos da viabilidade do projeto. A
ferrovia que iria do litoral brasileiro ao peruano era um exagero. O memorando
assinado cuidava apenas da conexão da linha Norte-Sul, que iria de Campionorte,
em Goiás, à costa peruana. A linha para o litoral atlântico é uma tarefa
brasileira. Se tudo der certo, esse estudo deve ficar pronto em maio de 2016. O
que era um estudo básico para analisar a viabilidade do projeto virou uma
ferrovia que "atravessará os Andes".
Cuidando dos seus interesses, os
chineses assinaram diversos compromissos, compraram aviões, alugaram navios e
arremataram um banco. Todos esses negócios são bons para eles e para o Brasil.
Não havia porque botar o "lingu" de Machado de Assis numa ferrovia
transoceânica.
A agenda chinesa é sempre precisa. Em
geral eles querem recursos naturais e proteínas. Além disso, vendem serviços,
bens e máquinas. Jogo jogado. A isso junta-se um interesse do Império do Meio
de fornecer sua mão de obra para os projetos onde põe dinheiro. São mais
qualificados, conhecem a empresa e às vezes custam menos. Há cinco anos eram
740 mil, de Angola ao Uzbequistão. Obras chinesas no Brasil já tentaram
importar operários, mas foram barradas. Esse pode vir a ser um bom debate, pois
o que é preferível, um pasto goiano com 50 vaqueiros ou a obra de uma ferrovia
com 500 chineses e 500 brasileiros?
Esse item da agenda chinesa chamou a
atenção de Machado de Assis. Em 1883, quando o andar de cima queria imigrantes
para substituir a mão de obra escrava, chegou ao Rio o mandarim Tong King-sing.
Veio acompanhado de um secretário negro, fez o maior sucesso com suas roupas e
foi recebido por D. Pedro 2º. O imperador disse-lhe que não tinha simpatia por
seu projeto e, no melhor estilo chinês, ele foi-se embora.
À época, comentando a visita do
mandarim, Machado de Assis escreveu uma crônica, transcrevendo uma carta que
teria recebido dele. Esclareceu que preferiu manter a grafia do autor.
A certa altura, como se fosse hoje,
Machado/Tong escreveu:
"Xulica Brasil pará; aba lingu
retórica, palração, tempo perdido, pari mamma."
ANDAR DE CIMA
Não se conhece uma só voz saída da
banca para condenar o ajuste fiscal enquanto ele avançou sobre despesas que
beneficiavam desempregados, pensionistas e aposentados.
Agora que a doutora acrescentou ao
ajuste a pimenta da taxação dos lucros bancários, será interessante entender a
reação dessa tão fiel torcida.
RENATO DUQUE
A entrada do filho de Renato Duque na
roda do dinheiro e das investigações da Lava Jato assustou o comissariado.
O ex-diretor de Serviços da Petrobras
seria o arquivo que guarda as conexões do PT e de alguns de seus comissários
com as petrorroubalheiras.
O "amigo Paulinho" só
concordou em colaborar com o governo quando os investigadores mostraram-lhe que
envolvera familiares em práticas criminosas. Até então o PT considerava
"satisfatórias" as patranhas que ele contava.
A Lava Jato já custou a Renato Duque
uma coleção de arte de novo rico e o equivalente a R$ 68 milhões depositados em
Mônaco. Sua defesa diz que esse dinheiro não é dele. Amanhã, Eremildo, o
Idiota, pretende se habilitar à sua titularidade.
CHOQUE À VISTA
O senador Renan Calheiros e o deputado
Eduardo Cunha, ilustres figuras da lista de parlamentares investigados pelo
Ministério Público, decidiram jogar pesado contra a possível recondução de
Rodrigo Janot ao comando da Procuradoria-Geral da República.
Rejeitá-lo, caso seja indicado pelo
Planalto, além de ser uma imensa carapuça, poderá levar a uma inédita
mobilização do Ministério Público, refletindo-se em setores do Judiciário,
inclusive em seus gaveteiros.
Uma aula sobre o
falecido trem-bala
Ainda não se conhecem as fantasias que
acompanham a Ferrovia Transoceânica, mas está na rede uma detalhada narrativa
do que foi a maluquice do trem-bala de Lula e Dilma. É a reportagem "Um
Trem para Bangladânia", de Leandro Demori. (A mistura de Bangladesh com
Albânia é um neologismo criado pelo professor Mario Henrique Simonsen.)
Ele foi das raízes do sonho do trem de
alta velocidade até a morte do projeto da empresa italiana que vendeu a
novidade ao governo. Nela havia planilhas mágicas e um roteiro inexplicável,
pois o trem não parava ao longo do percurso. O primeiro administrador do
projeto, José Francisco das Neves, o "doutor Juquinha" dormiu umas
noites na cadeia por malfeitos cometidos na Ferrovia Norte-Sul, aquela que
cruzará com a Transoceânica.
O repórter Leandro Demori trabalhou
onze meses no assunto, conversou com trinta pessoas e colheu documentos
brasileiros e italianos. Conseguiu o apoio do Contributoria, uma plataforma
independente ligada ao jornal inglês "The Guardian" e seus leitores.
Quem quiser pode inscrever seus temas. Os leitores do "Guardian"
votam e quem não for assinante do jornal deve pagar US$ 3 por mês para
participar das escolhas. A ajuda é dada relacionando-se o número de votos que o
tema recebeu e a quantia que o jornalista pede. Aprovado o financiamento, o
beneficiado vai à luta e fica livre para colocar o texto onde quiser. Demori
preferiu hospedar seu texto na plataforma Medium, de Ev Williams, o criador do
Twitter.
Os repórteres, como o Fantasma das
Selvas, são imortais.