Às vezes, somos obrigados a mudar de
opinião, num mesmo dia. É o que faço, ao ler a entrevista com Osmar Terra. Não
"tátudodominado", não! Ainda há resistência dos bons.
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Entrevista (à revista
VEJA)
Osmar Terra: 'Traficante é um homicida que mata várias
pessoas ao mesmo tempo'
Projeto de deputado do PMDB gaúcho que poderá ser votado na
quarta-feira iguala pena para traficantes ao crime de homicídio; parlamentar
também defende mais rigor na punição da posse de drogas no combate ao vício
Marcela Mattos, de Brasília
"Se disser que não
é crime, a pessoa vai andar com a droga no bolso, e o número de usuários vai se
multiplicar muito rápido. Tem que dizer que é crime e que tem pena"
Na esteira dos
esforços para conter o avanço do consumo de drogas no Brasil, um projeto de lei
que poderá ser votado na próxima quarta-feira pela Câmara dos Deputados
endurece a pena para traficantes como um caminho para frear o comércio e,
consequentemente, o consumo de entorpecentes no país. Pela legislação atual, o
tráfico de drogas é punido com cinco a quinze anos de prisão e multa. A
proposta do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) aumenta o tempo mínimo para
oito anos de prisão e, nos casos com agravantes, como a fabricação da droga,
permite aplicação de pena máxima prevista para o crime de homicídio: vinte
anos. “O traficante pode não ser um homicida que dá um tiro, mas ele está
matando um monte de gente ao mesmo tempo”, compara.
O deputado, que é médico,
sugere penas mais duras para flagrantes de usuários de drogas: de seis meses a
um ano de trabalho comunitário - atualmente são cinco meses. No caso de
reincidência, de um a dois anos, ante os dez meses atuais. O projeto de Terra
recebeu apoio dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Gleisi Hoffmann
(Casa Civil), o que deverá facilitar a aprovação no Congresso.
Leia a seguir trechos
da entrevista ao site de VEJA.
O
senhor é criticado por propor mais rigor na punição do usuário flagrado com a
droga, mesmo para consumo pessoal. A legislação atual é frouxa nesses
casos? A legislação atual até
pune, mas temos de ser mais rígidos. Esse período maior [de pena] é para dizer
que é crime e que não é para fazer de novo. Se disser que não é crime, a pessoa
vai andar com a droga no bolso, e o número de usuários vai se multiplicar muito
rápido. Tem que dizer que é crime e que tem pena. O usuário está cometendo um
ato ilegal, que o prejudica, e ele vai ter a oportunidade de fazer uma
reflexão.
No
projeto, a pena máxima para traficantes se iguala a do homicídio. A gravidade
desses crimes pode ser comparada? Eles são homicidas. Vinte e cinco por cento dos usuários de
crack morrem nos primeiros cinco anos, segundo dados da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo). O traficante pode não ser um homicida que dá um tiro,
mas ele está matando um monte de gente ao mesmo tempo. Os meninos vão morrendo.
Morrem de aids, de problemas pulmonares, de hemorragia cerebral e também de
morte violenta. E todos são jovens, não morreriam se não fossem dependentes de
droga. Então, não é uma pena exagerada.
O
projeto prevê, após o primeiro flagrante, que o usuário não poderá frequentar
determinados lugares e impõe restrição de horários. Para evitar o dano e os desdobramentos
que a droga causa, a saída é a abstinência. É proposta uma série de medidas
restritivas que não significam a prisão, mas são para constranger o usuário,
para dizer que o que ele está fazendo não é uma coisa lícita.
Por
que para o usuário pego com droga o projeto mantém pena mais branda? Porque o usuário é doente, está
precisando de atendimento. Se ele não está viciando outros, é mais importante
dar cuidados de saúde do que pena de prisão.
Em
quais casos seria necessária a internação involuntária? Nós tiramos no projeto a internação
compulsória, pois ela pressupõe um processo judicial e uma decisão do juiz.
Isso já está na lei hoje, mas só vale quando a pessoa representa um risco
social. Então demora muito, e poucos são internados por decisão do juiz. No
caso da internação involuntária, a pedido da família, o médico avalia o caso e
pode determinar a internação, sem precisar de juiz. Isso vai antecipar o início
do tratamento. Como 90% dos meninos não se tratam voluntariamente, no caso do
crack, isso pode colocar uma parcela muito maior para ficar em abstinência
inicial.
Por
que o projeto pune os gestores que não cumprirem as determinações básicas? Porque hoje é um jogo de empurra. Vamos
falar com um prefeito e ele diz que é da responsabilidade do governo do estado.
Vai falar com o governo do estado e diz que é a prefeitura, que reclama que o
governo federal não ajuda. Aí ninguém faz. O projeto redefine as
responsabilidades, determinando o que municípios, estados e governo federal têm
de fazer. Quem não cumprir essas regras será responsabilizado
administrativamente, até com perda da função.
O
que o projeto traz de novo para a recuperação dos dependentes químicos? Estou propondo que se acrescentem as
comunidades terapêuticas à rede dos Caps. Hoje existem mais de 2.000
comunidades terapêuticas pelo Brasil, com cerca de 60.000 vagas que não são
usadas. Os Caps foram criados para atender casos de transtorno mental, mas
resolveram que eles podem atender também a dependência química – mas é um
fracasso. Eles não têm protocolo, não tem uma organização articulada entre si e
a maioria das pessoas trata a questão da dependência química como uma opção. As
pessoas vão ali e voltam para a boca de fumo. Nas comunidades os usuários ficam
em abstinência prolongada, afastados até da família. Lá terão um programa de
ressocialização, com empresas ou com o próprio governo estabelecendo um número
de vagas. Além disso, tem de ter acesso a lazer, esporte e cultura.
A
ideia é aproximar o governo dessas comunidades? É trazer esse trabalho para a
formalidade. É criar regras para ele. A Anvisa já determina o que uma
comunidade terapêutica deve ter, e o governo estabelece protocolos de
atendimento. Mas a verdade é que não tem protocolo para nada. Já ouvi uma
psicóloga do Caps dizer que é uma bobagem classificar o crack como uma epidemia
e que a pessoa pode fumar uma pedrinha de vez em quando em alguns casos. Eles
não fazem nenhum esforço para tirar a pessoa da dependência. O Ministério da
Saúde não cria protocolo, não cria nada. A orientação, nesse ponto, realmente
deixa muito a desejar. É um discurso bonito, filosófico e humanitário, mas, na
prática, eles vão filosofando e os meninos vão morrendo.
O
senhor faz críticas duras ao serviço atual. É totalmente ineficaz. Eles não sabem lidar
com o problema. O crack transtornou tudo, criou um transtorno mental coletivo.
A avalanche do crack, a forma epidêmica que ele se propagou, desorganizou tudo.
Ninguém estava preparado para isso. Os Caps funcionam para outros transtornos.
Mas, para o crack, não.
Qual
o valor estimado para arcar com os gastos previstos no projeto e de onde viriam
esses recursos? É necessário
aumentar muito a rede. A Dilma [Rousseff, presidente], quando lançou o programa
“Crack, é possível vencer”, estimou em 4 bilhões de reais os gastos para os
dois anos seguintes. Eu acho que deveria ser 4 bilhões por ano – e ainda assim
não sei se resolveria para reduzir a demanda. A gente tinha proposto que a taxa
de imposto cobrada do álcool e do cigarro fosse para o programa de drogas. É um
volume grande, daria uns 8 bilhões de reais, mas o governo está resistente.
Quando
o texto deve ir a plenário? O senhor acha que
haverá resistência dos parlamentares? Vamos votar o mérito no dia 8 de maio. Há cerca de dois
meses foi aprovada a urgência no plenário. A turma a favor da legalização foi
contra, não queria votar. Mesmo assim obtivemos 344 votos favoráveis contra
seis. Isso já mostra mais ou menos o ânimo que está a Casa. Nós estamos
procurando diminuir a resistência do governo. A conversa com a ministra Gleisi
Hoffmann foi boa. Ela disse que é contra a descriminalização, a favor das
unidades terapêuticas e de tudo do projeto. Sobre as penas, ela disse que
deveria conversar com o ministro da Justiça, porque as prisões estão lotadas.
Acho que estamos chegando a um consenso. O governo também não pode segurar
muito tempo, pois a pressão é da sociedade.
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