Em setembro de 2009
efetuei postagem com outro texto de Jabor. O núcleo do pensamento era o
mesmo deste que escreveu agora e isto mostra que, dentre os que têm espaço na
mídia, ainda há aqueles preocupados em reverberar a indignação que é de todos
aqueles com mentes abertas, mas sem oportunidade de exprimir a repulsa sobre as
coisas que acontecem.
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Os canalhas nos ensinam mais
Arnaldo Jabor - para o jornal O Estado de S.Paulo, 31/01/2012
Nunca
vimos uma coisa assim. Ao menos, eu nunca vi. A herança maldita da política de
sujas alianças que Lula nos deixou criou uma maré vermelha de horrores.
Qualquer gaveta que se abra, qualquer tampa de lata de lixo levantada faz
saltar um novo escândalo da pesada. Parece não haver mais inocentes em Brasília
e nos currais do País todo. As roubalheiras não são mais segredos de gabinetes
ou de cafezinhos. As chantagens são abertas, na cara, na marra, chegando ao
insulto machista contra a presidente, desafiada em público. Um diz que é forte
como uma pirâmide, outro que só sai a tiro, outro diz que ela não tem coragem
de demiti-lo, outro que a ama, outro que a odeia. Canalhas se escandalizam se
um técnico for indicado para um cargo técnico. Chego a ver nos corruptos um
leve sorriso de prazer, a volúpia do mal assumido, uma ponta de orgulho por
seus crimes seculares, como se zelassem por uma tradição brasileira.
Temos a
impressão de que está em marcha uma clara "revolução dentro da
corrupção", um deslavado processo com o fito explícito de nos acostumar ao
horror, como um fato inevitável. Parece que querem nos convencer de que nosso
destino histórico é a maçaroca informe de um grande maranhão eterno. A mentira
virou verdade? Diante dos vídeos e telefonemas gravados, os acusados batem no
peito e berram: "É mentira!" Mas, o que é a mentira? A verdade são os
crimes evidentes que a PF e a mídia descobrem ou os desmentidos dos que os
cometeram? Não há mais respeito, não digo pela verdade; não há respeito nem
mesmo pela mentira.
Mas,
pensando bem, pode ser que esta grande onda de assaltos à Republica seja o
primeiro sinal de saúde, pode ser que esta pletora de vícios seja o início de
uma maior consciência critica. E isso é bom. Estamos descobrindo que temos de
pensar a partir da insânia brasileira e não de um sonho de razão, de um desejo
de harmonia que nunca chega.
Avante,
racionalistas em pânico, honestos humilhados, esperançosos ofendidos! Esta
depressão pode ser boa para nos despertar da letargia de 400 anos. O que há de
bom nesta bosta toda?
Nunca
nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a dura verdade neste rio sem
foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Finalmente, nossa crise endêmica
está em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. Vemos que
o País progride de lado, como um caranguejo mole das praias nordestinas. Meu
Deus, que prodigiosa fartura de novidades sórdidas estamos conhecendo, fecundas
como um adubo sagrado, tão belas quanto nossas matas, cachoeiras e flores. É um
esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras. Como mentem arrogantemente
mal! Que ostentações de pureza, candor, para encobrir a impudicícia, o
despudor, a mão grande nas cumbucas, os esgotos da alma.
Ai,
Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de patrimônio, declarações de renda
falsas, carrões, iates, piscinas em forma de vaginas, açougues fantasmas, cheques
podres, recibos laranjas de analfabetos desdentados em fazendas imaginárias.
Que
delícia, que doutorado sobre nós mesmos!... Assistimos em suspense ao dia a dia
dos ladrões na caça. Como é emocionante a vida das quadrilhas políticas, seus
altos e baixos - ou o triunfo da grana enfiada nas meias e cuecas ou o medo dos
flagrantes que fazem o uísque cair mal no Piantella diante das evidências de
crime, o medo que provoca barrigas murmurantes, diarreias secretas,
flatulências fétidas no Senado, vômitos nos bigodes, galinhas mortas na
encruzilhada, as brochadas em motéis, tudo compondo o panorama das obras
públicas: pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais
cancerosos, orgasmos entre empreiteiras e políticos.
Parece
que existem dois Brasis: um Brasil roído por ratos políticos e um outro Brasil
povoado de anjos e "puros". E o fascinante é que são os mesmos
homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico (ups!) - isto é,
filosófico: o que é a verdade?
Se a
verdade aparecesse em sua plenitude, nossas instituições cairiam ao chão. Mas,
tudo está ficando tão claro, tão insuportável que temos de correr esse risco,
temos de contemplar a mecânica da escrotidão, na esperança de mudar o País.
Já
sabemos que a corrupção não é um "desvio" da norma, não é um pecado
ou crime - é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas, nas almas.
Vivemos nossa diplomação na cultura da sacanagem.
Já
sabemos muito, já nos entrou na cabeça que o Estado patrimonialista, inchado,
burocrático é que nos devora a vida. Durante quatro séculos, fomos carcomidos
por capitanias, labirintos, autarquias. Já sabemos que enquanto não
desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as
emendas ao orçamento, as regras eleitorais vigentes, nada vai se resolver.
Enquanto houver 25 mil cargos de confiança, haverá canalhas, enquanto houver
Estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo
perdido, haverá canalhas. Com esse Código Penal, com essa estrutura judiciária,
nunca haverá progresso.
Já
sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais,
estradas. Não adianta punir meia dúzia. A cada punição, outros nascerão mais
fortes, como bactérias resistentes a antigas penicilinas. Temos de desinfetar
seus ninhos, suas chocadeiras.
Descobrimos
que os canalhas são mais didáticos que os honestos. O canalha ensina mais. Os
canalhas são a base da nacionalidade! Eles nos ensinam que a esperança tem de
ser extirpada como um furúnculo maligno e que, pelo escracho, entenderemos a
beleza do que poderíamos ser!
Temos
tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades pelo chorrilho de
negaças, de "nuncas", de "jamais", de cínicos sorrisos e
lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Céus, por
isso é que sou otimista! Ânimo, meu povo! O Brasil está evoluindo em marcha à
ré!
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