Perdoa-me o
entusiasmo, mas penso ser importantíssimo conhecermos todos os aspectos que
formaram a nacionalidade brasileira, mesmo que sejam eventos de pequena duração
ou de pouco impacto. Este, o da Colônia Anarquista, é significativo pela
composição do grupo, a partir imigrantes italianos, aqui situados no contexto
da política de colonização do Império, pelas ideias contidas nele e pela
vinculação com uma das sociedades curitibanas mais tradicionais, a SOCIEDADE
GIUSEPPE GARIBALDI, situada no Centro Histórico da capital do Paraná. O filme,
indicado no texto, além de instigante e esclarecedor sobre o episódio, também
estabelece os limites da nossa pobreza cultural que nos leva a nada registrar
sobre episódios tão significativos. Embora o Anarquismo tenha os tons cinzentos
do Comunismo, e foi por esta última doutrina incorporado depois, marcou um
momento de tentativa que não pode esquecido.
_____________________________________________________________
Colônia Cecília, o 1º experimento
anarquista no Brasil
Em artigo, Celso Lungaretti resgata um
episódio pouco conhecido dos brasileiros. Pelas lentes do cineasta francês
Jean-Louis Comolli, descobre-se o experimento criado no século XIX por europeus
no interior do Paraná
POR CELSO LUNGARETTI | 21/01/2014
|
O filme La Cecilia (d. Jean-Louis
Comolli, 1975) resgata um episódio histórico pouco conhecido entre nós, embora
aqui transcorrido: a implantação de uma colônia rural no Paraná, por parte de anarquistas italianos.
Pode ser assistido em (http://youtu.be/MTHaEWuIsJg),
completo e legendado.
O
experimento durou cerca de quatro anos, entre 1890 e 1893. Houve muito
entusiasmo no início, mas depois foram aflorando os problemas que acabariam
levando à extinção da colônia. Eis alguns deles:
-
a contribuição desigual de citadinos e camponeses, pois a produtividade dos
primeiros era inferior. Deveriam receber a mesma fração dos frutos do trabalho,
conforme os ideais igualitários? Isto não significaria uma espécie de
proletarização dos que produziam mais por estarem acostumados a lidar com a
terra? De outra parte, se os lavradores fossem melhor aquinhoados do que os
outros, não estaria sendo reproduzida a escala de valores da sociedade
burguesa? Inexistia uma solução que contentasse a todos.
-
a dificuldade de lidarem, no dia a dia, com o conceito do amor livre, uma
novidade que incomodava principalmente as colonas de origem camponesa;
-
a absoluta falta de seriedade do Estado brasileiro, que já era patético décadas
antes de De Gaulle o haver constatado. O imperador Pedro II, atendendo a pedido
do músico Carlos Gomes, doou as terras para a instalação da Cecília, mas,
proclamada a República, o seu ato foi sumariamente revogado e os colonos
tiveram de pagar pelas terras com parte de sua colheita e trabalhando sem
remuneração em obras do governo;
-
a hostilidade dos moradores da região (por sentirem-se prejudicados pela
concorrência) e de uma vizinha comunidade polonesa, católica e conservadora;
-
as fases de escassez e de fome, com a consequente ocorrência de doenças
decorrentes da desnutrição (problemas passageiros, que, contudo, reforçaram a
tendência ao egoísmo por parte dos menos convictos dos ideais anarquistas,
gerando nocivas divisões);
-
a tentativa do governo de recrutar os colonos (italianos!!!) para combaterem a
Revolução Federalista, o que, inclusive, contrariava seus ideais, pois
simpatizavam com os revoltosos.
A
Cecília chegou a ter 250 moradores, houve defecções em massa, a chegada de
novas levas de pessoas atraídas pela divulgação nos círculos libertários
europeus, etc. Alguns desistentes migraram para Curitiba, onde fundaram a
Sociedade Giuseppe Garibaldi.
É
o que o filme mostra, de forma dramatizada e com evidente simpatia pela causa.
Vale
destacar que o elenco, cuja única cara familiar ao público brasileiro é a do
ótimo Vittorio Mezzogiorno (No coração da montanha, O processo do desejo, Três
irmãos), deu perfeita conta do recado.
Particularmente,
eu preferiria uma abordagem menos convencional -como, por exemplo, a que o
cineasta suíço Alain Tanner deu aos ideais de 1968 no seu extraordinário Jonas,
que terá 25 anos no ano 2000.
Mas,
sendo tão raras as produções que enfocam episódios históricos ligados ao
anarquismo, temos mais é de difundi-las e recomendar a sua discussão.
Chega
a ser chocante que, em meio a tanta tralha produzida no Brasil, ninguém haja
realizado um filme sobre a Colonia Cecília. Nem sobre a importantíssima greve
geral de 1917, a primeira com maior abrangência em nosso país, tendo sido
dramática, sangrenta, longa e… vitoriosa!
A
tutela do sectário PCB sobre a historiografia de esquerda implicou a
minimização tanto da Colonia Cecília quanto da greve de 1917, durante décadas.
Quando as bandeiras negras anarquistas foram erguidas nas barricadas
parisienses em 1968, o interesse dos historiadores por ambas foi reavivado, daí
resultando livros e estudos acadêmicos que dimensionaram melhor sua relevância.
Nosso cinema, contudo, continua desperdiçando estes
dois grandes temas. Que cada um teça suas conjeturas sobre os motivos de tão
injustificável omissão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário