Sou fã do jurista Dallari, menos em opiniões como esta. Penso ser justo
e necessário que os cidadãos acompanhem os debates, vejam as suas nuances,
entendam os argumentos jurídicos contextualizados nos processos e, finalmente,
formem opinião sobre aquilo que está sendo julgado. Um dos argumentos de
Dallari reza que quem assiste aos julgamentos nada entende do campo jurídico.
Pura falácia! Esconder-se, sim, esconder-se, na sala dos julgamentos não é
democrático e pode ser, até, suspeito. Não!, não aceito argumentos de que em
outros países com Instituições mais avançadas é diferente, pois vivo no Brasil
e é aqui que necessitamos formar nossa cidadania.
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Publicidade, vedetismo e deslumbramento
Por Dalmo de Abreu Dallari
A experiência que
já se tem da transmissão ao vivo – ou, segundo a gíria dos meios de
comunicação, da transmissão em tempo real – das sessões do Supremo Tribunal
Federal deixa mais do que evidente que essa prática deve ser imediatamente
eliminada, em benefício da prestação jurisdicional equilibrada, racional,
sóbria, inspirada nos princípios jurídicos fundamentais e na busca da Justiça,
sem a interferência nefasta de atrativos e desvios emocionais, ou de pressões
de qualquer espécie, fatores que prejudicam ou anulam a independência, a
serenidade e a imparcialidade do julgador.
A par disso, a
suspensão da transmissão direta das sessões contribuirá para a preservação da
autoridade do Supremo Tribunal Federal, livrando-o da louvação primária aos
rompantes e destemperos emocionais e verbais de alguns ministros. A recreação
proporcionada pela transmissão ao vivo das sessões do Supremo Tribunal equipara
o acompanhamento das ações da Corte Suprema às manifestações de entusiasmo ou
desagrado características das reações do grande público às exibições dos
programas de televisão que buscam o envolvimento emocional dos telespectadores
e a captação de consumidores para determinados produtos, recorrendo ao
pitoresco ou à promoção de competições entre pessoas ou segmentos sociais sem
maior preparo intelectual para a avaliação racional e crítica de disputas de
qualquer natureza.
Como tem sido
observado por estudiosos e conhecedores do Judiciário, o Brasil é o único país
do mundo em que as sessões do Tribunal Superior são transmitidas ao vivo,
proporcionando recreação aos que as assistem, pessoas que, na quase totalidade,
não têm conhecimentos jurídicos e são incapazes de compreender e avaliar os
argumentos dos julgadores e o real sentido das divergências que muitas vezes se
manifestam durante o julgamento e que, em inúmeros casos, já descambaram para
ofensas grosseiras e trocas de acusações absolutamente desrespeitosas entre os
ministros do Supremo Tribunal Federal.
Diálogo áspero
A prática dessas
transmissões teve início com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº
10.461, de 17 de maio de 2002, que introduziu um dispositivo na Lei n° 8.977,
de 6 de janeiro de 1995, que dispõe sobre o serviço da TV a cabo. Foi, então,
acrescentada uma inovação, que passou a ser o inciso “h” do artigo 23,
estabelecendo que haverá “um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para
divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos Serviços essenciais à Justiça”.
A utilização desse
veículo de comunicação ganhou enorme ênfase, com absoluto desvirtuamento da
idéia de serviço, quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal o ministro
Gilmar Mendes, que dirigiu a Suprema Corte de 2008 a 2010. Basta assinalar que
no orçamento do STF para o ano de 2010 foram destinados 59 milhões de reais a
“Comunicações Sociais”, quantia essa equivalente a 11% do orçamento total da
Suprema Corte. Essa dotação superou em quase cinco vezes o orçamento anual do
Tribunal Superior Eleitoral – e isso num ano eleitoral no Brasil, em que houve
eleições de âmbito nacional.
Tem início, então,
uma fase verdadeiramente degradante para a imagem da mais alta Corte do país,
com o mais deslavado exibicionismo de alguns ministros e a transmissão, ao vivo
de trocas de ofensas e de acusações grosseiras entre membros do Supremo
Tribunal. Assim, em abril de 2010 ocorreu um diálogo extremamente áspero entre
os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. No debate transmitido para todo o
Brasil, este acusou Gilmar Mendes de ser um deslumbrado, um praticante do
vedetismo, dizendo, textualmente: “Vossa Excelência está diariamente na mídia,
dirigindo palavras ofensivas aos demais ministros e destruindo a credibilidade
do Judiciário brasileiro”.
Dois anos depois,
coube ao ministro Joaquim Barbosa presidir o Supremo Tribunal Federal e o que
se tem observado, desde então, é que o vedetismo e o deslumbramento pelo
prestígio entre os telespectadores, descaminhos que antes ele condenara,
continuaram a marcar o desempenho do ocupante da direção da Suprema Corte e a
ser a tônica na utilização do canal de televisão reservado ao Supremo Tribunal.
Linguagem elevada
Por tudo isso é
merecedor do mais veemente apoio o Projeto de Lei nº 7.004, de 2013, proposto
pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP). De acordo com esse projeto, o referido
inciso “h” do artigo 23 da Lei nº 8.977 passará a ter a seguinte redação: “Um
canal reservado ao Supremo Tribunal Federal para a divulgação dos atos do Poder
Judiciário e dos seus trabalhos, sem transmissão ao vivo e sem edição de
imagens sonoras das suas sessões e dos demais Tribunais Superiores”.
O projeto poderia
ser mais veemente, dispondo textualmente: “Vedada a transmissão ao vivo”, mas
esse é um pormenor. O que é de fundamental importância é a eliminação das
degradantes e desmoralizadoras transmissões ao vivo das sessões do Supremo
Tribunal Federal, restaurando-se na mais alta Corte brasileira uma atitude de
sobriedade, de respeito recíproco entre seus integrantes, sem os desníveis
estimulados pelo exibicionismo. E isso não trará o mínimo prejuízo para a
prática da publicidade inerente ao Estado Democrático de Direito, que deverá
ser ética, em linguagem elevada e respeitosa, transmitindo o essencial das
decisões e dos argumentos dos ministros, inclusive das divergências, a fim de
que prevaleçam os interesses da Justiça.
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Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo
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